sábado, 1 de junho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Julgamento mais importante de Trump será na urna

O Globo

Condenação criminal inédita do ex-presidente lança disputa eleitoral deste ano em território desconhecido

Momentos depois de tornar-se o primeiro ex-presidente americano a ser condenado por um crime, ainda nas dependências de um tribunal em Nova York, Donald Trump declarou que o veredito será dado pelo povo em 5 de novembro, dia da eleição americana. Trump é conhecido por proferir mentiras em série, mas até o mais inflamado de seus críticos será obrigado a concordar que desta vez falou uma verdade: apenas as urnas terão o condão de decidir seu destino — e o de todo o país.

Os Estados Unidos não contam com lei semelhante à da Ficha Limpa, portanto, mesmo condenado, o nome de Trump estará nas cédulas depois de referendado na convenção republicana de julho. A sentença será proferida também em julho, dias antes da convenção. Como Trump não tem antecedentes criminais, é remota a chance de ser preso. O cenário mais provável é uma multa acompanhada de liberdade condicional. Ainda assim, o ineditismo da situação lança desde já a disputa deste ano em território desconhecido.

O júri de 12 nova-iorquinos considerou Trump culpado nas 34 acusações de ter falsificado registros contábeis para encobrir um escândalo sexual na campanha presidencial em 2016. Havia bons argumentos para que a condenação fosse mais branda. Pela lei de Nova York, a falsificação configura apenas delito. Os jurados só o condenaram por crime depois de convencidos de que a intenção era interferir na eleição de 2016. A defesa não fez muito esforço para livrar Trump da condenação. Para a base trumpista mais aguerrida, a sentença é mais uma prova de “caça às bruxas”. O site para doações à campanha de Trump entrou em colapso tamanha a procura depois da sentença. Sua aposta política é que apresentar-se como vítima da injustiça de um “sistema corrupto” renderá votos.

Faltando cinco meses para a eleição, é cedo para conhecer o impacto dessa estratégia na urna. Mas já ficou claro para onde Biden terá de dirigir suas armas até lá. O foco dos democratas será atrair, nos estados decisivos, eleitores que diziam estar dispostos a reconsiderar o voto em caso de condenação e apresentar-se como alternativa ao caos representado pela volta de Trump à Casa Branca. Nos estados mais críticos — Wisconsin, Michigan e Pensilvânia —, as pesquisas revelam equilíbrio. São os mesmos estados que custaram a derrota a Hillary Clinton em 2016. As próximas semanas permitirão avaliar o efeito das manchetes negativas na candidatura republicana. E os próximos meses, se os democratas aprenderam algo com aquela derrota.

Trump não é apenas um ex-presidente. Tem milhões de apoiadores fiéis, uma máquina eleitoral poderosa e bilhões à disposição para gastar. É acusado de ter conspirado para reverter os resultados da eleição de 2020 e de ter relutado em entregar documentos secretos mantidos após sair do governo. As duas acusações resultaram em processos que não deverão ser julgados até novembro. O caso de Nova York era considerado o menos robusto do ponto de vista jurídico, e os recursos da defesa também só deverão ser julgados depois da eleição. Se Trump vencer, colocará o país diante de questões constitucionais inéditas sobre o alcance da Justiça ante um presidente em exercício (nem a possibilidade de “autoperdão” está descartada). Por todas as implicações possíveis, o julgamento mais crucial para o futuro dos Estados Unidos acontecerá mesmo em novembro.

Congresso não pode derrubar vacina infantil obrigatória contra Covid-19

O Globo

Parlamentares deveriam se preocupar em cobrar melhorias na logística de vacinação

A Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara aprovou recurso contra uma decisão do presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), de rejeitar um projeto excluindo a vacina contra a Covid-19 para crianças do Programa Nacional de Imunizações (PNI). Com isso, ele volta a tramitar. O Parlamento não deve decidir sobre a obrigatoriedade de vacinas. Deputados e senadores têm direito de legislar sobre qualquer assunto. Mas, mesmo numa democracia, representantes eleitos não devem interferir em decisões de cunho técnico, tomadas por autoridades sanitárias com base em dados epidemiológicos. A verdade científica não depende de opiniões. Há consenso sobre a segurança e eficácia da vacinação infantil contra Covid-19. Ela protege as crianças e a população, logo deve ser seguida a recomendação técnica, como manda a Constituição.

coronavírus continua circulando. Só em 2024, a Covid-19 já matou mais de 3.800 brasileiros. Para ter uma ideia do que isso representa, a epidemia de dengue, que neste ano bateu todos os recordes, matou até agora em torno de 3.300. Com a população adulta imunizada, as crianças se tornaram a parte vulnerável da sociedade. Daí a importância da aplicação das doses. Apesar dos baixos índices de cobertura, houve redução no número de mortes de crianças e adolescentes após o início da vacinação contra Covid-19.

Os políticos deveriam, em vez de se preocupar com isso, cobrar do Executivo maior eficiência na logística de vacinação contra a Covid-19, que tem sido falha. Como demonstrou reportagem do GLOBO, enquanto cidades como São Paulo e Rio já oferecem em seus postos vacina contra a variante mais recente do vírus, ao menos quatro capitais (Manaus, Teresina, Cuiabá e Salvador) não receberam novas doses. A vacinação tem sido feita de forma descoordenada. Cada município segue seu próprio calendário. Não há sintonia também na definição do público-alvo. Em São Paulo e noutras capitais, são elegíveis cidadãos acima de 60 anos e grupos como quilombolas ou profissionais de saúde. No Rio, a campanha começou com foco nos adultos com mais de 85 anos. Antes, havia coerência.

Falhas no abastecimento têm sido recorrentes. Em abril, o Ministério da Saúde esperou a vacina acabar para comprar nova remessa. Estoques nos postos zeraram. Na época, o governo alegou que o atraso se devia a mudanças na licitação das vacinas. Apenas no fim de abril foram comprados 12,5 milhões de doses, quantidade insuficiente para o público-alvo. O governo terá de fazer novas encomendas.

É verdade que a Covid-19 está sob controle. Mas por um único motivo: a vacinação. Apesar das campanhas negacionistas e dos percalços de logística, no ano passado foram aplicados mais de 516 milhões de doses, garantindo uma cobertura de 80%. Mesmo assim, ainda não se atingiu a meta de 90%. O Ministério da Saúde acerta ao fazer campanha sobre a importância da vacinação. Mas, para que a população se vacine, é preciso que as doses estejam disponíveis, e nisso o governo tem falhado. Essa deveria ser a preocupação.

Um condenado na Presidência dos EUA?

Folha de S. Paulo

Culpado em processo criminal, Trump representa desafio para instituições da democracia americana e estabilidade global

A condição de ex-presidente condenado criminalmente firma Donald Trump como figura inaudita, e perniciosa, na história da democracia mais importante do Ocidente.

O veredicto do júri que avaliou 34 acusações penais em Nova York demonstra de forma inequívoca o vigor de um sistema legal que vive sob ataque pelo homem que governou, de 2017 a 2021, a maior potência militar do planeta.

Como ocorreu na Chicago dos anos 1930, quando o gângster Al Capone acabou preso por sonegação fiscal e não pelos banhos de sangue que ordenava, a Justiça carimbou Trump como condenado em um caso relativamente lateral.

Seu erro não foi ter tentado calar a atriz com quem havia mantido relações, a fim de preservar sua imagem na campanha eleitoral de 2016, mas sim ter falsificado registros do dinheiro pago a Stormy Daniels para acobertá-los como serviços empresariais.

É pouco ante as outras três acusações criminais a que responde: pela tentativa de reverter a disputa que perdeu para Joe Biden em 2020, pela interferência no processo eleitoral da Geórgia naquele ano e por esconder documentos secretos consigo após deixar o poder.

Trump dificilmente será preso pela sentença a ser proferida em julho. Ainda que fosse, poderia seguir em campanha eleitoral para voltar à Casa Branca em novembro, e até governar da cadeia se eleito.

É uma distorção decorrente de um princípio fundador dos EUA, a soberania da voz do povo. Demagogos como Trump usam essa retórica libertária, pervertendo-a como autorização para um vale-tudo.

A hipótese mais perturbadora, contudo, é a de que o ex-presidente derrote Biden e enfrente as gravíssimas acusações na cadeira presidencial. Os dois processos de âmbito federal tendem a ser suspensos enquanto ele estiver no governo, mas seguem vivos, e não se sabe o que ocorreria com o da Geórgia.

O conjunto compõe receita de instabilidade que testará ainda mais a esgarçada tessitura institucional dos EUA, além de confirmar o risco geopolítico que um eventual nova mandato de Trump trará.

Resta saber o impacto eleitoral da condenação. Se é certo que apoiadores de tipos como o republicano ou seu seguidor Jair Bolsonaro (PL) são impermeáveis a acusações contra seus ídolos, o pleito americano é disputado no detalhe.

Trump está pouco acima de Biden nas sondagens, mas lidera em estados-chave para uma vitória no Colégio Eleitoral —cuja composição se sobrepõe ao voto popular.

Se trumpistas podem se mobilizar pelo que veem como caça às bruxas, pesquisas indicam que pessoas sem aderência partidária tendem a não votar num condenado. E são elas que decidem a disputa.

MEC inerte

Folha de S. Paulo

Nome promissor, Izolda Cela deixa pasta, que ainda deve política para o setor

Dentre as escolhas de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para seu ministério, a da pasta da Educação mostrou-se promissora, não só pelo contraste com o descalabro sob Jair Bolsonaro (PL), mas pelos nomes selecionados. Contudo ainda não há uma política clara desenhada para combater os problemas crônicos do ensino brasileiro.

O ministro Camilo Santana governou o Ceará, unidade da Federação que melhorou significativamente seus indicadores no setor. A segunda na hierarquia, Izolda Cela, foi secretária de Educação do estado e também de Sobral (CE), cidade pioneira no incremento dos índices estaduais de aprendizagem.

Passado um ano e cinco meses de mandato, Cela deixa a pasta para disputar pleito municipal, e o MEC precisa correr atrás do prejuízo de uma gestão que, até o momento, está abaixo das expectativas.

Em relação à alfabetização, o governo apresentou na terça (28) dados que mostram melhorias na área em 2023, como se fossem resultados do programa lançado em junho do ano passado. Mas, até novembro, nenhum centavo do recurso previsto havia sido destinado para o letramento dos brasileiros.

Já a urgente reforma do novo ensino médio, que tem potencial para alavancar a aprendizagem e reduzir a evasão escolar, alta nesta etapa do ensino, foi postergada devido a hesitações na formulação do projeto e dificuldades na articulação política com o Congresso. Só foi aprovada em março deste ano.

O setor de educação exige políticas de longo prazo, já que serão responsáveis por cobrir anos, até décadas, da vida acadêmica de uma geração. Mas os números mostram como, aqui, o Estado é incapaz de implementar ações contínuas.

De acordo com o IBGE, 11,4 milhões de pessoas acima dos 15 anos são analfabetas. Pesquisa do Instituto Natura com dados do MEC mostrou que, em 2019, ínfimos 19% dos jovens do país concluíram o ensino médio na idade certa e com nível suficiente de aprendizagem.

O PT esteve no poder de 2003 a 2016. Não pode perder tempo em mais um mandato sem desenvolver políticas que deem início a mudanças consistentes nos índices vexatórios da educação brasileira.

A democracia dos EUA no tribunal

O Estado de S. Paulo

Eleitores americanos terão de escolher entre Biden, o atual presidente, e Trump, o primeiro ex-presidente dos EUA condenado pela Justiça, num inédito teste de estresse da democracia

Em novembro, os eleitores norte-americanos podem reeleger o atual presidente, Joe Biden, ou podem decidir dar as chaves da Casa Branca a um delinquente condenado pela Justiça. Não parece ser uma escolha muito difícil, mas aparentemente, a julgar pelas pesquisas de intenção de voto, grande parte dos norte-americanos ou não se importa com a ficha corrida de Donald Trump, a ponto de elegê-lo mesmo sendo um criminoso, ou não acredita na lisura do Judiciário dos Estados Unidos e considera que Trump, um notório escroque, é realmente um “perseguido político”. Em qualquer dos casos, uma vitória de Trump será um grande teste de estresse para a democracia norte-americana, que um dia já foi farol para o mundo.

A bem da verdade, a democracia norte-americana já não anda bem das pernas. Se o sistema de Justiça dos EUA não se deixou intimidar pela truculência trumpista no processo em que o ex-presidente acaba de ser condenado, em Nova York, é fato que o trumpismo já começou a contaminar a Suprema Corte – que aceitou as chicanas da defesa de Trump e só analisará os vários processos contra o ex-presidente após as eleições, a despeito da gritante gravidade de alguns deles.

Ou seja, os eleitores norte-americanos votarão no escuro, sem saber se o candidato do Partido Republicano é o golpista e traidor da pátria que seus acusadores dizem que ele é. Na hipótese de que seja eleito, Trump, obviamente, tomará providências para que jamais seja julgado pelo terrível ataque que comandou contra as instituições de seu país e contra o processo eleitoral de 2020.

Ainda assim, na votação entre os jurados no caso em que foi julgado, Trump foi derrotado de lavada. Por unanimidade, um júri composto por 12 nova-iorquinos – 7 homens e 5 mulheres, entre os quais presumivelmente há eleitores do ex-presidente – concluiu que Trump é culpado de todas as 34 acusações relacionadas à falsificação da contabilidade de sua campanha eleitoral em 2016.

Segundo o procurador do distrito de Manhattan, Alvin Bragg, o objetivo da manobra contábil – que envolveu a intermediação do então advogado de Trump, Michael Cohen – era esconder dos eleitores americanos um pagamento de US$ 130 mil a título de propina para evitar que o relacionamento extraconjugal que Trump manteve com a atriz pornô Stormy Daniels viesse a público. Se isso acontecesse às vésperas da eleição daquele ano, o caso poderia comprometer o plano de Trump de chegar à Casa Branca, particularmente por seus impactos negativos no eleitorado ultraconservador.

A conclusão do primeiro julgamento de Trump, ainda que num caso de menor relevância, repleto de inconsistências e contra o qual ainda cabe recurso, levou os EUA a uma nova fronteira histórica. Não é trivial que um ex-presidente norte-americano, que ainda tem a pretensão de voltar ao poder, tenha sido condenado num tribunal criminal.

Pode ser que se confirme a infame boutade de Trump, na campanha eleitoral de 2016, segundo a qual ele poderia matar indiscriminadamente pessoas na Quinta Avenida e não perderia um único eleitor republicano por isso. Mas também pode ser que a condenação no processo de Nova York afugente alguns eleitores independentes em número suficiente para dar a vitória a Biden numa disputa que promete ser voto a voto.

Até lá, ainda vamos ouvir a litania de Trump contra as instituições que têm a ousadia de lhe impor limites. Ontem, foi indecente a ponto de vincular sua condenação ao fato de que o juiz do caso é de origem colombiana, tudo isso em meio a um discurso segundo o qual “estamos perdendo nosso país” para os imigrantes.

Mas a indecência é parte da natureza de Trump, razão pela qual seria ingênuo esperar que a condenação o moderasse. Pelo contrário: agora na condição de primeiro ex-presidente norte-americano condenado pela Justiça, Trump, mais do que nunca, vai reafirmar a farsa segundo a qual ele é o “homem comum” que luta bravamente contra o “sistema globalista”. Como disse o presidente Biden nas redes sociais, “só há uma maneira de manter Donald Trump fora da presidência dos Estados Unidos: nas urnas”.

Manual de autocontenção para o STF

O Estado de S. Paulo

A sociedade discute cada vez mais os exageros do Supremo e se preocupa com a legitimidade de suas decisões, pois há quem ganhe com o caos. Cabe aos ministros ouvir os críticos de boa-fé

É perceptível que os recentes exageros e arroubos de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) têm causado imensa preocupação na sociedade brasileira, sobretudo em relação à manutenção da legitimidade das decisões daquela que é a última instância do Judiciário nacional. Essa legitimidade é um dos pilares da democracia, e não é à toa que os liberticidas trabalham incansavelmente para miná-la.

Mas, se é verdade que os inimigos da democracia não dormem em sua missão de destruí-la por meio da desmoralização do Supremo, também é verdade que alguns ministros do Supremo têm dado obstinada colaboração para essa desmoralização. Donde se conclui que cabe aos integrantes do Supremo fazer um exame de consciência sobre seu papel no tumulto institucional que só favorece a arenga dos extremistas.

Um bom começo seria examinar as muitas críticas que têm sido feitas de boa-fé por cidadãos e instituições genuinamente interessadas na recuperação da imagem do Supremo e no restabelecimento integral de seu papel precípuo de zelador da Constituição. Em seu conjunto, essa produção intelectual poderia servir como uma espécie de manual de autocontenção para o Supremo.

Um bom exemplo recente é o artigo Supremocracia desafiada, dos professores da FGV Direito SP Rubens Glezer e Oscar Vilhena, publicado na Revista de Estudos Institucionais da Faculdade Nacional de Direito, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). De acordo com Glezer e Vilhena, desde 2008, quando a teoria da “supremocracia” descreveu a ampliação do poder da Corte após a Constituição de 1988, já se fazia premente, por exemplo, o aprimoramento de “mecanismos de autocontenção” para evitar questionamentos à sua autoridade. Passados mais de 15 anos, o poder do tribunal só aumentou, com interferências recorrentes na vida política e nos mais variados temas – “sem que fossem desenvolvidos, na mesma medida, mecanismos de controle para reduzir riscos de excesso no exercício de sua competência”, como diz o artigo, com precisão.

Para preservar o Supremo e, consequentemente, a democracia, Glezer e Vilhena levantam o debate acerca de autoridade, imparcialidade, percepção social e legitimidade, além de clareza, coerência e consistência das decisões. Justamente para testar a capacidade do Supremo de manter sua autoridade, os extremistas pregaram desobediência às ordens daquela Corte, como fez explicitamente o então presidente Jair Bolsonaro no infame 7 de Setembro de 2021 e como fizeram os golpistas do 8 de Janeiro. Por essas razões, conforme alertam os pesquisadores, “o Supremo precisa qualificar seus processos para lidar com a crescente hostilidade”.

Daí vem um receituário: assegurar a autoridade com a recuperação da percepção de legitimidade e da adesão voluntária e robusta às suas diretrizes; ser e parecer imparcial; usar com moderação instrumentos processuais de concentração de poder, como súmulas vinculantes; respeitar as demais instâncias; evitar a catimba constitucional, a flutuação jurisprudencial ou a participação desnecessária no debate público; e praticar efetivamente a autocontenção com instrumentos para limitar decisões monocráticas muitas vezes indefensáveis – como as tomadas recentemente pelo ministro Dias Toffoli a favor de corruptos confessos no âmbito da Operação Lava Jato.

Como escreveu o cientista político Carlos Pereira em sua coluna no Estadão (Decisões monocráticas, como a de Toffoli, podem nos recolocar na rota do populismo, 26/5/2024), “decisões controversas desta magnitude e, mais ainda, fruto de mudanças sucessivas de entendimento da Corte, muitas vezes a partir de decisões monocráticas de seus ministros sobre o mesmo tema, podem ter um efeito político devastador”: o de “nos recolocar na rota do populismo”. Aqueles que se apresentam como “salvadores da democracia”, como fazem reiteradamente alguns ministros do Supremo, deveriam refletir sobre essas críticas e mudar urgentemente de atitude, pois disso depende a mesma democracia que eles julgam salvar.

Reaberta a querela da Foz do Amazonas

O Estado de S. Paulo

Magda Chambriard revela missão de perfurar no litoral do Amapá e pede debate de ministros

A presidente da Petrobras, Magda Chambriard, foi bastante específica ao divulgar como sua prioridade de gestão acelerar a exploração de petróleo para repor as reservas do pré-sal, que em seis anos entrarão em declínio. Apesar da visível preocupação com a escolha das palavras, para não queimar a largada, na prática a executiva declarou oficialmente reaberta a campanha da companhia pela perfuração de poços exploratórios na Bacia de Foz do Amazonas.

A escolhida de Lula divulgou sua missão em entrevista coletiva no primeiro dia útil após a posse, já com o desenho da estratégia que parece ter sido combinada com o Planalto: incumbir o Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) de arbitrar a questão. Trata-se claramente de uma tentativa de “despolitizar” a mais do que provável decisão do presidente Lula da Silva em favor do Ministério das Minas e Energia, de Alexandre Silveira, que defende a exploração na região, em detrimento da opinião do Ministério do Meio Ambiente, de Marina Silva, obviamente resistente ao projeto.

Lula quer extrair o petróleo da Margem Equatorial, onde está localizada a Bacia de Foz do Amazonas, sem correr o risco de perder Marina Silva, seu passaporte de credibilidade internacional para o meio ambiente. A trava que impede a perfuração dos primeiros poços não são pareceres técnicos do Ibama – cujas exigências, a bem da verdade, descem a níveis inconcebíveis de detalhe –, mas a questão política.

Enquanto Magda Chambriard dava sua primeira entrevista, Alexandre Silveira atacava em outra frente em evento em Belo Horizonte, dizendo que “nossos irmãos da Guiana” estavam “chupando de canudinho as riquezas do Brasil”. Presume-se que o ministro, cada vez mais loquaz, tenha sugerido que o país vizinho, que conseguiu acrescentar 11 bilhões em reservas de petróleo com a exploração na Margem Equatorial nos últimos anos, esteja se apropriando de petróleo que seria brasileiro e que o Brasil deveria estar extraindo.

Bobagens ministeriais à parte, não se trata de um debate trivial. O compromisso do Brasil com a descarbonização não significa interromper da noite para o dia a busca por novas reservas de petróleo. O combustível fóssil continuará ditando a geração de energia por muitas décadas e, para países como o Brasil, pode representar uma mudança de patamar econômico e social e uma ferramenta fundamental de financiamento da transição energética, que custará muito caro.

Chambriard era diretora-geral da Agência Nacional do Petróleo, Gás e Biocombustíveis (ANP) quando foram leiloados 65 blocos de petróleo na Bacia de Foz do Amazonas, em 2013, de um total de 289 blocos da 11.ª rodada da ANP. Todas as áreas foram aprovadas previamente por um grupo técnico formado por Ibama, Ministério do Meio Ambiente e ICM-Bio.

A proposta de envolver o CNPE talvez ajude a pôr fim ao impasse. Afinal, dez ministros de Estado integram o colegiado, incluindo Marina e Silveira. O placar dificilmente será favorável a Marina Silva, e Lula terá de assumir o ônus da decisão final. De preferência, ainda na primeira metade de seu mandato.

Ninguém está acima da lei nos EUA

Correio Braziliense

Em uma eleição apertada, em que a democracia norte-americana é mais segura nas mãos de Biden do que nas de Trump, uma queda provocada pela condenação pode fazer a diferença e decidir a eleição

A condenação criminal de Donald Trump pela Justiça novaiorquina não afasta o ex-presidente da disputa contra Joe Biden, cuja reeleição à Presidência dos Estados Unidos nem de longe está garantida. Mas é um fato muito relevante na política norte-americana e mundial. Mostra que ninguém está acima da lei nos Estados Unidos, como, aliás, disse Biden, ao comentar as acusações feitas por Trump de que o julgamento teria sido manipulado para beneficiá-lo.

Trump é o primeiro ex-presidente dos EUA a ser considerado culpado por um crime e condenado. A sentença final ainda não foi proferida pelo juiz encarregado do caso, mas pode, inclusive, levar o ex-presidente para atrás das grades, apesar de ser réu primário e ter mais de 70 anos, em razão da aplicação de leis estaduais e federais sobre fraude e financiamento de campanha.

A principal causa da condenação foi o pagamento secreto à ex-atriz pornô Stormy Daniel, antes das eleições presidenciais de 2016, para que não revelasse o caso que mantiveram, num rol de mais de 30 acusações. Trump deve recorrer da decisão, mas o assunto já esquenta o debate eleitoral norte-americano, que pode ter um candidato em uma situação inédita: fazer a campanha de dentro da cadeia.

Não existe nada parecido na história dos Estados Unidos. Trump ainda pode ser impedido de disputar a eleição se for comprovado seu envolvimento direto na tentativa de impedir a posse de Biden por ocasião da invasão do Capitólio. Ambos estão empatados nas pesquisas, mas pode ser que a decisão do tribunal de júri de Nova York mude a opinião de muitos eleitores.

Como sempre, o ex-presidente se diz vítima de perseguição. E tenta sensibilizar o eleitorado em torno disso. Nas primárias republicanas, porém, um percentual de eleitores na casa dos dois dígitos disse que não votaria no ex-presidente se ele fosse condenado por um crime.

Foi o caso dos eleitores republicanos de Carolina do Norte: 32% pensam que Trump não estaria apto à Presidência se fosse condenado. Em abril, pesquisas da Ipson e da ABC News também mostraram que 16% dos que apoiam Trump reconsiderariam o seu voto em tal situação.

Outros três processos criminais contra Trump, envolvendo as suas tentativas de anular as eleições presidenciais de 2020 e o tratamento de documentos confidenciais após deixar a Casa Branca, ainda estão em andamento. Entretanto, não há prazo para os julgamentos.

Por ora, Trump se beneficia do fato de que a maioria dos eleitores norte-americanos tem outras preocupações. E são temas que desgastam a imagem do presidente Biden: a inflação, a situação das fronteiras, a concorrência da China, o conflito com o presidente russo Vladimir Putin, as guerras da Ucrânia e de Gaza.

Entretanto, numa eleição apertada, em que a democracia norte-americana é mais segura nas mãos de Biden do que nas de Trump, uma queda provocada pela condenação pode fazer a diferença e decidir a eleição.

 

 

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