O Globo
Se o Congresso ceder aos grupos que buscam a
ampliação da lista das isenções, o tiro poderá sair pela culatra
O projeto de lei complementar para a
regulamentação da Reforma
Tributária está em discussão na Câmara. O objetivo é definir a lista
de itens com isenção total ou parcial dos tributos (CBS e IBS), uma vez que a
emenda constitucional promulgada apresenta apenas grupos gerais que poderão
contar com esses benefícios.
Pela proposta, a alíquota zero é prevista para 15 produtos da cesta básica e outros tantos itens, por exemplo, na área de saúde e cuidados básicos, e transporte público coletivo, enquanto 13 categorias são contempladas com o desconto de 60% na alíquota padrão, incluindo, por exemplo, serviços de saúde e educação e atividades culturais diversas.
Grupos organizados pressionam para a
ampliação da lista. O argumento é que os mais pobres precisam ser protegidos,
ou por ser tratar de itens com maior peso no orçamento familiar, ou porque
preços elevados afastariam esse mercado consumidor. Se o Congresso ceder, o
tiro poderá sair pela culatra.
O argumento de que a menor taxação implicará
preços mais baixos é frágil. Primeiro, porque ela poderá se transformar, em
maior medida, em aumento da margem de lucro. O repasse pleno do benefício aos
preços ao consumidor depende de condições específicas, possivelmente pouco
observadas: a elevada concorrência e flexibilidade na oferta do bem ou serviço,
e este não ser um item de consumo essencial, pouco sensível a variações de
preços.
Segundo, porque, dada a necessidade de
preservar a carga tributária atual, será necessário compensar a grande perda de
arrecadação com o aumento da alíquota padrão, prejudicando mais os mais pobres,
cuja cesta de consumo tem mais itens taxados pela alíquota cheia. Essa é a
conclusão da pesquisa de Rozane Siqueira, José Ricardo Nogueira e Carlos Luna
sobre o impacto da regulação proposta.
Os autores apontam o incremento de 4,3pp
(ponto percentual) sobre a alíquota padrão decorrente da isenção total e de
3,8pp decorrente do desconto de 60%. É muita coisa. Enquanto isso, os 20% mais
pobres estarão mais expostos à alíquota padrão (63% do seu consumo) do que os
20% mais ricos (61,6%).
No caso da alíquota zero, os itens
contemplados têm maior peso na cesta dos mais pobres, mas gera-se grande
renúncia tributária, pois os ricos também são beneficiados. No grupo com
isenção parcial, há ainda o agravante de se beneficiar mais proporcionalmente
os mais ricos.
A elevada alíquota padrão acaba tendo efeito
ainda mais perverso devido ao elevado peso dos tributos sobre o consumo na
carga total — o peso de 60% é ainda maior do que em países emergentes, por
conta dos elevados gastos; no caso da União, opta-se pelo aumento do
PIS/Cofins, que não são repartidos com os demais entes, e estes, por sua vez,
dependem bastante de impostos sobre o consumo (ICMS e ISS).
A busca por uma carga tributária mais
progressiva (quem pode paga mais) é meritória, mas a tributação sobre o consumo
não é o instrumento recomendado para isso — o Imposto de Renda cumpre melhor
esse papel, havendo muitas injustiças a serem corrigidas —, e a estratégia
escolhida poderá se mostrar contraproducente.
Isso não invalida, porém, os benefícios que a
implementação do IVA poderá trazer aos pobres. Os ganhos propiciados pela
simplicidade (reduz custos de transação e judicialização) e pela neutralidade
(quando o tributo não distorce as decisões de onde, o que e como produzir),
dois princípios fundamentais de um bom sistema tributário, contribuem para
destravar o potencial de crescimento do país. E o crescimento é condição básica
para se promover a igualdade.
A isonomia da tributação entre os setores
também tem impacto distributivo benigno. Atualmente, os serviços são
subtributados, sendo mais consumidos pelos mais ricos, como saúde, educação,
segurança, turismo e lazer. Aqui, porém, a reforma poderia ter sido mais justa.
Ao final, as muitas concessões fazem com que
o efeito redistributivo da reforma seja quase desprezível, segundo os autores.
Isso mesmo com o cashback (devolução de tributos para os pobres registrados no
Cadastro Único, que precisa ser aperfeiçoado).
Considerando ainda as complexidades e
distorções adicionadas ao projeto inicial, a relação custo-benefício da busca
por progressividade não é adequada.
Agora é torcer para que a regulamentação da
reforma não piore aquilo que já nos distanciou da experiência mundial
bem-sucedida.
Muito bom!
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