quarta-feira, 24 de julho de 2024

Fernando Exman - Dino cutuca o vespeiro do orçamento secreto

Valor Econômico

Placas estão se movendo devagar e silenciosamente. Mas os tremores podem começar a partir de agosto

A aparente calmaria do recesso parlamentar deixou à sombra um tema que, quando recolocado ao sol, movimentará as placas tectônicas existentes entre os três Poderes. A potencial causa do terremoto é o chamado “orçamento secreto”.

Implementado durante o governo Bolsonaro e aparentemente mantido durante a administração Lula, ele permanece no radar do Supremo Tribunal Federal (STF) e será tema de uma audiência de conciliação convocada pelo ministro Flávio Dino para 1º de agosto.

É conhecida a insatisfação de parte do Poder Judiciário com o desfecho do processo que considerou inconstitucional essa prática. O caso foi considerado uma prioridade em 2022 por Rosa Weber, que presidia a Corte e relatava o processo. Não à toa, foi colocado em julgamento em dezembro daquele ano, justamente durante o período de transição entre os dois governos. O mecanismo, considerado pouco transparente e de difícil controle, havia sido questionado pelos partidos políticos PSB, Cidadania, Psol e PV.

Vivia-se um momento em que as emendas de relator ao Orçamento-Geral da União estavam passando de R$ 16,5 bilhões para R$ 19,4 bilhões, na comparação entre os orçamentos de 2022 e 2023.

Dino passava por outra etapa de sua carreira. Recém-eleito senador pelo PSB do Maranhão e cotado para assumir o Ministério da Justiça e Segurança Pública, ele tinha acabado de conceder uma entrevista à CNN na qual criticou enfaticamente o mecanismo utilizado pelo Congresso para avançar sobre a gestão dos recursos orçamentários, em detrimento do Poder Executivo. Segundo ele, sua prioridade ao assumir uma cadeira no Senado seria acabar com o orçamento secreto.

“É muito importante conseguirmos superar um dos graves problemas que há no nosso país, que é o orçamento secreto. É preciso acabar com essa modalidade de destinação de recursos financeiros orçamentários que têm se prestado a muitas distorções, perda de qualidade no gasto público e também cometimento de ilicitudes, crimes. Essa é uma questão prioritária”, disse na entrevista.

Não houve tempo hábil para levar o plano adiante. Dino ficou pouquíssimo tempo no Senado, praticamente os momentos necessários para tomar posse, licenciar-se e assumir o Ministério da Justiça e Segurança Pública.

No novo cargo, chegou a ser questionado em uma audiência pública na Câmara. Respondeu que se tratava de um assunto do Parlamento. Sua pasta não era a responsável pela gestão orçamentária do país, desviou.

Meses depois, foi indicado para a vaga aberta no Supremo após a aposentadoria da ministra Rosa Weber e dela herdou o acervo do gabinete. Nada fora do padrão. Entre esses processos, contudo, lá estava o que questiona se a decisão anterior da Corte, aquela que visava barrar o orçamento secreto por considerá-lo inconstitucional, vem sendo devidamente respeitada.

Primeiro, o ministro pediu informações ao Palácio do Planalto e ao Congresso. Com as respostas em mãos, e a constatação de que até o presente momento não houve “comprovação cabal nos autos do pleno cumprimento” daquela ordem judicial, decidiu então realizar a audiência de conciliação. Dela devem participar o procurador-geral da República, o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), o ministro-chefe da Advocacia-Geral da União (AGU) e os chefes das advocacias do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, além do advogado do Psol. A sigla é a responsável pelo questionamento.

Chama atenção o esclarecimento do Ministério do Planejamento e Orçamento que foi encaminhado ao STF. Ele aponta que uma parcela das emendas parlamentares ainda não apresenta exigência de necessidade de indicação de beneficiário nem de ordem de prioridade pelos seus autores. Internamente, avalia-se no Supremo que a resposta demonstra, com outras palavras, que a prática continua.

Em meio à expectativa quanto aos rumos da ação, diz-se no Congresso que é possível, sim, aprimorar as chamadas “emendas Pix”. Essa modalidade permite transferências diretas a prefeituras, e também é um mecanismo criticado pela falta de transparência e controle.

Segundo um influente parlamentar, uma solução poderia ser encontrada pela cúpula do Congresso e incluída, por exemplo, na proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) do ano que vem que está em tramitação. A ideia seria assegurar que as “emendas Pix” tenham um “objeto definido”, desde que o Supremo não tente proibir as emendas de bancada e comissão.

No Palácio do Planalto, a avaliação é que os parlamentares sinalizam disposição em calibrar as “emendas Pix” justamente como forma de blindar as emendas de comissão. Já houve embate recentemente entre os dois Poderes devido ao calendário de pagamento destas emendas.

Em outras palavras, existe a expectativa no governo de recuperar espaço na gestão de recursos orçamentários. E é real, também, o risco de alguns partidos que integram a base de sustentação do Planalto no Congresso reagirem de maneira brusca a uma nova atuação do STF nesse campo.

Por enquanto, as placas estão se movendo devagar e silenciosamente. Mas os tremores podem começar a partir de agosto.

 

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