O Globo
Os bons números da economia ficam muitas vezes submersos entre as projeções pessimistas do mercado e o ambiente político deteriorado
Algo comum no noticiário econômico e nos relatórios dos bancos é dizer que o “resultado veio em linha com as previsões”, informando que os analistas do mercado financeiro acertaram. Não foi diferente na notícia do PIB do primeiro trimestre, mas a verdade é que no começo do ano ninguém previa um crescimento de 0,8%. Todos os números eram bem menores. Quando o resultado saiu, houve outra surpresa, o da alta de 4,1% no investimento. Em meio ao faroeste político do país, que na semana passada foi particularmente intenso, a economia tem apresentado sempre algum bom número de atividade, de mercado de trabalho, de inflação e até de arrecadação. Sombras e incertezas estão no horizonte, mas isso faz parte da natureza da economia, agravado pelo clima tenso da política.
Previsão é aquilo que se faz antes, é óbvio.
Mas, no mundo das projeções econômicas, não é. A previsão vai sendo ajustada a
cada novo número, arrumando-se diante das surpresas e, no fim, todos se
congratulam pela realidade ter saído “em linha”. O erro sempre é ler apenas a
última linha. O mais relevante, e que está posto para os economistas, é que a
economia brasileira e mundial têm mudado tanto que são necessários novos
estudos e lunetas recalibradas. Uma área que tem surpreendido é o mercado de
trabalho, com taxas sempre melhores do que a esperada.
— Realmente, o mercado de trabalho tem
surpreendido bastante no último semestre, porque se esperava uma desaceleração
que não ocorreu. O ritmo de criação de emprego diminuiu, isso de fato
aconteceu, mas foi menor do que o esperado — diz o economista Daniel Duque,
pesquisador da FGV/IBRE.
No começo do ano, o desemprego sobe pelo
aumento da procura, mas desta vez ele permaneceu baixo. Há duas surpresas em
relação ao mercado de trabalho: ele está melhor do que o previsto e está
afetando menos a inflação, já que continua um processo de desinflação que, este
ano, tirou um ponto percentual do acumulado em 12 meses.
A taxa de investimento é muito baixa no
Brasil e isso é um problema estrutural e grave. Mas os números do primeiro
trimestre mostraram um aumento de 4,1% no investimento. Segundo a CNI, 73% das
grandes indústrias dizem que farão investimentos, a maioria para melhorar e
aumentar a capacidade produtiva e uma parte pequena para desenvolver novos
produtos. No setor imobiliário, principalmente para as faixas mais baixas de
renda, há um forte crescimento. Só uma empresa, a Plano&Plano, na lista das
dez maiores, está com 50 canteiros de obras e já fez quatro lançamentos. A MRV,
a mais forte nesse segmento econômico, fechou o primeiro trimestre com vendas
líquidas de mais de R$ 2 bilhões, um avanço de 13,7% no ticket médio, depois de
ter batido um recorde de vendas de R$ 8,54 bilhões no ano passado. O diretor
Ricardo Paixão, da MRV, acha que as condições de venda estão melhores este ano.
A balança comercial surpreendeu também,
porque se esperava inicialmente um bom saldo, mas menor do que o do ano
passado, que foi espetacular, de US$ 98,8 bilhões. Neste começo de ano, apesar
da queda da exportação de soja, que estava prevista, o Brasil bateu recorde nos
primeiros cinco meses com superávit de US$ 35,9 bilhões.
O problema fiscal tem sido sempre uma
assombração no Brasil e vai continuar sendo, mas os últimos dados divulgados no
fim do mês passado pelo Tesouro
Nacional, mostram um superávit primário de R$ 30 bi acumulados em quatro meses.
A economia está com indicadores positivos.
Não há razão para euforia, nem para esse clima de fim de mundo que aparece às
vezes. O país gastou dias discutindo, viu refregas públicas, ameaças de
traições a padrinhos políticos, disputas paroquiais, apenas porque o governo
decidiu taxar importados até US$ 50. Sexta-feira, o ministro Fernando
Haddad se desentendeu com um banco no qual tinha ido falar,
porque eles disseram à imprensa que ele disse o que não havia dito. O dólar tem
subido no mundo inteiro, mas um pouco mais no Brasil. Haddad propôs limitar o
uso de créditos tributários para cobrir a perda de
receita com a desoneração de 17 setores e iniciou-se uma nova
guerra com o setor produtivo, principalmente o agronegócio.
Esse ambiente deteriorado na política e as
avaliações sempre pessimistas na economia dão um quadro do país pior do que ele
é. E o Brasil, convenhamos, já tem desafios demais a enfrentar.
Verdade.
ResponderExcluir