Folha de S. Paulo
Mesmo assim continuamos a usá-los porque
permitem que falemos às nossas tribos
Os conceitos de esquerda e direita ainda
fazem sentido? Cada vez menos.
Os termos surgiram na França pré-revolucionária, quando tinham precisão geográfica. Os representantes da nobreza e do clero, que defendiam as teses mais conservadoras, se sentavam à direita do rei; os da burguesia, com ideias de mudança, ficavam à esquerda. Era possível, portanto, prever as posições de um deputado apenas sabendo onde ele se sentava. De lá para cá, o mundo se tornou mais complexo e mais confuso.
É só ver que a plataforma econômica da
Reunião Nacional, o baluarte da extrema direita francesa, é muito semelhante à
da França Insubmissa, a agremiação da esquerda radical. Vladimir
Putin encontra apoiadores tanto à direita quanto à esquerda. A
defesa da liberdade de expressão, que já foi bandeira da esquerda, virou da
direita.
Fazemos a classificação de quem é o que
combinando, de forma pouco consistente, o posicionamento em relação a
temas-chave, como privatizações, aborto e imigração, com um critério
genealógico. Partidos que nasceram como de esquerda ou de direita carregam essa
marca mesmo que se afastem do ideário original.
Haveria formas mais científicas de fazer essa
classificação? Sim. Gosto do sistema concebido por Jonathan Haidt, baseado num
núcleo de seis sentimentos morais básicos: proteção, justiça, liberdade,
lealdade, autoridade e santidade (pureza). O perfil ideológico de cada
indivíduo seria resultado das diferentes proporções desses
"ingredientes". O que normalmente chamamos de esquerda enfatiza os
dois primeiros. A direita faria uma mistura de todos os seis.
O problema desse sistema é que ele não pegou.
Ele gera diagnósticos granulares, que, se ganham em precisão, perdem ao deixar
de lado as delícias do enquadramento binário, cuja imprecisão intrínseca nos
permite usar os termos direita e esquerda como elogio ou xingamento, ao sabor
das preferências de nossa tribo.
Verdade.
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