terça-feira, 11 de junho de 2024

Pedro Cafardo - Coisas que deixam paulistas vermelhos de vergonha

Valor Econômico

“Olho gordo” do governo Tarcísio de Freitas sobre recursos de USP, Unesp e Unicamp e da Fapesp indica algo preocupante

São Paulo não é São Paulo por acaso. O Estado tem um bom nível de desenvolvimento por várias razões que não vêm ao caso agora, mas há uma certamente muito importante: o apoio financeiro à formação universitária e à pesquisa.

Por falta de tato, desconhecimento ou sabe-se lá por que, o governo do Estado ensaiou uma investida sobre os recursos oferecidos a duas “joias” estaduais dessa área amparadas financeiramente há décadas por imposição constitucional.

O projeto original da Lei de Diretrizes Orçamentárias, enviado pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) à Assembleia semanas atrás, deixava explícito que o governo estadual poderia fazer uma desvinculação de até 30% no orçamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e avançava também sobre os recursos de três universidades estaduais.

Desde 1989, por decreto estadual, USP, Unicamp e Unesp têm orçamento equivalente a 9,57% da arrecadação de ICMS do Estado, o que lhes dá autonomia financeira. Para este ano, o valor é estimado em R$ 14,6 bilhões. O governo Tarcísio propunha incluir nessa cota outras três instituições: as faculdades de Medicina de Marília (Femema) e de São José do Rio Preto (Famerp) e a Universidade Virtual do Estado de São Paulo (Univesp). Embora o projeto de lei não detalhasse a nova distribuição de recursos entre as instituições, fontes universitárias estimaram que a USP perderia cerca da R$ 200 milhões anuais.

A reação da sociedade paulista foi imediata e, no dia seguinte, o governador tirou do texto a menção às universidades, mas deixou lá a ameaça à Fapesp.

O orçamento da Fapesp deste ano é de R$ 2 bilhões, garantidos pela Constituição paulista, que reserva 1% da receita tributária do Estado à fundação desde 1989. A perda em caso de desvinculação de 30% seria de uns R$ 600 milhões anuais.

Aos não acostumados com a terminologia, vale explicar: “desvinculação” significa que o governo pode utilizar o recurso em outras áreas, embora afirme (só na palavra) não ter previsão de utilização até o momento.

Para quem é paulista - o governador é carioca - não há necessidade de explicar a importância das três universidades e da Fapesp. USP, Unicamp e Unesp frequentam posições de destaque o ranking das melhores universidades do mundo. E o apoio da Fapesp coloca São Paulo na liderança das pesquisas no país.

O dispositivo autorizando a desvinculação de 30% dessas receitas, tanto das universidades quanto da Fapesp, já está na Constituição federal. Ou seja, o Estado sempre pôde utilizá-lo, mas nunca essa possibilidade foi explicitada nas diretrizes orçamentárias. Se ela agora apareceu lá, parece óbvio tratar-se de um “aviso prévio” de que uma tesourada tem razoável possibilidade de ocorrer na execução do Orçamento de 2025. Especialmente porque está em estudos um projeto de corte de gastos no Estado.

O assunto provocou reações no início de maio, mas foi esquecido ante a repercussão estrondosa da tragédia socioambiental do Rio Grande do Sul. O “aviso prévio” à Fapesp, porém, continua no texto do projeto de lei das diretrizes orçamentárias enviado à Assembleia Legislativa.

Não se pode destruir impunemente atributos que, ao longo dos anos, permitiram a São Paulo ser São Paulo. O “olho gordo” sobre recursos da USP e da Fapesp indica algo preocupante, resultante, na melhor das hipóteses, de desconhecimento, que atenta contra um sistema de educação/inovação bem avaliado há décadas. Sem preconceito contra cidadãos de outros Estados, até porque São Paulo tradicionalmente acolhe pessoas de qualquer naturalidade ou nacionalidade, vale lembrar que às vésperas das eleições de 2022, o atual governador do Estado chamou Campos Elíseos, bairro da capital paulista para o qual pretende transferir a sede do governo, de “Campos dos Elíseos”.

Impor ao ensino público estadual escolas cívico-militares é outra medida que descaracteriza o Estado. Lei sancionada pelo governador permite que militares da reserva possam desenvolver atividades extracurriculares nas escolas, num evidente e lamentável saudosismo da ditadura. A pedagogia militar pode ser conveniente para os quartéis, mas não para jovens estudantes - paulistas ou não. Melhor para o Estado seria dedicar esforços e recursos para qualificação de educadores civis e aumento de escolas em tempo integral. Isso é urgente, porque o índice de crianças de 7 anos alfabetizadas em São Paulo era de 52% em 2023, menor que o nível de antes da pandemia (60%). O Estado mais rico do país perde de goleada para outros mais pobres. O Ceará, líder nacional em educação, tem 85% das crianças com 7 anos alfabetizadas.

A nova orientação sobre as câmeras corporais dos policiais também tira São Paulo da vanguarda nessa matéria. Desde 2020, o uso dessas câmeras acopladas ao fardamento dos policiais militares ampliou a transparência das operações, reduziu o número de mortes, protegeu os policiais de falsas denúncias e produziu provas para a Justiça. Notórias estatísticas - é desnecessário citá-las - confirmam essas observações. A nova política, que acaba com a gravação ininterrupta das câmeras e deixa a cargo dos policiais a possibilidade ligá-las, representa retrocesso para um Estado que havia resgatado boas políticas de segurança pública nos últimos anos.

São Paulo continua sendo São Paulo, Estado locomotiva do país. Essas e outras invencionices, entretanto, deixam paulistas vermelhos de vergonha.

Um comentário:

  1. Quando votaram em Tarcísio, Bolsonaro, astronauta brasileiro e criminoso boiadeiro Ricardo Salles, por que não ficaram também vermelhos de vergonha?

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