quarta-feira, 10 de julho de 2024

Lu Aiko Otta - Sem choque pelo lado das despesas

Valor Econômico

O corte a ser anunciado dia 22 funcionará como um termômetro da disposição do governo em cumprir as metas fiscais

Como na máxima do filósofo espanhol José Ortega y Gasset, o ajuste das contas públicas é ele e sua circunstância. Não será o que se espera, mas o que for possível.

Há exasperação nos bastidores da equipe econômica quando o mercado se agita diante dessa constatação. A leitura é que parece haver uma torcida por um choque no orçamento pelo lado das despesas.

Não será bem assim, avisa-se. A opção é por “fazer o ajuste de maneira justa”, e não partir para o “tudo ou nada” que parece ser cobrado.

Num governo de DNA avesso à austeridade fiscal, emparedado por taxas modestas de popularidade e sem base de apoio em um Congresso Nacional cada vez mais empoderado, o ajuste fiscal tende a ser feito como o consumo de um prato de mingau quente: pelas bordas e aos poucos.

A velocidade é frustrante. Mas é maior que zero.

Nesse cenário, não foi pouco o que os ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Planejamento, Simone Tebet, conseguiram na reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva há exata uma semana. O recado mais importante é que o arcabouço fiscal será preservado “a todo custo”. As implicações disso investem contra a visão da ala política do governo.

No plano mais imediato, Lula autorizou cortes nas despesas programadas para este ano. O valor será anunciado no próximo dia 22 e funcionará como um termômetro da disposição do governo em cumprir as metas fiscais, como orientou o presidente.

É possível que a tesourada atinja investimentos, o que significa entrar numa zona até então evitada. Na semana passada, falava-se em contingenciamento (feito para cumprir a meta de resultado primário) e bloqueio (feito para cumprir o limite de gastos do arcabouço) que somados chegariam a algo como R$ 10 bilhões, possivelmente mais. Os números estão em refinamento, por isso as estimativas vão variar bastante até a próxima semana.

Em outra colherada do mingau, o presidente deu sinal verde ao aprofundamento das revisões de gastos. Esse trabalho de “pente-fino” nas políticas públicas vinha sendo feito de forma quase solitária pelo Ministério do Planejamento.

Nos debates que antecederam a reunião com Lula, a iniciativa ganhou um apoio mais intenso da Casa Civil. É importante, dada a geografia da Esplanada.

Agora, as ordens para olhar a fundo como são usados os recursos de uma determinada política pública partirão da Casa Civil, que tem um papel de coordenação dos ministérios. É diferente de uma pasta, o Planejamento, tentar escarafunchar as contas de outra no mesmo nível hierárquico.

Uma explicação para essa nova orientação é que o pente-fino é um corte de despesas que passa ao largo de duas coisas que o governo tem evitado: reformas constitucionais e mais sacrifício nos investimentos.

É por fugir do figurino tradicional do ajuste fiscal, que recai sobre as despesas discricionárias e principalmente sobre investimentos, que o corte de R$ 25,9 bilhões pretendido com o pente-fino é considerado nos bastidores uma mudança estrutural no orçamento. É o mais estrutural que a atual circunstância permite.

A terceira colherada envolve o período de 2026 em diante, onde estão as principais dúvidas do mercado quanto à viabilidade do arcabouço fiscal. Nesse campo, estão as propostas que Lula veio descartando ao longo das últimas semanas: desatrelar benefícios previdenciários e assistenciais do ganho real do salário mínimo, alterar as regras que corrigem os gastos mínimos obrigatórios em saúde e educação.

Apesar de não gostar dessas ideias, Lula deu sinal verde para as discussões prosseguirem. Isso já é alguma coisa. Os debates serão feitos com mais calma ao longo das próximas semanas, comenta-se. Não há tema proibido, nem mesmo os que o presidente atacou.

Acabar com as vinculações de despesas do orçamento ao salário mínimo e à arrecadação (como é o caso dos pisos da saúde e educação) iria direto aos pontos que mais pressionam o arcabouço. Mas até os pombos da Praça dos Três Poderes sabem que seria praticamente um suicídio político.

A equipe econômica tem optado, desde o início, por soluções que fogem do tradicional. Não deve ser diferente agora, dadas as circunstâncias.

A primeira fase do ajuste fiscal, apoiada no aumento das receitas, não foi pelo caminho óbvio - e politicamente inviável - de elevar alíquotas ou recriar um tributo sobre transações, como chegou a ser defendido em alas do governo. O time da Fazenda foi buscar impostos e contribuições que não vinham sendo pagos por conta de disputas judiciais e de interpretações de normas tributárias. Tem obtido resultados, mas num ritmo mais lento do que o esperado.

Se tudo correr como o planejado pelo governo, a revisão de gastos vai segurar as pontas da meta fiscal em 2024 e 2025. Para 2026, mudanças estruturais no orçamento serão necessárias e, segundo se fala na Esplanada, Lula está consciente disso.

É uma discussão é incontornável, mas não se sabe quanto poderá ser aprofundada neste governo. A circunstância joga contra.

 

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