Valor Econômico
Se a descriminalização da maconha reacende a polarização, o discurso de Lula sobre a economia coloca em risco até a estreita vantagem sobre o bolsonarismo
Com a descriminalização do porte de maconha,
o Supremo Tribunal Federal tomou uma decisão destinada a impedir a superlotação
dos presídios com jovens negros de periferia. O caráter civilizatório da medida
não impede a constatação de que o STF acendeu o fósforo no paiol da
polarização.
Ainda que o faça por desconhecimento, a maioria da população é contrária. Campanhas de esclarecimento podem minorar esta percepção, mas há um risco de que a medida caia no colo do governo e dos seus candidatos às eleições municipais. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva parecia estar pisando nesse terreno movediço quando respondeu, ao UOL, que o Supremo fazia uma intervenção indevida em tema do Congresso.
Se o debate de costumes, que já chega tarde,
torna incerta a capacidade de Lula de avançar sobre o eleitorado bolsonarista,
seu discurso sobre economia vai além. Coloca em risco até mesmo a estreita
vantagem de 2,1 milhões de votos que obteve e que hoje, a duras penas,
administra.
Basta ver o que aconteceu com o dólar, que
fechou acima de R$ 5,50 quando grandes investidores projetavam R$ 4,50 no fim
do ano. O dólar fechou em alta no mundo todo, mas, no Brasil, foi ainda mais
empurrado por Lula. É um movimento que pressiona a inflação e,
consequentemente, os juros.
O presidente colocou-se como inimigo número 1
da taxa de juros mas, quando fala, torna-se sócio de sua ascensão. O problema
não foi descartar a desvinculação de benefícios sociais da política de
valorização do salário mínimo, que não está no cardápio de cortes a ser
oferecido pela Fazenda, mas reafirmar a opção por mais receita (reoneração) sem
se mostrar convencido do corte de despesas às quais ele nem foi apresentado e,
por isso, não se pode dizer que tenha descartado.
Aquelas das quais já se tem conhecimento,
como a reforma da previdência dos militares e o PL dos supersalários, são
medidas que precisam do Congresso. Este apoio será tão mais custoso quanto mais
dificuldade o governo tiver para manter a economia estável.
O PIB cresceu 3% no ano passado e tem a
perspectiva de ficar acima de 2% este ano, o desemprego está no menor patamar
em uma década, bem como a pobreza. Quando o presidente vai pra cima do mercado
do jeito que foi (“eles pensam no lucro e o país precisa de quem pense no
povo”) sugere uma crise inexistente.
Lula voltou a falar de sua experiência de
governo e a se colocar na condição de terceiro governante mais longevo da
História, depois de d. Pedro II e Getúlio Vargas. Pouco se vale dela, porém,
para constatar que quanto mais falar que “o mercado sempre torce para as coisas
serem piores”, mais caro sairá para o governo e para o país. É uma agonia que
ameaça se estender até a escolha para o BC.
Não se trata de imaginar que Lula possa se
“render” ao mercado, mas aceitar as regras do jogo como, aliás, faz com os
demais atores desta trama da qual é o principal pivô. Tem-se mostrado cuidadoso
com o Congresso, vide a cautela com a bancada do União Brasil, partido do
ministro das Comunicações, Juscelino Filho, de quem evita fazer pré-julgamento
mas cuja permanência estará delimitada por um eventual indiciamento. Foi
simples e convincente.
Vai um pouco além com o Supremo - “Se um
ministro do STF me pedisse opinião, diria, não se meta em tudo” - porque teme
que o ministro Luís Roberto Barroso deixe uma marca de sua passagem pela
presidência da Corte à custa de um carimbo sobre seu governo a ser explorado
pela extrema-direita.
A resistência da sociedade às drogas de que
se vale para se contrapor ao Supremo na descriminalização não serve para
explicar por que o presidente custa a se reciclar em seu discurso sobre as
mulheres.
Para explicar que o PIB do país tem que
crescer para que se possa distribuir riqueza remeteu-se a um casamento. Um
solteiro, disse, que ganhe R$ 10 mil, tem sua renda diminuída pela metade
quando casa. O presidente que arrebanhou mais da metade de seus votos no
eleitorado feminino não ignora que as mulheres estão no mercado de trabalho.
Mas fala como se o fizesse. Fez o mesmo ao dizer que estão tão ausentes do seu
Ministério porque o ingresso recente na política ofertava poucas mulheres à sua
escolha.
É uma mentalidade igualmente datada aquela
que usa produção de carros, equivalente à metade do patamar de quando deixou o
governo, como indicador de crescimento. Quantos fabricantes de pás para
geradores de energia eólica havia em 2010?
Com tanto tempo no poder, é improvável que
Lula se deixe trair por tantos atos falhos. Por isso, parece ter sido caso
pensado a promessa de uma entrevista em dezembro de 2026 para fazer um balanço
de seu governo. Sugere que se prepara para passar o bastão. Para quem? “O
Haddad é uma pessoa muito importante para mim e para o país e quero muito bem a
ele. A gente tem divergência e não comungo com tudo que ele pensa nem ele
comigo, mas ele tem 100% da minha confiança”.
Com que marca? A devolução do país à
democracia, disse, repetindo o que foi a bandeira de sua eleição. A
possibilidade de renovar o mandato, para si ou para o sucessor que vier a
escolher, ainda depende do que fizer e do que disser. Discursos enfezados contra
o mercado têm o efeito oposto àquele que pretende. Enriquecem quem ganha com
volatilidade e empobrecem quem perde com inflação.
Verdade.
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