quarta-feira, 26 de junho de 2024

Vera Magalhães - STF e Congresso no cara ou coroa

O Globo

A decisão do Supremo sobre maconha levará à reação da Câmara, que deve correr com a PEC da criminalização

O Supremo Tribunal Federal formou ontem maioria para descriminalizar o porte de maconha para consumo pessoal. A quantidade considerada para esse fim será definida na continuação do julgamento, hoje, bem como as divergências de interpretação quanto à constitucionalidade de um artigo da Lei das Drogas que surgiram nos votos dos ministros. A decisão do STF vai na contramão da Proposta de Emenda à Constituição em discussão na Câmara, depois de aprovada pelo Senado, por iniciativa do seu presidente, Rodrigo Pacheco.

Não demorou para que Pacheco reagisse à conclusão do julgamento do Supremo, dizendo que cabe ao Congresso deliberar sobre a questão. Mas a bola estava quicando desde 2015 — quando chegou ao STF a ação cujo julgamento está prestes a ser concluído, depois de sucessivos adiamentos — sem que o Parlamento tomasse a frente do debate.

Como noutros casos controversos, entre os quais as diversas discussões a respeito da ampliação ou restrição do direito ao aborto legal ou a definição de um marco temporal para a demarcação de terras indígenas, o Supremo foi chamado a agir a partir da judicialização, que se dá no vácuo de ação legislativa.

Quando isso acontece, o Congresso finalmente acorda da letargia e passa a deliberar, ultimamente em sentido contrário ao Judiciário. E aí se instala a situação de indefinição quanto a quem dá a última palavra, o que é grave para a previsibilidade e a segurança em temas que afetam a vida de setores expressivos da sociedade.

O caso das terras indígenas segue sem definição clara a respeito dos critérios para a homologação de novas áreas. Isso porque o STF decidiu no ano passado que o marco temporal da Constituição de 1988 não era válido, depois o Congresso aprovou Projeto de Lei fixando esse critério.

Lula vetou o projeto, o Congresso derrubou o veto e, diante do vaivém, o ministro Gilmar Mendes, relator de ações pela validade do marco, determinou a abertura de uma conciliação, por entender que um caso tão complexo não se resolveria pelas “vias tradicionais”.

Trata-se de uma forma branda de admitir um impasse entre Poderes, algo que não deveria acontecer se cada um cumprisse suas atribuições constitucionais, e os demais se conformassem com elas.

Solução semelhante foi adotada diante da confusão criada com as leniências das empreiteiras envolvidas na Lava-Jato, uma vez que dois ministros, André Mendonça e Dias Toffoli, estavam com ações diferentes relativas ao assunto, proferindo decisões em sentidos bastante díspares. Mendonça mandou que o governo e as empresas se entendessem, num acordo que caminha a passos lentos.

Enquanto isso, Toffoli segue anulando tudo o que lhe passa pela frente em relação aos acordos. Não está claro como será possível compatibilizar um acordo que mantenha as leniências e aplique um bom desconto aos valores com as decisões dizendo que as provas que as embasaram não valem. Mas é assim que a banda tem tocado.

A recente ressurreição do projeto abjeto que criminaliza o aborto após 22 semanas mesmo para vítimas de estupro também nasceu de uma reação do Congresso ao que considera avanço do STF em suas atribuições.

Mas a ação em que o ministro Alexandre de Moraes decidiu suspender uma resolução do Conselho Federal de Medicina segue, com decisões do ministro no sentido de que prefeituras e hospitais as cumpram. Diante da reação da sociedade, Arthur Lira e deputados tiraram o tema da vitrine, mas sem arquivá-lo, deixando claro que a ideia é voltar à carga quando ninguém estiver olhando.

Certamente a decisão do STF sobre maconha levará à reação da Câmara, correndo com a PEC da criminalização. Até alguém decidir uma regra de desempate, que, do jeito como a coisa vai, daqui a pouco pode ser no palitinho ou no cara ou coroa.

 

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