quarta-feira, 31 de julho de 2024

Fábio Alves - A hora de o BC falar duro

O Estado de S. Paulo

Se o Copom não abordar amanhã o risco de elevar a Selic de novo, o dólar pode subir além de R$ 5,70

Após a disparada do dólar e a piora das expectativas inflacionárias desde a sua última reunião, o Copom não terá como escapar de abordar um tema indigesto para o governo Lula no comunicado que acompanhará a decisão hoje: uma eventual alta dos juros até o fim do ano. Se não endurecer a mensagem já nesse documento, o Banco Central corre sério risco de perder o controle do câmbio e das projeções para a inflação no horizonte relevante da política monetária. Ninguém espera que, nesta reunião, o BC mexa na taxa Selic, atualmente em 10,50%.

No comunicado da reunião passada, o Copom apresentou um cenário alternativo de projeção de inflação, no qual o IPCA desacelerava para 3,1% em 2025, portanto, próximo da sua meta, caso mantivesse a Selic inalterada em 10,50% até o fim do ano que vem. Porém, esse cenário foi construído com base em duas premissas: um dólar de referência a R$ 5,30 e uma projeção de inflação em 2025, tirada da pesquisa Focus, de 3,8%. De lá para cá, a situação doméstica e o ambiente externo se deterioram. O dólar chegou a bater R$ 5,70. Agora, recuou um pouco, para ao redor de R$ 5,65. Já a projeção do IPCA para 2025 subiu para 3,96%.

Ou seja, nas condições atuais, não há mais como o Copom entregar uma inflação de 3,1% em 2025 apenas mantendo a Selic parada onde está. Diante da piora do câmbio e das expectativas de inflação, o Copom teria de subir os juros para cumprir o alvo do seu cenário alternativo. Se decidir manter a Selic inalterada, então terá de revisar para cima a sua projeção de inflação em 2025 nesse cenário alternativo, afastando-se da meta de 3%.

Como o Copom poderá sinalizar que a piora no balanço de riscos poderá exigir a retomada de um aperto monetário? Basicamente, dizendo que, sem um alívio nas expectativas de inflação no horizonte relevante, um cenário de juros constantes não assegura a convergência à meta. Traduzindo do “coponês”: posso ter de elevar juros já a partir da próxima reunião, em setembro. O outro lado da moeda é que, em setembro, o Federal Reserve provavelmente começará a cortar os juros americanos, o que daria um alívio nas condições globais de liquidez, ajudando os países emergentes.

Mas o mercado já precificou, no valor do dólar, dois cortes de juros nos EUA em 2024, sendo o primeiro em setembro. Sem falar que o risco fiscal no Brasil segue exacerbado, mesmo diante dos recentes anúncios do governo em relação à contenção de gastos. Assim, se o Copom não abordar hoje o risco de elevar a Selic de novo, o dólar pode subir além de R$ 5,70.

 

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