O Globo
Popularização do uso das redes coincidiu com
saltos nos índices de doença mental entre adolescentes
Enquanto, no Brasil, o Congresso enterrou o
PL 2.630, que tentava regular as mídias sociais, nos Estados Unidos as
plataformas sofrem uma espécie de cerco, tendo de responder a três movimentos
simultâneos: processos coordenados contra a Meta (dona do Facebook e Instagram)
pelas promotorias de diversos estados; um Projeto de Lei para conter o efeito
compulsivo e viciante que as mídias sociais têm sobre as crianças e
adolescentes; e a tentativa do cirurgião-geral — principal autoridade do
governo americano para questões de saúde — de rotulá-las com uma advertência,
como a que aparece nas embalagens de cigarro.
O ponto de partida de todos os projetos de lei é a evidência empírica alarmante que vem mostrando aumento de ansiedade, depressão, automutilação e suicídio entre os adolescentes. É muito difícil determinar a causalidade, mas a popularização do uso das redes sociais pelos smartphones, nos anos 2010, coincidiu com saltos nos índices de doença mental entre adolescentes.
Um estudo mostrou entre adolescentes que usam
redes sociais mais de três horas e meia por dia o dobro de chances de ter
transtornos como depressão ou ansiedade. Apesar disso, 51% dos adolescentes americanos as usam quatro horas por
dia ou mais.
Não são apenas os adolescentes. Embora as
plataformas permitam acesso a seus produtos apenas a maiores de 13 anos,
estima-se que 40% das crianças americanas entre 8 e 12 anos usem mídias
sociais. No Brasil, 41% das crianças entre 9 e 10 anos fazem uso das redes,
segundo pesquisa do Comitê Gestor da Internet.
Promotorias de mais de 30 estados americanos
acusam a Meta de manipular psicologicamente crianças e adolescentes. A empresa
é acusada de expô-los a conteúdos perigosos e de incentivar comportamentos
compulsivos e viciantes por meio de recursos como barras de rolagem infinitas,
vídeos exibidos em sequência contínua e alertas invasivos que os puxam sempre
de volta para os aplicativos. As ações simultâneas em vários estados reproduzem
uma estratégia usada nos anos 1990 para enfrentar a indústria do tabaco. Em alguns
processos, a Meta teve de fornecer evidências internas, como mensagens e
relatórios, mostrando que, apesar da grande preocupação pública com a crise de
saúde mental, fez esforços contínuos para ampliar sua audiência entre
adolescentes. Uma reportagem publicada no sábado passado no jornal The New York Times exibiu algumas dessas provas.
No campo legislativo, um grupo de pais de
adolescentes mortos em decorrência de bullying ou abuso no ambiente digital
tenta empurrar os parlamentares americanos a adotar uma Lei de Proteção Digital
às Crianças. Apesar da tramitação inicial difícil, a proposta reuniu apoio
bipartidário e agora tem boa chance de ser aprovada. Entre outras coisas,
determina que as redes sociais precisarão limitar recomendações de conteúdos
por algoritmos e pôr fim às barras infinitas e vídeos sequenciais contínuos.
Por fim, também nesta última semana, o
cirurgião-geral dos Estados Unidos lançou a proposta de rotular mídias sociais
como se rotula o tabaco. A ideia é que, ao acessá-las, o consumidor encontre
uma advertência dizendo que seu uso causa risco à saúde mental de crianças e
adolescentes. A medida é inspirada no caso bem-sucedido das advertências em
propagandas e embalagens de cigarro que, comprovadamente, desestimulam o
consumo. A proposta precisa passar pelo Congresso.
O debate sobre a regulação das mídias sociais
no Brasil foi paralisado pelo embate entre esquerda e direita que contrapôs o
enfrentamento das fake news à liberdade de expressão. O presidente da
Câmara, Arthur Lira,
afirmou que o Projeto de Lei 2.630, discutido há quatro anos, seria abandonado
por causa da falta de consenso entre as forças políticas. A experiência
americana, com Congresso também polarizado, sugere um caminho mais consensual
para retomar o debate sobre a regulação das mídias sociais: se a proteção à
infância for tomada como ponto de partida, talvez o debate legislativo
subsequente seja mais produtivo.
Excelente contribuição do colunista presse mais que necessário debate sobre a REGULAMENTAÇÃO das mídias sociais!
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