O Globo
O país precisa decidir o que quer do
ministro: que ele equilibre as contas ou que ele nunca mexa nos benefícios
fiscais
O país tem que decidir o que vai pedir ao
ministro Fernando
Haddad: ou que ele equilibre as contas ou que ele nunca mexa nos
benefícios fiscais, nem feche jamais as brechas pelas quais alguns pagam menos
impostos. A MP do equilíbrio fiscal tem o defeito de deixar algumas empresas
com o acúmulo de créditos tributários que não podem ser usados. A proposta
surgiu da necessidade de cumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, que
estabelece a obrigação de apontar outra fonte de arrecadação, se há uma perda
de receita ou um gasto extraordinário.
A restrição levantou uma enorme ira contra o ministro e vai acabar sendo alterada. Exportadores ou setores isentos do PIS/Cofins recebem os créditos, só que não terão como usá-los. Ficam com um direito sem saber quando conseguirão compensar esses créditos. Hoje eles são utilizados para pagar outros impostos. Pela MP, servirão apenas para pagar o próprio PIS/Cofins. A confusão mostra como o sistema tributário brasileiro é todo cheio de distorções e de vantagens para alguns.
Um benefício fiscal pode ser bom para toda a
sociedade, mas uma coisa tem que ficar entendida: renúncia fiscal é gasto. É
tão gasto quanto a execução de uma despesa. Então quem pede que o ministro
corte gastos, mas reage a qualquer suspensão de renúncia fiscal está sendo
contraditório.
Esse dilema não é o único dos ministros da
Fazenda e do Planejamento. Desde que a meta fiscal foi alterada, o mercado
passou a apostar que novas mudanças seriam feitas. Ela foi vista como a
primeira de uma série. Os ministros Fernando Haddad e Simone Tebet ficam
entre dois fogos. A desconfiança do mercado e a falta de apoio da ala política
do governo à gestão fiscal. Não houve qualquer declaração dos líderes, dos
ministros, nem do presidente Lula,
em defesa dos tetos que estão estabelecidos no arcabouço fiscal. A força de um
ministro depende dos sinais claros de apoio do presidente da República.
A cada proposta que Haddad faz, há uma chuva
de críticas de que o arcabouço fiscal só se sustenta com a “sanha
arrecadatória” e que o ministro precisa é cortar gastos. Precisa mesmo, porque
o Estado tem que ser mais leve para os contribuintes e mais eficiente para a
economia. Porém, é importante entender o que houve no país.
O governo Lula pegou uma herança maldita do
governo Bolsonaro na área fiscal. Precatórios caloteados, subsídios a
combustíveis fósseis, imposição de perdas aos estados, elevação de renúncias
fiscais, aumento do gasto social por motivos eleitoreiros, congelamento dos
salários dos servidores civis por quatro anos, desmonte de agências
governamentais estratégicas e a escalada das emendas parlamentares.
O economista Felipe Salto escreveu
recentemente que, se as emendas parlamentares fossem limitadas a 1% das
despesas discricionárias aprovadas no Orçamento, haveria um ganho estimado de
R$ 30 bi. Salto alerta: “elas competem por espaço orçamentário com projetos de
investimento estruturante. É hora de regular isso”. E é hora de regular também
por razões institucionais. É a democracia que se enfraquece com as emendas
crescentes que vão tirando atribuição do executivo de executar o orçamento.
Diminuir despesas nunca é fácil, mas é
preciso entender o contexto. Cortar nos salários dos servidores civis federais,
que enfrentaram um arrocho deliberado no governo passado, não faz sentido. Mas
evidente que a máquina tem ineficiências, desperdícios e contratos que precisam
ser revistos.
Quando o governador de São Paulo, Tarcísio de
Freitas, anunciou um plano de ajuste fiscal o fez um pouco tarde —
um ano e meio depois de assumir o governo — mas não tarde demais. Uma parte do
ajuste dele é exatamente cortar gastos tributários. O governador deve ir em
frente com seus cortes, para que não fiquem no papel, já que foram tão
elogiados. O grande problema do ajuste fiscal de Tarcísio é que o maior item de
ganho para os cofres paulistas será a renegociação da dívida com a União. Ou
seja, ele está pedindo para pagar menos da sua dívida, transferindo o custo
para os contribuintes de outras unidades da federação.
Fazer ajuste fiscal, reduzir custos e
equilibrar despesas é aquilo que se faz com muita firmeza, e também com
coerência. As renúncias fiscais estão entre os maiores blocos de despesas do
país. Só podem ser enfrentadas se a área econômica tiver o apoio do presidente
e da ala política.
Verdade.
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