Valor Econômico
O corte a ser anunciado dia 22 funcionará como um termômetro da disposição do governo em cumprir as metas fiscais
Como na máxima do filósofo espanhol José
Ortega y Gasset, o ajuste das contas públicas é ele e sua circunstância. Não
será o que se espera, mas o que for possível.
Há exasperação nos bastidores da equipe
econômica quando o mercado se agita diante dessa constatação. A leitura é que
parece haver uma torcida por um choque no orçamento pelo lado das despesas.
Não será bem assim, avisa-se. A opção é por
“fazer o ajuste de maneira justa”, e não partir para o “tudo ou nada” que
parece ser cobrado.
Num governo de DNA avesso à austeridade fiscal, emparedado por taxas modestas de popularidade e sem base de apoio em um Congresso Nacional cada vez mais empoderado, o ajuste fiscal tende a ser feito como o consumo de um prato de mingau quente: pelas bordas e aos poucos.
A velocidade é frustrante. Mas é maior que
zero.
Nesse cenário, não foi pouco o que os
ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento, Simone Tebet,
conseguiram na reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva há exata uma
semana. O recado mais importante é que o arcabouço fiscal será preservado “a
todo custo”. As implicações disso investem contra a visão da ala política do
governo.
No plano mais imediato, Lula autorizou cortes
nas despesas programadas para este ano. O valor será anunciado no próximo dia
22 e funcionará como um termômetro da disposição do governo em cumprir as metas
fiscais, como orientou o presidente.
É possível que a tesourada atinja
investimentos, o que significa entrar numa zona até então evitada. Na semana
passada, falava-se em contingenciamento (feito para cumprir a meta de resultado
primário) e bloqueio (feito para cumprir o limite de gastos do arcabouço) que
somados chegariam a algo como R$ 10 bilhões, possivelmente mais. Os números
estão em refinamento, por isso as estimativas vão variar bastante até a próxima
semana.
Em outra colherada do mingau, o presidente
deu sinal verde ao aprofundamento das revisões de gastos. Esse trabalho de
“pente-fino” nas políticas públicas vinha sendo feito de forma quase solitária
pelo Ministério do Planejamento.
Nos debates que antecederam a reunião com
Lula, a iniciativa ganhou um apoio mais intenso da Casa Civil. É importante,
dada a geografia da Esplanada.
Agora, as ordens para olhar a fundo como são
usados os recursos de uma determinada política pública partirão da Casa Civil,
que tem um papel de coordenação dos ministérios. É diferente de uma pasta, o
Planejamento, tentar escarafunchar as contas de outra no mesmo nível
hierárquico.
Uma explicação para essa nova orientação é
que o pente-fino é um corte de despesas que passa ao largo de duas coisas que o
governo tem evitado: reformas constitucionais e mais sacrifício nos
investimentos.
É por fugir do figurino tradicional do ajuste
fiscal, que recai sobre as despesas discricionárias e principalmente sobre
investimentos, que o corte de R$ 25,9 bilhões pretendido com o pente-fino é
considerado nos bastidores uma mudança estrutural no orçamento. É o mais
estrutural que a atual circunstância permite.
A terceira colherada envolve o período de
2026 em diante, onde estão as principais dúvidas do mercado quanto à
viabilidade do arcabouço fiscal. Nesse campo, estão as propostas que Lula veio
descartando ao longo das últimas semanas: desatrelar benefícios previdenciários
e assistenciais do ganho real do salário mínimo, alterar as regras que corrigem
os gastos mínimos obrigatórios em saúde e educação.
Apesar de não gostar dessas ideias, Lula deu
sinal verde para as discussões prosseguirem. Isso já é alguma coisa. Os debates
serão feitos com mais calma ao longo das próximas semanas, comenta-se. Não há
tema proibido, nem mesmo os que o presidente atacou.
Acabar com as vinculações de despesas do
orçamento ao salário mínimo e à arrecadação (como é o caso dos pisos da saúde e
educação) iria direto aos pontos que mais pressionam o arcabouço. Mas até os
pombos da Praça dos Três Poderes sabem que seria praticamente um suicídio
político.
A equipe econômica tem optado, desde o
início, por soluções que fogem do tradicional. Não deve ser diferente agora,
dadas as circunstâncias.
A primeira fase do ajuste fiscal, apoiada no
aumento das receitas, não foi pelo caminho óbvio - e politicamente inviável -
de elevar alíquotas ou recriar um tributo sobre transações, como chegou a ser
defendido em alas do governo. O time da Fazenda foi buscar impostos e
contribuições que não vinham sendo pagos por conta de disputas judiciais e de
interpretações de normas tributárias. Tem obtido resultados, mas num ritmo mais
lento do que o esperado.
Se tudo correr como o planejado pelo governo,
a revisão de gastos vai segurar as pontas da meta fiscal em 2024 e 2025. Para
2026, mudanças estruturais no orçamento serão necessárias e, segundo se fala na
Esplanada, Lula está consciente disso.
É uma discussão é incontornável, mas não se
sabe quanto poderá ser aprofundada neste governo. A circunstância joga contra.
Nada é fácil.
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