segunda-feira, 8 de julho de 2024

Assis Moreira - A situação na França e a instabilidade global

Valor Econômico

A extrema-direita não chega ao poder agora, mas amplia sua presença na paisagem política francesa

A esquerda e os centristas conseguiram bloquear o acesso da extrema-direita ao poder na França na eleição de domingo, numa enorme reviravolta em uma semana de campanha. A questão agora é se vão conseguir realmente agir para evitar que essa mesma extrema-direita de Marina Le Pen consiga ganhar a eleição presidencial de 2027.

O Reunião Nacional, o partido da extrema-direita, não chega ao poder agora, mas aumentou bastante seu número de deputados na Assembleia Nacional e assume de vez um espaço inescapável na cena política francesa.

O partido não conseguiu a vitória desenhada no primeiro turno, em razão da mobilização da enorme frente republicana, mas está mais potente e reconfigurado, na linha da extrema-direita implantada na Itália, na Hungria, nos país escandinavos. Sem falar do avanço dos neo nazistas na Alemanha.

A Nova Frente Popular, uma coalizão que vai da extrema-esquerda à social-democracia, ganhou graças também a votos de eleitores de direita com valores republicanos - ou seja, a esquerda obteve votos, e muitos, de quem não queria a extrema-direita.

A Nova Frente Popular fez campanha prometendo aumentar o salário mínimo mensal da França, reduzir a idade legal de aposentadoria de 64 para 60 anos (a média é de 67 cada vez mais nos países industrializados), reintroduzir o imposto sobre a riqueza e congelar o preço da energia e do gás, medidas para assegurar a escola gratuita, processo de asilo mais generoso em vez do endurecimento acenado pela extrema-direita.

Esse programa ambicioso tem um custo economico bastante elevado. Segundo a própria Nova Frente Popular, custaria 100 bilhões de euros (quase R$ 600 bilhões) somente em 2025. Mas um estudo do think tank IFRAP avalia que, se o programa da Nova Frente Popular for aplicado como proposto, o deficit público aumentaria 160 bilhões de euros por ano, e a reação dos investidores seria forte.

O deficit público francês atingiu 5,5% do PIB em 2023, e a Comissão Europeia espera uma baixa para 5,3% neste ano.

Um representante da frente de esquerda argumentou, no entanto, que é preciso gastar para apagar o ‘fogo social’’ no país, começando pela abolição da reforma do sistema de aposentadoria, que para variar já está quase quebrado.

Por sua vez, o programa da extrema-direita inquietava também os meios econômicos, recheado de demagogia, custoso, preferencia nacional que chocava com a Constituição, menos integração europeia, além dos relentos racistas. Tudo isso sem falar de um candidato a primeiro-ministro, Jordan Bardella, que mais parece um boneco vazio de conteúdo mais afeito ao Tik Tok.

Imediatamente após a votação, a Nova Frente Popular ignorou que ganhou a eleição graças à desistência de oponentes e acha que suas ideias foram aprovadas pelos eleitores. Isso é ainda mais falso nessa eleição de domingo.

O fato é que qualquer futura coalizão para governar a França terá enorme dificuldade para definir como cumprir a promessa de devolver o poder de compra aos franceses, recuperar a demanda e ao mesmo tempo reduzir encargos e impostos, num contexto orçamentário complicado e uma dívida que fragiliza o país.

Nesse contexto, basta lembrar que a extrema-direita de Marina Le Pen foi reforçada nos últimos tempos no rastro também de aceleração do recuo de serviços públicos – fechamento de agencias dos correios, de centros de impostos, de serviços de maternidade e urgencia de saúde, supressão de linhas de trem, tudo isso alimentando um sentimento de abandono crescente.

Se a esquerda e os centristas não conseguirem atenuar as expectativas da população, e que as grandes promessas não forem cumpridas, o caminho estará pavimentado para mais avanço da extrema-direita na eleição presidencial de 2027.

O cineasta François Ruffin, da esquerda moderada, que suou para bater o candidato da extrema-direita na região de Somme, resume a situação: ''Os eleitores nos deram uma última chance''.

As consequências para o resto do mundo do bloqueio político na França já são importantes agora. O presidente Emmanuel Macron sai particularmente fragilizado. Sua capacidade de ação na cena internacional fica afetada. A França é um ator central da União Europeia e, fragilizada, afeta o bloco comunitário em meio à guerra na Ucrania e em Gaza, transição energética, concorrencia com os Estados Unidos e Ásia na economia em fragmentação.

O acordo da UE com o Mercosul terá ainda mais obstáculos para ser retomado e avançar, com os extremos em alta na França e em boa parte da Europa.

A situação francesa, somando-se à ameaça de eleição de Donald Trump nos EUA, agrega inquietações ao quadro de instabilidade internacional.

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