Folha de S. Paulo
Democrata insistiu numa postura sebastianista
em que se imaginou o único capaz de salvar os Estados Unidos do genuíno horror
que será uma segunda presidência Trump
Não era
preciso ter esperado tanto. O melhor presidente americano dos
últimos 60 anos colocou em risco seu legado. É fácil fazer análise de espelho
retrovisor, mas o fato é que Joe Biden,
o mais velho chefe de estado eleito, aos 77 anos, devia ter cumprido antes sua
alegada intenção de sair do cargo ao final deste ano, depois de um governo
genuinamente transformador para a vida dos americanos.
Ou o recado que ele passou –uma candidatura de um só mandato em dezembro de 2019— , quando sua vitória parecia francamente improvável, era apenas uma forma de aquietar aliados preocupados com sua idade?
Todo político vende a proverbial narrativa, e
a de Biden, ao se lançar pré-candidato pela terceira vez, em 2020, começava num
fim de semana infame de agosto de 2017. Uma série de passeatas em
Charlottesville, Virgínia, tirou do esgoto para o asfalto a nata da supremacia
branca, com militantes que exibiam sua iconografia neonazista e berravam
insultos a judeus, até que um deles atropelou e matou uma mulher ao jogar o
carro contra um grupo que protestava contra os supremacistas.
O então ex-senador e ex-vice de Obama, que passara o último meio século na vida
pública, diz que Charlottesville lhe deu um novo propósito para servir ao país.
Joseph Robinette Biden foi definido como homem e político eleito pela constante
percepção de ser subestimado. A luta começou com a gagueira intensa, que era
objeto de chacota entre colegas e que ele conquistou, adolescente, com sessões
de treino no próprio quarto, até conseguir falar em público na escola, em
Delaware.
A tragédia foi o segundo fator que definiu a
vida do presidente. Ele perdeu a primeira mulher e a filha de um ano num
acidente, em 1972, que feriu gravemente seus filhos Beau e Hunter.
Em 2015, a morte de Beau, o primogênito,
procurador-geral de Delaware, condecorado veterano da guerra do Iraque e visto
como herdeiro político, deixou Biden prostrado. Mas a percepção de ser relegado
continuou. Em 2016, depois de oito anos como vice leal de Barack Obama, ele
ouviu do chefe que havia chegado a hora de Hillary Clinton. A impopular e
inegavelmente competente senadora perdeu para o palhaço de Manhattan, e o resto
é, como dizem, história.
Biden, uma usina de gafes desde que entrou na
política, fez fama de centrista e mais interessado em negociar concessões no
varejo do Senado do que avançar políticas. Mas, depois de derrotar
pré-candidatos da ala esquerda do Partido
Democrata, como Bernie Sanders e Elizabeth Warren, nas primárias de
2020, o presidente colocou sua equipe política a serviço de uma agenda mais
progressista do que a tentada –ou desejada— por Obama ou Bill Clinton. O cara
de quem esperavam pouco entregou muito.
Em meio ambiente, energia renovável, ativismo
antitruste, foco em acesso a tratamento médico e direitos reprodutivos, criação
de empregos, direitos trabalhistas e do consumidor, o primeiro presidente a ir
a um piquete de metalúrgicos da indústria de automóveis, não escondeu suas
lealdades e a criação entre comunidades de classe média.
A triste ironia é que milhões de americanos
beneficiados por decisões que Joe Biden tomou, vão às urnas em novembro sem
saber que avanços devem a ele. É difícil avaliar se a ignorância pode ser
atribuída mais à falta de comunicação efetiva da Casa Branca ou às bolhas de
informação que isolam o público. Líderes europeus que passaram por Washington
na cúpula da OTAN, em julho, dariam tudo para exibir os números da economia
americana pós-pandemia.
Se a presidência Trump será historicamente
associada à complacência e ao despreparo da imprensa para cobrir um candidato e
chefe de Estado fora da curva democrática, a presidência de Biden será a
comprovação de que a elite do jornalismo americano não se adaptou à realidade
política radicalmente alterada pela chegada de Trump a Washington.
Graças a Trump, o pensamento conspiratório (do tipo Obama não nasceu nos EUA) é
agora automático entre um público que despreza fatos, especialmente os
publicados por jornalistas. E, à medida que Trump avança nas pesquisas, nota-se
mais timidez na cobertura em redações cujos proprietários podem ser afetados
por decisões do governo federal.
O presidente Biden errou em negar sua
fragilidade, acelerada no último ano, e insistiu numa postura sebastianista em
que se imaginou o único capaz de salvar os Estados
Unidos do genuíno horror que será uma eventual segunda
presidência Trump para o país e para o planeta.
O homem cansado que vai para casa em janeiro
é genuinamente querido por seus pares e admirado por parceiros nas democracias
que hoje resistem ao avanço autoritário. Mas, se sua resistência a dar passagem
a uma nova geração selar a vitória do demolidor Donald Trump, o que vai sobrar
desta Presidência?
Sei.
ResponderExcluirSabe o quê? MAM
ResponderExcluirO leitor Marcos se comporta como verdadeiro Controlador e fiscalizador do que se escreve nessa coluna, não emite sua opinião porque fica clara sua falta de conteúdo intelectual E o pior que as suas críticas são características da extrema esquerda inconsequente e burra
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