Correio Braziliense
As "emendas Pix" ou "emendas
cheque em branco" foram criadas para dificultar o rastreamento do dinheiro
do Orçamento destinado às bases eleitorais dos parlamentares
O caso do ministro das Comunicações,
Juscelino Filho, indiciado pela Polícia Federal (PF) por crimes como corrupção
passiva, fraude em licitações e organização criminosa, acendeu uma luz vermelha
no Supremo Tribunal Federal (STF) em relação ao destino das emendas
parlamentares ao Orçamento da União. O ministro Flávio Dino determinou, nesta
segunda-feira, que seja feita uma audiência de conciliação, com representantes
do Executivo, do Legislativo, do Tribunal de Contas da União (TCU) e da
Controladoria-Geral da União (CGU), para discutir o possível descumprimento da
decisão da Corte que barrou o chamado orçamento secreto.
Juscelino é acusado de desviar emendas parlamentares quando era deputado federal, destinadas ao município de Vitorino Freire (MA), cuja prefeita é Luanna Rezende, sua irmã. O dinheiro teria sido enviado por meio da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) para a pavimentação de ruas. A empresa pública é a preferida dos deputados do Nordeste para destinação de verbas federais, devido à grande capilaridade e à facilidade para contratação de obras e serviços nos municípios. Esse inquérito da Polícia Federal jogou luz sobre um problema: o caso Juscelino pode ser a ponta de um iceberg envolvendo as emendas parlamentares.
O ministro do STF foi provocado por um pedido
da Associação Contas Abertas, da Transparência Brasil e da Transparência
Internacional - Brasil, que apontaram descumprimento da decisão do STF que
proibiu as chamadas "emendas secretas", que eram feitas pelo relator
do Orçamento sem informa o nome dos parlamentares que as propuseram. Em
dezembro de 2022, o Supremo decidiu que as emendas de relator violam a
exigência de publicidade dos atos públicos e barrou o mecanismo.
Orçamento secreto é como ficaram conhecidas
as emendas de relator ao Orçamento Geral da União, identificadas pela sigla
RP-9. O relator liberava valores do Orçamento, em geral, a pedido de deputados
e senadores. A expressão veio da falta de transparência na distribuição desses
recursos. Na ocasião, o STF determinou que toda a administração pública
precisava informar o uso de recursos dos orçamentos de 2020 e 2022 das emendas
de relator, identificando quem solicitou e quem foi o beneficiário de modo claro.
Para contornar a proibição, o Congresso criou
as "emendas de comissão" e as "emendas Pix", que permitem o
envio direto de recursos às prefeituras e aos estados, sem passar pelo crivo
dos ministérios. O ministro intimou para a audiência o procurador-geral da
República, Paulo Gonet; o presidente do TCU, Bruno Dantas; o ministro-chefe da
Advocacia-Geral da União, Jorge Messias; os chefes das advocacias da Câmara e
do Senado; e o advogado do PSol, partido autor da ação.
Emendas Pix
Dino argumenta que o STF barrou qualquer
forma alocativa de recurso público sem registro e transparência: "Não
importa a embalagem ou o rótulo (RP 2, RP 8, 'emendas pizza' etc). A mera
mudança de nomenclatura não constitucionaliza uma prática classificada como
inconstitucional pelo STF, qual seja, a do orçamento secreto", disse o
magistrado. Segundo ele, o Legislativo e o Executivo têm "larga
discricionariedade" quanto ao destino dos recursos orçamentários, mas isso
não afasta, porém, o dever de observância aos princípios e procedimentos
constantes na Constituição.
As "emendas Pix" ou "emendas
cheque em branco" foram criadas para dificultar o rastreamento do dinheiro
do Orçamento destinado às bases eleitorais dos parlamentares, em 2019, depois
da proibição do orçamento secreto. São um convite ao desvio de recursos
públicos. Os valores são transferidos por parlamentares diretamente para
estados ou municípios, sem a necessidade de apresentação de projeto, convênio
ou justificativa, o que torna difícil a fiscalização de sua execução.
Segundo relatório da CGU, por exemplo, 80% da
estrada custeada pela emenda de Juscelino beneficiaram suas propriedades e de
seus parentes na região. A obra foi executada pela empresa Construservice, que
tinha como sócio oculto o empresário Eduardo José Barros Costa, conhecido como
"Eduardo DP". As investigações foram realizadas no âmbito da Operação
Odoacro, iniciada em julho de 2022, para investigar fraudes em licitações,
desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro em contratos da Codevasf no
Maranhão.
O fato é que as emendas impositivas ao
Orçamento da União viraram um instrumento de desequilíbrio institucional e
eleitoral, pela escala que adquiriram: R$ 50 bilhões são um valor alto,
considerando que os recursos discricionários (as despesas não obrigatórias do
governo) estão em torno de R$ 200 bilhões. Ou seja, 25% das despesas do
Orçamento estão sendo utilizados sem planejamento, projetos e/ou controle
eficientes, com objetivos eleitorais; sem nenhuma responsabilidade do ponto de
vista das políticas públicas. Além de impor à coalizão de governo a autonomia
de seus parlamentares — daí as sucessivas derrubadas de vetos presidenciais —,
essas emendas desequilibram as regras do jogo na eleição, entre quem tem
mandato e quem não tem. Além de clientelistas, facilitam a formação de
"caixa dois" eleitoral.
Pois é.
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