quinta-feira, 6 de junho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Imposto sobre importações até US$ 50 é justo

O Globo

Nova taxa de 20% contribui para criar competição mais equilibrada entre empresas do Brasil e do exterior

O Brasil está entre as economias mais fechadas do mundo. Somos um dos países que mais impõem barreiras à entrada de produtos estrangeiros, mesmo quando eles representam investimentos necessários para uma economia moderna (caso de bens digitais ou tecnologia). É evidente que reduzir as tarifas de importação seria medida bem-vinda, pois reduziria o preço de vários produtos, facilitaria a vida das empresas brasileiras mais competentes, daria acesso a insumos mais baratos e elevaria a produtividade da economia. Mas esse argumento não pode ser usado para criticar a taxação de pessoas físicas nas compras de até US$ 50 (cerca de R$ 266) realizadas em mercados virtuais, aprovada nesta quarta-feira pelo Senado.

O motivo é simples: as empresas instaladas no Brasil continuam obrigadas a pagar imposto de importação se quiserem vender os produtos. A regra atual é apenas uma injustiça. Os fabricantes e vendedores brasileiros se veem obrigados a lutar com um braço amarrado contra competidores estrangeiros anabolizados. O que acontece no varejo é sintomático. O preço médio dos produtos vendidos pela chinesa Shein é 28% inferior ao da Renner, 31% ao da Riachuelo e 33% ao da C&A, pelos cálculos do banco BTG. As compras de pequeno valor feitas por brasileiros em sites estrangeiros caíram em 2023, mas voltaram a crescer neste ano. A taxação delas em 20%, como estabelece o projeto aprovado, prejudica as empresas estrangeiras que se aproveitam dessa brecha, mas por isso mesmo torna a concorrência mais equilibrada.

A cobrança do imposto dá a segmentos expressivos da indústria e do varejo nacional — como produtores têxteis, donos de confecções de vestuário e acessórios, fabricantes de calçados e artefatos de couro, produtos de limpeza, cosméticos, perfumaria, higiene pessoal ou móveis — condições de competir em pé de igualdade com fabricantes e plataformas estrangeiros. O fim da isenção trará, além disso, mais recursos ao governo num momento de agravamento na crise fiscal. No ano passado, a Receita Federal calculou as perdas com a renúncia em quase R$ 35 bilhões até 2027. Mesmo que a arrecadação não chegue a tanto, ela fará alguma diferença para o equilíbrio das contas públicas.

Depois de negociar os termos do fim da isenção com o Executivo, os deputados aprovaram na semana passada a alíquota de 20%, incluída no Projeto de Lei sobre o Programa de Mobilidade Verde e Inovação (Mover), voltado para incentivos à indústria automobilística. Ao chegar ao Senado, porém, o relator Rodrigo Cunha (Podemos-AL) retirou o trecho do texto. No entender do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), houve quebra de acordo. Na votação desta quarta-feira, um destaque permitiu a aprovação do trecho, mas o projeto teve de voltar à Câmara por ter sido modificado pelos senadores.

Independentemente do mecanismo legislativo que leve os congressistas a um entendimento, a taxação é justa e deveria entrar em vigor. Ela é um passo na direção não apenas de maior saúde fiscal, mas sobretudo de uma competição equilibrada entre as empresas instaladas no país e as que operam lá fora.

Novo modelo de concessão consolida setor privado na gestão de rodovias

O Globo

Para reduzir pedágio em estradas menores, não será preciso oferecer serviços como guincho ou ambulância

Depois de três décadas de privatizações de rodovias federais e estaduais, a ampla maioria bem-sucedida, o governo pretende aperfeiçoar o modelo para levar os benefícios da gestão privada a estradas de tráfego menos intenso, mas relevantes na malha de conexões entre cidades do interior.

Uma alternativa em estudo no Ministério dos Transportes é oferecer aos concessionários um novo tipo de contrato para essas estradas, em que os recursos do pedágio são destinados exclusivamente à manutenção da rodovia. O custo de serviços como ambulância ou guincho fica a cargo dos motoristas que deles precisam. Em estradas com menos tráfego, diz o secretário executivo do Ministério dos Transportes, George Santoro, não é possível oferecer todos os serviços sem que o pedágio fique caro demais, inviabilizando a concessão. Quando os serviços são pagos por quem usa, o pedágio pode ser mais barato.

O novo modelo pode trazer as concessões a estradas com volume de tráfego entre 2 mil e 5 mil veículos por dia (na Rodovia Presidente Dutra, só na Grande São Paulo transitam 180 mil nos dois sentidos). Um exemplo é um trecho de 200 quilômetros da Rodovia do Aço, a BR-393, ligando a divisa de Minas Gerais a Volta Redonda, no Rio de Janeiro. A BR-393 é mais extensa, mas apenas metade foi concedida à iniciativa privada. Há reclamações contra a concessionária por não ter cumprido requisitos do contrato. Caso seja devolvida, será concedida pelo novo modelo.

O governo pediu ao Banco Mundial um empréstimo de US$ 700 milhões para financiar esse novo modelo, que batizou de “concessões inteligentes”. Os recursos serão usados em obras, custeadas pelos cofres públicos, para recuperar essas estradas de volume médio de tráfego. A intenção é que a concessionária trate de mantê-las em boas condições. Para isso, não serão necessárias grandes obras que elevariam o valor do pedágio. Em certos casos, algumas obras de reparo poderão ficar a cargo da concessionária.

As vantagens são múltiplas. Com menos exigências, o valor do pedágio fica compatível com a realidade econômica da região. O Tesouro Nacional deixa de bancar a conservação dessas estradas por meio do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). E os motoristas viajam por uma rodovia bem conservada, com sinalização adequada, portanto com menos risco de acidentes e avarias mecânicas (e menos necessidade de guincho ou ambulâncias). Essa segunda geração de concessões confirma o acerto de atrair a iniciativa privada para o setor de infraestrutura.

Desarticulação de Lula reflete planos precários

Folha de S. Paulo

Líder do governo acerta ao defender prioridade à agenda econômica, mas Planalto prefere teses petistas a plano realista

São sensatas as recomendações do líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), para que a administração petista reduza os riscos de novas derrotas no Legislativo.

Em entrevista à Folha, o parlamentar defende que o Planalto e sua base de sustentação deem prioridade à agenda econômica, distanciando-se da chamada pauta de costumes —que tem fortalecido a oposição mais reacionária.

Faz sentido: propostas capazes de dar alento ao crescimento da produção, do emprego e da renda têm o potencial de aglutinar interesses de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e da heterogênea relação de partidos representados no ministério. Tendem ainda, em tese ao menos, a enfrentar menor resistência das demais forças políticas.

O que Randolfe não pode dizer, dadas as suas funções, é que falta ao governo um projeto econômico coerente, realista e não limitado à expansão do Orçamento e à ressurreição de marcas petistas como o PAC —e que falta ao PT disposição para compartilhar poder com os parceiros da "frente ampla" da qual se valeu nas eleições.

Um exemplo quase prosaico da precariedade dos planos brasilienses se dá com a proposta de eliminar a isenção tributária para compras pequenas no exterior.

Tratava-se, no início, de uma das providências previstas pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para elevar a arrecadação e conter o déficit galopante do Tesouro Nacional. Bastou Lula perceber que a taxação seria impopular, porém, para a retirada de seu endosso.

Já no Congresso a pressão de empresários brasileiros pela medida encontrou eco, e agora resta ao Planalto a tentativa de minimizar o desgaste com uma eventual sanção envergonhada ao texto.

Caso mais grave é o dos estudos para a contenção de despesas públicas conduzidos pela equipe da ministra do Planejamento, Simone Tebet, e desautorizados, sem muita sutileza, pelo comando petista —numa evidência do papel secundário reservado às forças de centro na Esplanada.

Lula prefere insistir em velhas teses de seu partido, como demonstrou mais uma vez ao intervir no comando da Petrobras, e deixar para o sucessor a tarefa de consertar os estragos nas contas públicas. São escolhas que encarecem tanto a gestão da economia quanto a de sua coalizão partidária.

A manter-se tal panorama, muita saliva ainda será gasta em Brasília com debates bizantinos sobre a articulação política e a comunicação de um governo com poucas ideias e não muitos votos no Congresso.

Renovação protelada

Folha de S. Paulo

Países devem metas para energia limpa; Brasil tem a sua, mas foca em petróleo

De boas intenções os acordos internacionais de combate à mudança climática estão cheios. Falta ação, engajamento e senso de urgência para conter o aquecimento global, como evidencia o relatório da Agência Internacional de Energia (AIE) divulgado na terça-feira (4).

Em 2015, o Acordo de Paris estipulou a meta de manter a alta da temperatura média mundial abaixo de 2ºC, de preferência em 1,5ºC.

O pacto também determinou que todo país submeta à ONU, a cada cinco anos, um documento chamado Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, em inglês), que apresenta compromissos para arrefecer o efeito estufa.

Tal objetivo só pode ser atingido com redução e eliminação da queima de combustíveis fósseis, casos de petróleo, carvão e gás natural. Dada a histórica dependência econômica em relação a essas matrizes, por óbvio é necessário desenvolver planos para substituir os modelos baseados em emissões de carbono pela energia limpa.

Por isso, a cúpula do clima da ONU realizada em Dubai em 2023, a COP28, determinou que a capacidade instalada de energia renovável global triplicasse até 2030, atingindo 11 mil gigawatts (GM).

Segundo o relatório da AIE, entretanto, apenas 14 dos 194 países que enviaram NDCs expuseram metas específicas para esse indicador. As projeções declaradas somam 1.300 gigawatts (GM) até o fim da década —só 12% do necessário para cumprir o acordo da COP28.

Mesmo incluindo metas domésticas de 150 países analisados pela AIE, a capacidade renovável fica 30% abaixo da estipulada em Dubai. Somando-se os planos de cada país da América Latina e do Caribe, a região almeja elevar o potencial renovável em 39% até 2030, chegando a 450 GW —o Brasil responde por quase 50% desse total.

Mas o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) mostra dubiedade. Apesar da retórica pró-ambiente, não tem plano claro para a transição energética e volta suas atenções a exploração do petróleo e subsídios à indústria automotiva.

A entrega das próximas NDCs está marcada para 2025, a apenas cinco anos do prazo final para o cumprimento das metas. O Brasil já tem a sua, mas, se pretende de fato ser protagonista no cenário ambiental, deve rever ideologias desenvolvimentistas fossilizadas.

Silêncio do Ministério da Saúde sobre planos

O Estado de S. Paulo

Pululam reclamações de beneficiários de planos de saúde sobre a atuação das operadoras, mas o governo deixa o Legislativo conduzir debate e age como se nada tivesse a ver com o problema

A Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) decidiu que o reajuste anual dos planos de saúde individuais e familiares neste ano será de, no máximo, 6,91%. O porcentual ficou mais baixo que o aumento autorizado nos últimos dois anos, de 15,5% em 2022 e de 9,63% em 2023, mas superou o índice oficial de inflação, o que sempre gera críticas nem sempre justas por parte dos beneficiários.

A bem da verdade, foi um reajuste relativamente baixo para os usuários desses planos. Pena que eles sejam minoria e representem pouco mais de 8,79 milhões de beneficiários, ou 15,6% de um universo de mais de 51 milhões de clientes.

A imensa maioria dos beneficiários tem contratos coletivos – empresariais ou por adesão – e está sujeita a reajustes de até 205%, segundo reportagem publicada pelo Estadão. Para esses usuários, que somam mais de 42 milhões de pessoas, o teto da ANS não existe. Mesmo que arquem com reajustes bem mais pesados e comprometam boa parte de sua renda com os planos, esses usuários ainda estão sujeitos a rescisões unilaterais que podem ser efetivadas em meio a um tratamento ou internação.

A eles, a ANS tem pouco ou nada a dizer. Só lhes resta acreditar na palavra do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), que firmou acordo verbal com as operadoras na semana passada para suspender e reverter os cancelamentos. Os termos desse compromisso permanecem, até agora, desconhecidos. Cada empresa entendeu o que quis desse trato – e, evidentemente, procedeu da mesma forma. O pouco que se sabe é que a Câmara pretende retomar as discussões sobre uma proposta que altera o marco regulatório de saúde suplementar, em vigor desde 1998.

Tudo indica que os deputados querem trazer novamente à baila a criação dos planos de saúde populares, que cobririam somente serviços de custo menor, como exames e consultas. Nessa modalidade, nem todos os tratamentos e procedimentos presentes no rol da ANS teriam de ser cobertos. A depender do contrato, atendimentos de alta complexidade, deslocamentos por ambulância, internações e medicamentos de alto custo poderiam ser excluídos da cobertura.

Há quem diga que um plano mais simples pode trazer mais beneficiários para os planos e reduzir os gastos do Sistema Único de Saúde (SUS) com atendimentos de baixa complexidade. Há quem defenda o oposto, afinal, em casos de doenças graves, o usuário não poderia contar com o plano e teria de apelar à rede pública no momento em que mais precisaria.

A situação atual não agrada a ninguém, e já não é de hoje. O aumento dos planos de saúde individuais e familiares anunciado nesta semana foi o menor desde 2010 – com exceção do ano de 2021, quando o reajuste foi negativo. Os usuários, no entanto, não têm essa mesma percepção, pois as mensalidades já são bastante elevadas.

Entre as operadoras, ocorre o oposto. Para a Federação Nacional de Saúde Suplementar (FenaSaúde), o índice de reajuste aprovado pela ANS nesta semana não cobre os custos médicos do setor. As empresas se consideram subfinanciadas, reclamam da judicialização e cobram regras mais flexíveis para que possam equilibrar suas despesas. Recentemente, a gigante norte-americana United Health Group vendeu seus ativos e deixou o País depois de anos de resultados aquém do esperado.

Seria importante saber o que pensa o governo sobre esse debate, mas é ensurdecedor o silêncio do Ministério da Saúde. É como se estivesse tudo bem, quando obviamente não está. Não é prudente assistir às discussões de camarote, como se o problema não fizesse parte das preocupações do Executivo.

A depender da evolução desse debate no Legislativo, caberá ao governo encontrar recursos para atender todos que forem excluídos pelos planos de saúde ou que forem incapazes de custear os onerosos reajustes.

É preciso elaborar um modelo mais equilibrado, que seja capaz de garantir um atendimento adequado aos usuários e de remunerar as empresas à altura de suas entregas. Esse papel é do Executivo, não do Legislativo. Fato é que o governo terá de liderar esse debate se não quiser ser atropelado pela capacidade da Câmara de “inovar”.

O óbvio ululante

O Estado de S. Paulo

Obviedade dos argumentos da PGR em recurso contra canetada de Dias Toffoli que livrou Marcelo Odebrecht de processos na Lava Jato dá uma ideia de quão absurda foi a decisão do ministro

A Procuradoria-Geral da República (PGR) apresentou recurso ao ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli contra a sua decisão que, como se sabe, anulou monocraticamente todos os atos processuais e inquéritos em desfavor do empreiteiro Marcelo Odebrecht no âmbito da Operação Lava Jato. A decisão do ministro, como já foi sublinhado nesta página, é um disparate do início ao fim. Portanto, mais que esperado, esse recurso da PGR era absolutamente necessário para ao menos tentar restabelecer o juízo, na melhor acepção da palavra, em meio à confusão que o sr. Dias Toffoli tem provocado desde setembro de 2023, sabe-se lá por quais motivos.

Ao longo das mais de 100 páginas de sua decisão, Dias Toffoli mal conseguiu esconder a tentativa de transformar o maior esquema de corrupção que o País já conheceu, o assalto à Petrobras durante os governos lulopetistas, numa espécie de realidade alternativa – como se a miríade de crimes cujas autoria e materialidade restaram sobejamente comprovadas simplesmente não tivesse existido. A obviedade dos argumentos que o procurador-geral Paulo Gonet apresentou em seu recurso, por si só, dá uma ideia de quão absurda foi a canetada de Dias Toffoli – mais uma.

Considerando que Marcelo Odebrecht, ninguém menos, pudesse ter sido “vítima” do que chamou de “incontestável conluio processual” entre o então juiz Sérgio Moro, da 13.ª Vara Federal de Curitiba (PR), e membros da força tarefa do Ministério Público Federal (MPF) na capital paranaense, Dias Toffoli declarou a “nulidade absoluta” de todos os processos e inquéritos que tramitavam contra um dos maiores empreiteiros do País. Ao mesmo tempo, o ministro achou que era o caso de preservar o acordo de colaboração premiada firmado entre o sr. Odebrecht e autoridades federais – mas apenas e tão somente nos dispositivos que beneficiam o colaborador, não nos que impõem ônus a ele.

Diante dessa esdrúxula interpretação, Gonet teve de escrever o óbvio em seu agravo interno. Para o procurador geral, “não há que se falar em nulidade dos atos processuais praticados em consequência direta das descobertas obtidas nesse mesmo acordo (anulado)”. Ademais, a PGR reforça em sua peça recursal que Marcelo Odebrecht é um criminoso confesso, e a prática dos crimes de que foi acusado, junto com dezenas de outros executivos da Odebrecht (hoje rebatizada como Novonor), foi “minudenciada pelos membros da sociedade empresária com a entrega de documentos comprobatórios” de cada um desses delitos. À luz da exegese toffoliana, o “Departamento de Operações Estruturadas” da Odebrecht, eufemismo para o centro nervoso da gestão da corrupção na companhia, ou não existiu ou está imune a consequências jurídico-penais.

Não se sabe como Dias Toffoli recebeu o recurso da PGR. Mas decerto é de constranger a lembrança, digamos assim, feita pelo procurador-geral de que os termos do acordo de colaboração da Odebrecht “não foram declarados ilegais e foram homologados, não pelo Juízo de Curitiba, mas pelo Supremo Tribunal Federal (em particular, pela ministra Cármen Lúcia), tudo sem nenhuma coordenação de esforços da Justiça Federal do Paraná”.

Entre as muitas fraquezas da decisão monocrática de Dias Toffoli, a PGR cita ainda a impossibilidade de aplicação do pedido de extensão das decisões proferidas no âmbito da reclamação apresentada por Lula da Silva para anular os processos contra ele na Lava Jato com base nos controvertidos achados da Operação Spoofing. “Não cabe a imediata extensão para casos que não se provem iguais. Não são iguais, e certo, os casos que tiveram início com pedidos diferentes entre si”, argumentou Gonet.

A PGR pede, por fim, que Dias Toffoli “reconsidere” sua decisão, o que é bastante improvável, ou dê provimento ao agravo interno para que o plenário do STF se pronuncie sobre o caso. De fato, é fundamental que a Corte se manifeste como o tribunal colegiado que é sobre uma decisão individual de um de seus membros que tem seriíssimas implicações para todo o País.

Falso brilhante

O Estado de S. Paulo

É natural a euforia do governo Lula da Silva com o PIB, mas há muitos motivos para preocupação

Após um segundo semestre de pasmaceira em 2023, o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil cresceu no primeiro trimestre deste ano. O País respira temporariamente aliviado, o governo Lula da Silva comemora com a euforia que lhe é peculiar e analistas recomendam parcimônia em razão dos desafios que se avizinham para o restante de 2024, uma vez que restam ainda muitas dúvidas.

O número positivo foi puxado por consumo das famílias, serviços, investimentos e agropecuária. Ajudaram na conta o mercado de trabalho aquecido, com cenário de baixo desemprego e aumento da renda, e impulsos fiscais, como o pagamento de precatórios e aumento real do salário mínimo.

A alta, assim, foi de 0,8% entre janeiro e março deste ano, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Trata-se de um cenário razoável diante de desarranjos do atual governo, mas obviamente muito aquém das potencialidades do Brasil. O mercado prevê um crescimento de 2,2% para este ano, enquanto o governo aposta em expansão de 2,5%.

Há um longo caminho a trilhar. A título de exemplo, uma estimativa feita pela equipe de economistas do C6 Bank, a pedido do Estadão, mostra que o Brasil teria de crescer ao ritmo de 2,3% ao ano ao longo de 30 anos, ininterruptamente, para que seu PIB se igualasse ao da Grécia, o país lanterninha da lista das 41 nações consideradas desenvolvidas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI).

Se a melhora parece tão distante, há logo ali problemas mais imediatos à espera de solução. Um deles é a situação do Rio Grande do Sul após a tragédia das chuvas que há mais de um mês ceifou vidas, paralisou atividades e destruiu a infraestrutura elementar do Estado que concentra importante parcela do PIB do País. Há, entre analistas, cautela sobre os impactos da devastação sem precedentes no cômputo final de 2024.

Extremamente benéficos para o trabalhador, a taxa de desemprego baixa e o aumento da renda estimulam o consumo, mas pressionam a inflação. Já a expansão sustentada dos investimentos, que cresceram no primeiro trimestre de 2024, demanda também trajetória de queda da taxa de juros para baratear o crédito.

Esse movimento, iniciado em agosto do ano passado pelo Banco Central, enfrenta sinais de saturação com o risco de pressão inflacionária, incerteza sobre a redução da taxa nos Estados Unidos e o temor com a condução da política fiscal – em especial o descompromisso do governo Lula da Silva com o equilíbrio das contas públicas. São muitos os motivos para preocupação, graças ao descompromisso com a meta fiscal.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, parece otimista ao dizer que o PIB “veio forte” – o que é verdade – e que alimenta esperança de mais resultados positivos após a tração dos investimentos, em que pese a ausência de elementos de garantia de um crescimento sustentável. É papel do presidente Lula da Silva dizer que o Brasil está no “rumo certo” – mas, no ritmo atual, sem os devidos estímulos e sem respeito aos fundamentos econômicos, o atalho lulopetista levará, na verdade, a lugar nenhum.

Governo perde apoio no Congresso e coleciona reveses

Valor Econômico

Com a pauta de costumes já dada, se Lula perder o controle sobre a pauta econômica no Congresso, seu poder político será gravemente enfraquecido

O governo Lula assiste a derrotas em série no Congresso, exceto em sua agenda econômica - por enquanto. A mais recente sessão conjunta de Câmara dos Deputados e Senado abateu os vetos do presidente à “saidinha” de presos, à proibição do uso de verbas públicas que “incentivem aborto e transição de gênero” e à manutenção de punição a fake news, vetada pelo então presidente Jair Bolsonaro. Os governistas se viram isolados e em pequeno número. Os partidos tidos como da base debandaram e mais de 300 deputados votaram contra o governo.

Mais do que um episódio isolado, as votações estão se configurando como um padrão, independentemente do mérito das questões sob exame. Mal delimitada e com margem para arbítrio por parte do Executivo, a criminalização das fake news durante as eleições, na forma proposta, levantou objeções generalizadas, à direita e à esquerda.

A fatia fielmente governista, com os partidos que tradicionalmente se alinham com o PT, é francamente minoritária e não conta com mais de 140 deputados. No entanto, para trazer para si apoio no Congresso, foram concedidas pastas aos maiores partidos, como PP, MDB, PSD e União Brasil, que, somados com a representação da centro-esquerda, garantiriam em tese maioria no Congresso. Não está funcionando assim.

MDB, União Brasil, PSD, Republicanos e PP ocupam o comando de 11 ministérios e somam 181 deputados. Acrescidos aos 80 do bloco de PT, PCdoB e PV, mais 18 do PDT e 14 do PSB, que costumam caminhar ao lado do PT, há potenciais 293 parlamentares aliados do governo entre os 513 da Câmara. Na votação dos vetos presidenciais, no fim de maio, porém, os partidos que têm representantes nos ministérios não seguiram o governo. O PP também participa do governo (pasta de Esportes), e seu principal líder, o presidente da Câmara, Arthur Lira, se comporta mais como oposição, ainda que tenha concorrido decisivamente para apoiar os principais projetos econômicos oficiais.

A proliferação de partidos mudou o jogo da sustentação parlamentar dos governos. Fernando Henrique Cardoso apoiou-se basicamente no MDB e no PFL para mover-se com alguma tranquilidade no Congresso. A coligação que amparou Lula já arregimentava 11 legendas. Em seu segundo mandato, a presidente Dilma Rousseff ostentava uma união de 9 partidos e 306 deputados - metade dessa pretensa base votou a favor de seu impeachment em agosto de 2016.

A debilidade do governo Dilma marcou o início da ascensão do poder do Legislativo diante do Executivo. O centrão, massa de interesses amorfa de mais de 13 partidos, encontrou em Eduardo Cunha (PMDB-RJ), então presidente da Câmara, um aglutinador não só para emparedar a presidente, como para tornar as emendas parlamentares impositivas. Essas emendas ganharam extensão e mais recursos, a ponto de hoje possibilitarem a independência dos deputados diante da agenda do Planalto. A inapetência do presidente Jair Bolsonaro pela negociação política deu a Lira comando parlamentar e controle sobre movimentação de verbas, a começar pelo orçamento secreto, depois proibido pelo STF.

Em seu terceiro mandato, Lula é até certo ponto refém de um Congresso conservador, coordenado e dirigido por Lira, com apoio de caciques partidários. Aliás, Lula reuniu seus líderes parlamentares na segunda-feira e constatou que não conseguirá aprovar nada de seu interesse na “pauta de costumes”, na qual coleciona derrotas - o que não deveria ser surpresa para o governo, que já deveria trabalhar com esse cenário de um Congresso que reflete o que pensa a maioria dos brasileiros.

As legendas do centrão têm maioria na Câmara e as principais dotações do fundo eleitoral. Expandiram-se em todas as eleições após o afastamento de Dilma. A divisão de poder, antes consagrada também na participação ministerial, já não resolve os problemas de apoio político. Os ministros de Lula de outras legendas entregam poucos votos nas deliberações do Congresso.

O problema deixou de ser de coordenação política do governo, embora ela tenha seu peso. Seus limites são dados por outra coordenação, eficaz e cimentada por interesses materiais, exercida por Lira. Nada que não seja combinado detalhadamente com Lira passa na Câmara e nem mesmo isso é garantia de sucesso. O presidente da Câmara sabe muito das opiniões dos parlamentares sobre as questões em jogo e sua própria liderança consiste também em não contrariar as preferências da maioria. Até agora os principais pontos da agenda econômica contaram com o beneplácito do comando da Câmara e adjacências.

Não se sabe até quando dura essa convergência. A reforma tributária é um teste importante. Ela mexe em muitos interesses particulares, setoriais e regionais, situação em que o fisiologismo da maioria do Congresso tende a agir com mais força. Lira instruiu os deputados a não permitirem que a alíquota padrão seja aumentada, o que é o princípio correto.

Com a pauta de costumes já dada, se Lula perder o controle sobre a pauta econômica no Congresso, porém, seu poder político será gravemente enfraquecido. As dificuldades que um governo costuma enfrentar em fim de mandato Lula já as vê antes da primeira metade de sua gestão. E nada indica, por enquanto, que a situação vá melhorar.

 

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