quinta-feira, 6 de junho de 2024

Maria Cristina Fernandes - A sombra de Dilma III invade a política

Valor Econômico

Com o pomposo nome de repactuação da agenda do próximo biênio, Alcolumbre e Lira querem tomar conta do Executivo

O governo escapou de uma derrota, mas o enrosco da taxação das compras internacionais até US$ 50 trouxe à tona a antecipação de um cenário marcado para acontecer depois das eleições municipais. A alcunha de “Dilma III”, que persegue a trajetória fiscal do governo, agora invade a política.

Na comparação, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sempre deixou a sucessora coberta de poeira. Não se deixaria dominar pelo Centrão porque é do ramo. Mas eis que o “imposto das blusinhas” revelou que nem mesmo o mais experiente dos presidentes está a salvo. O senador Davi Alcolumbre (União-AP) e o deputado Arthur Lira (PP-AL) não querem apenas renovar o poder no Legislativo. A empreitada tem um nome pomposo, repactuação da agenda do próximo biênio, mas se trata de tomar conta do Executivo.

O único capaz de barrar este assalto, diz o PT, é Lula. Mas o presidente não apenas ganhou por margens estreitas como também é por elas contido. Lula I peitou a taxação dos inativos porque não havia quem disputasse a base da sociedade com sua liderança.

Agora a desvinculação da Previdência do salário mínimo está fora de cogitação, a despeito de déficit potencialmente explosivo, porque Lula tem a direita no encalço de sua base como nunca antes na história.

A disputa se estende da base ao topo. A despeito de o PIB ser crescido no primeiro trimestre acima das expectativas, do mix emprego em alta e inflação em queda, o azedume no topo da pirâmide cresce à medida que a ênfase na receita não é acompanhada de corte de gastos.

Quando se anunciou que o governo pretendia propor a taxação da previdência privada, grupos de WhatsApp de executivos do mercado financeiro explodiram. Queixavam-se de que, além da taxação dos fundos offshore e exclusivos, tributariam herança para “dar dinheiro pro Judiciário e pro Congresso”. Foi o risco de o azedume chegar à classe média, porém, que levou ao recuo.

O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), disse a “O Globo” que não se pode exigir protagonismo na articulação de quem voltou ao poder depois de prisão em que foi impedido de ir ao enterro do irmão, esteve no do neto como se fosse um traficante e assistiu a comemorações da morte da ex-primeira-dama, Marisa Letícia.

Ao reconhecer as dificuldades que enfrenta para cumprir suas tarefas, Wagner sugere que a do presidente se esgotou com a derrota do bolsonarismo, mas são as margens estreitas pelas quais Lula se move que fazem com que os chefes do Legislativo se apresentem para o serviço.

Virou moeda corrente hoje no Senado a constatação de que um governo não pode lidar com um Congresso de centro-direita com todos os cargos de liderança e, principalmente, cargos-chave no Palácio do Planalto, nas mãos do PT. Alcolumbre tem uma solução para este problema: lá instalar o atual presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), de preferência na Casa Civil.

Passou a se posicionar de forma mais decidida depois de concluir que Lira segue determinado a fazer um combo da disputa da mesa com a ocupação da Saúde. Sua titular, Nísia Trindade, é “acusada” de se dedicar ao SUS, deixando a saúde privada e, principalmente, os interesses privados na Pasta de lado. É este o pano de fundo da disputa de Lira com o ministro Alexandre Padilha.

O PT é useiro e vezeiro em entregar a Saúde para o MDB quando a água ultrapassa a linha do pescoço. Lula I manteve a Pasta com o PT (Humberto Costa) até o mensalão, quando a entregou ao MDB (Saraiva Felipe). Lula II partiu para o abraço com o partido sanitarista de ponta a ponta (Agenor Alvares e José Gomes Temporão). Dilma I fechou com o PT (Padilha), e Dilma II também começou com o partido (Arthur Chioro), mas entregou a Pasta para o MDB (Marcelo Castro) na vã tentativa de se salvar do impeachment.

Quando Michel Temer assumiu, achou por bem retribuir os préstimos do PP à sua posse e lhe entregou a Saúde (Ricardo Barros). Jair Bolsonaro manteve os cargos de segundo escalão do PP, que agora quer retomá-los e pegar o comando da Pasta de volta.

A vitória de Lira na sucessão da mesa diretora é uma pré-condição. Daí o jogo de Alcolumbre ao prestigiar como relator de matéria tão crucial um senador, como Rodrigo Cunha (Podemos-AL), capaz de embaralhar o jogo de Lira, que busca, nessas eleições municipais, montar as bases de sua vaga no Senado em 2026.

Turbinado pelo acordo com a Braskem, que entregou R$ 2,7 bilhões à Prefeitura de Maceió pelo dano ambiental causado à cidade, o atual prefeito de Maceió, João Henrique Caldas, não apenas deve se reeleger como tem tudo para disputar cargo majoritário em 2026.

Por isso, Lira pretendia colocar um aliado na sua vice e inibir sua desincompatibilização do cargo. Ao escapar dessa armadilha convidando Cunha para vice, JHC sugere que a competição pelo Senado será mais acirrada do que Lira esperava, visto que o senador Renan Calheiros (MDB) também pretende renovar sua cadeira.

A dificuldade possibilitou a Alcolumbre e Pacheco oferecer a solução, com a derrota da manobra de Cunha. O episódio, porém, deixa claro que os enroscos não se limitam às pautas de segurança ou de costumes. Invadem as votações que podem garantir fôlego fiscal ao país. O Congresso estica a corda para forçar os portões da cidadela lulista. O problema de o presidente escancará-los agora é o que entregar depois da dificílima eleição municipal que tem pela frente.

 

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