Folha de S. Paulo
Presidente também coloca seu preferido para o
BC entre a cruz e a caldeirinha
Luiz
Inácio Lula da Silva bate em Roberto Campos Neto sem trégua. Combinou com
seus líderes no Congresso e com o PT um ataque
coordenado contra o presidente do Banco Central, como
adiantou Mônica Bergamo nesta Folha. A presidente do PT, Gleisi Hoffman, diz que
o partido vai à Justiça contra Campos Neto.
Lula tem
razão de bater na militância
política descarada de Campos Neto. Erra ao bater na política de juros do
Banco Central, o que faz desde quando presidente eleito. Tenha ou não razão
quanto à Selic,
quase tanto faz. É contraproducente.
Para piorar, Lula vai assim acorrentar Gabriel Galípolo entre a cruz e a caldeirinha. Não vale a pena o custo de fazer de Campos Neto um bode expiatório, seja para juros altos, seja para o efeito de eventuais cortes impopulares de gastos.
Galípolo é diretor do BC e, por ora, quase
certo substituto de Campos Neto, em janeiro. Foi vice-ministro da Fazenda
de Fernando
Haddad de janeiro a junho de 2023. Tem grande simpatia de Lula, com
quem fala regularmente.
Juros sobem a cada metralha luliana. Sobem
desde abril também por causa dos discursos do presidente. O custo médio de
financiar a dívida do governo federal AUMENTOU desde agosto de 2023, quando o
BC passou a cortar a Selic. Foi para perto dos piores níveis em pelo menos 17
anos.
Quando se tenta baixar a Selic na marra ou no
grito, as demais taxas sobem (e o dólar também). O preço do dinheiro para
governo e empresas sobe. Etc.
Nesta quarta-feira (19), caso Galípolo vote
por deixar a Selic onde está, em 10,5% ao ano, deve irritar Lula, governo e PT.
Mas, assim, talvez comece a desfazer o preconceito dos donos do dinheiro
grosso, credores maiores do governo.
Na praça do mercado, com razão ou não,
acredita-se que uma diretoria majoritariamente nomeada por Lula toleraria
inflação, baixando a Selic na marra (crença influenciada pelos discursos de
Lula).
Assim, sendo "duro", Galípolo
começaria a pagar o pedágio da "credibilidade" cobrado pelo povo do
dinheiro, um extra além da taxa tida como necessária para conter a inflação.
Tudo mais constante, juros de longo prazo tenderiam a cair, assim como o dólar
e expectativas de inflação.
Há quem especule que um Galípolo linha dura
não iria para o comando do BC. Parece improvável, até porque Lula deve definir
tal nomeação até setembro.
Se Galípolo e diretores "lulianos"
optarem por um corte de juros, mesmo que vitoriosos em uma votação dividida no
BC, o caldo das condições financeiras deve continuar azedo. Assim, deve ficar
muito difícil ou fora do controle a tarefa de governar o BC: expectativas de
inflação, juros, dólar etc. Galípolo assumiria no tumulto. Ficaria entre ser
ainda mais duro ou perder o controle.
É difícil definir com precisão onde Campos
Neto habita no espectro bolsonarista, mas lá está. Em jantares políticos
recentes, enfiou de vez o pé na jaca política. Pisou fundo, pois preside um BC
autônomo faz pouquíssimo tempo. Politizou de vez a conversa, avacalhou a
transição do modelo.
Mas dizer que Campos Neto "...trabalha
muito mais para prejudicar o país do que para ajudar", como Lula, é tiro
no pé e erro de avaliação. Campos não decide juros por decreto e, até para
influenciar votos, tem de ter razões.
De resto, a Selic vinha em queda regular de
meio ponto até maio. Supostos "campistas" e "galipistas"
então concordaram que o BC deveria mudar de direção, mais ou menos cedo, porque
a situação fora para o vinagre, nos EUA e quanto ao controle de déficit e
dívida sob Lula 3. Ainda assim, voto dividido de maio custou caríssimo, como
previsto.
Taxa de curtíssimo prazo, a Selic determina
diretamente (indexa) o custo de cerca de 45% da dívida mobiliária federal.
Influencia taxas de outros prazos, mas não as determina.
Se cortada na marra e/ou situações de
descrédito, as taxas dos demais prazos voam (assim como o dólar, talvez a
inflação). O custo do crédito para empresas sobe. O investimento produtivo é
desestimulado.
O governo pode até evitar as taxas altas de
longo prazo, rolando sua dívida no curtíssimo prazo. É risco maior, outro
motivo para o dólar e inflação esperada subirem. É uma espiral de problemas.
É possível intervir em taxas longas (mudando
a lei) e no câmbio. Em situações muito excepcionais. No mais, começaríamos a
transitar para as vizinhanças do planeta Argentina.
Lendo e tentando aprender.
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