Valor Econômico
Para além de bloqueios e contingenciamentos, há um problema fiscal solenemente ignorado no Brasil
Pressionado por uma situação fiscal difícil,
com o arcabouço fazendo água e em meio a uma avalanche de memes divulgados à
direita e à esquerda criticando seu “ajuste pelo lado da receita”, Fernando
Haddad e sua equipe econômica divulgam nesta segunda-feira sua proposta de
bloqueios e contingenciamentos para tentar atingir a meta de déficit zero até o
fim do ano.
Alguns números já foram antecipados, mas não é bom esperar nada de estrutural sendo anunciado, para além de medidas paliativas e o engodo do “pente fino” em despesas, esse emplasto utilizado pelos políticos quando não querem se indispor com cortes efetivos nos gastos.
Em debate realizado no dia 2 de julho na
Fundação Dom Cabral, em São Paulo, um grupo de especialistas foi convidado a
discutir um dos principais itens da despesa pública brasileira: a folha de
pagamentos do funcionalismo.
O Estado brasileiro enfrenta um paradoxo: tem
proporcionalmente menos servidores do que países desenvolvidos, mas as despesas
com servidores são maiores do que a média de nações avançadas e em
desenvolvimento.
Para além dessa distorção, como apontou a
jornalista Renata Lo Prete, mediadora do evento, o debate sobre a eficiência do
Estado se faz ainda mais necessário num momento em que os recursos estão mais
escassos do que já foram em outros tempos.
Segundo o ex-presidente do Banco Central
Arminio Fraga, a questão do tamanho do Estado brasileiro levanta uma série de
reflexões. “A captura não é apenas de grandes empresas que fazem lobby e
corrompem o nosso Estado, ela acontece por dentro também”, referindo-se ao
corporativismo de certas carreiras do Estado.
Para Arminio, chama a atenção no Brasil a
ausência de uma arquitetura institucional que impeça o que ele se refere como
“efeito escada” - mecanismo em que sempre que uma categoria consegue uma
vantagem as demais se mobilizam para obter ganhos equivalentes. “O Judiciário
consegue um benefício, o Ministério Público corre atrás. Ou auditores da
Receita ganham um bônus e os analistas do Banco Central querem também”,
exemplifica.
Na visão de Arminio, da mesma forma que o
Estado precisa medir os efeitos das políticas públicas e dos benefícios fiscais
para o setor privado, é fundamental também que se estabeleça uma política de
avaliação dos servidores. Ele acredita ser possível conceber um sistema
transparente, com direito de defesa e blindado contra perseguições políticas,
sem ser complacente com a baixa produtividade.
Segundo Élida Graziane, procuradora do
Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo, para muitas entidades
representativas das carreiras da elite do funcionalismo público a estrutura do
Estado passou a ser um fim em si mesmo. Ao manobrarem as instâncias decisórias
em benefício próprio - a imagem utilizada por ela foi de um “faroeste
orçamentário” - essas categorias estão corroendo a legitimidade de suas
respectivas instituições ao se afastarem do atendimento das reais necessidades
da sociedade à qual servem.
Na visão da procuradora, é preciso resgatar
os papéis de planejamento, execução e controle das ações do Estado sob a lógica
do “público feito em público”. Para Graziane, é preciso uma ordenação legítima
das prioridades nacionais, para se evitar a captura do orçamento por grupos de
interesses e a perenização das desigualdades sociais.
Em termos de ganhos fiscais, haveria espaço
para se reavaliar a real demanda por diversos cargos que não se fazem mais
necessários pelo avanço da tecnologia e mesmo pelos ganhos de escala que
poderiam ser obtidos evitando-se a multiplicação de estruturas estatais
dispersas em mais de 2000 municípios com população diminuta.
Já para a professora e pesquisadora em
Administração Pública Gabriela Lotta, da Fundação Getulio Vargas, a discussão
sobre reforma administrativa no Brasil não pode ficar presa aos argumentos
simplificadores daqueles que demonizam o Estado ou de quem o defende sem nenhum
senso crítico.
Para Gabriela, é fundamental entender a
gritante diferença entre uma pequena elite que fura o teto do funcionalismo (R$
44.008,52 por mês), enquanto 70% dos servidores públicos brasileiros recebem
menos de R$ 5 mil mensais. “Qualquer proposta de reforma precisa levar em conta
essa discrepância, em que uma pequena fração de privilegiados contamina a
imagem de uma maioria que, na base, presta serviços diretos para a população
sem uma remuneração adequada”, alerta.
Lotta chama atenção para a necessidade de
quebrarmos o paradoxo de que, em nome de instituições fundamentais para a
democracia e a sociedade brasileira - como o Poder Judiciário, o Legislativo e
órgãos como Tribunais de Contas, advocacia pública, Receita Federal e Banco
Central, por exemplo -, seus servidores garantem para si vantagens
desconectadas da realidade brasileira. E nesse sentido é fundamental recuperar
a autoridade do teto remuneratório.
Para além do embate entre quem defende um
Estado menor ou maior, Lotta defende que é possível avançar em direção a um
serviço público melhor.
Se tiver a ousadia de enfrentar essa questão,
o governo Lula pode sair das cordas, apanhando do mercado, dos memes e de boa
parte do eleitorado. Mas é preciso ter coragem.
Verdade.
ResponderExcluirGabriela Lotta tem muita razão: "a gritante diferença entre uma pequena elite que fura o teto do funcionalismo (R$ 44.008,52 por mês), enquanto 70% dos servidores públicos brasileiros recebem menos de R$ 5 mil mensais."
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