terça-feira, 2 de julho de 2024

Jorge J. Okubaro - O mundo além do Copom

O Estado de S. Paulo

A alta do dólar em junho parece sintetizar em cifras um mês em que as coisas andaram mal para Lula e para seu governo

A cotação do dólar em R$ 5,59 no fechamento dos negócios na sextafeira, a mais alta desde janeiro de 2022, foi interpretada por muitos como o sinal mais óbvio de quanto o presidente Lula da Silva prejudica a economia. Ainda que disputas naturais no encerramento do semestre, cujos resultados podem balizar a liquidação de contratos futuros, tenham excitado o mercado e impulsionado o câmbio, Lula foi apontado como o responsável. Tornou-se alvo fácil nas últimas semanas.

A alta do dólar em junho, de 6,5% (de mais de 15% no ano), parece sintetizar em cifras um mês em que as coisas andaram mal para Lula e para seu governo. Derrotas num Congresso que foge de questões relevantes, ações da Polícia Federal contra um ministro de Estado, tentativas da direita (felizmente obstadas pela sociedade) de aprovar medidas retrógradas, ataques ao Banco Central (BC) são alguns eventos do mês.

Em vez de enfraquecer a união de seus adversários, o presidente deu-lhes força. Ao investir contra o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, estimulou a ira de analistas e operadores contra seu governo, cujas propostas sociais são consideradas despiciendas por quem busca obsessivamente a maximização dos ganhos financeiros.

O aparente desdém com que Lula trata o superávit fiscal, outra obsessão do mercado, alimenta a ira contra si. Num evento em Juiz de Fora (MG), o presidente disse que não fará o ajuste fiscal que atinja “o povo trabalhador e pobre”. Foi com esse compromisso que Lula obteve boa parte de seus votos em 2022.

É provável, porém, que agentes do mercado só aceitem de Lula a adesão cega ao ajuste fiscal a qualquer custo. Diante da escolha de Lula por ações no campo social, há até quem coloque em questão sua capacidade de compreensão dos problemas nacionais, o que dá a dimensão da obnubilação que acomete parte de seus opositores.

Um conjunto de eventos e interpretações recentes dá ideia das relações de Lula e seu governo com parte da sociedade.

As escolhas de membros da diretoria do Banco Central (quatro de nove diretores, incluído o presidente) pelo atual governo geraram muitas previsões, quase todas improcedentes. Na reunião de maio do Comitê de Política Monetária (Copom), houve divisão de votos – cinco (incluído o do presidente) pela redução de 0,25 ponto porcentual da taxa Selic e quatro (todos de escolhidos por Lula) pela redução de 0,50 ponto –, o que foi interpretado como uma disputa entre os indicados de Lula e os de Jair Bolsonaro.

Isso gerou tensões no mercado. Mostraria uma articulação da “turma do Lula” no Banco Central para mudar a política monetária de Campos Neto, eleitor explícito de Bolsonaro e inimigo de Lula. Na reunião de junho, porém, a decisão de manter o juro básico foi tomada por unanimidade. Por onde andou a turma que quer nova política monetária? Qual foi o efeito das críticas de Lula a Campos Neto sobre as decisões do Copom?

O problema se repete com a futura substituição de Campos Neto, cujo mandato no BC termina em dezembro. Um dos nomes citados para substituí-lo é o do atual diretor de Política Monetária, Gabriel Galípolo, um dos dois primeiros indicados de Lula para a atual diretoria. Seria, advertem os críticos de toda ação do governo, a consolidação do petismo no BC. Talvez seja útil ler as observações do ex-diretor do BC Tony Volpon à Coluna do Estadão de sábado. A gestão de Galípolo seria de continuidade: “Não seria muito diferente de Roberto Campos Neto”.

Há excessos em falas de Lula, mas os há também em reações a essas falas. O presidente quer mostrar que continua preocupado primeiro com a questão social, o que não deveria causar espanto em ninguém que acompanha a política brasileira desde os anos 1970. Mas Lula já defendeu com mais eficiência suas ideias e já mostrou mais competência na negociação com o Congresso. Sua fragilidade política, num país ainda dividido, tem reduzido, quando não inviabilizado, a capacidade de elaboração de planos de ação.

Faltam programas que mirem o futuro. O País parou de discutir projetos de longo prazo. Talvez pior, falta visão para problemas antigos, o mais preocupante dos quais é– e nisso os operadores do mercado têm razão, embora não o enxerguem desse modo – o que o ex-ministro da Fazenda Maílson da Nóbrega chamou de “insensatez fiscal” em artigo publicado no Estadão (29/6). Trata-se da rigidez orçamentária que, ao mesmo tempo, impede cortes de gastos e impulsiona despesas por meio de aumentos automáticos. Hoje, mostra o exministro, a União dispõe de apenas 4% das despesas primárias para definir suas prioridades. E essa fatia continua a diminuir – até que o governo nada mais possa fazer. Se não se resolver esse problema, de que adiantará falar de projetos para o futuro?

Eis uma questão que deveria preocupar todos, governo, oposição, empresariado, sociedade. Mas alguém mais está preocupado com isso, além do ex-ministro?

 

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