O Estado de S. Paulo
A crispação dos dois presidentes submete as
relações entre os países aos caprichos pessoais dos líderes
“A mais triste forma de saber é estar
ciente.” O verso do poeta Cassiano
Ricardo mostra um dos dramas
de Lula. O petista não parece ciente das consequências do que fala e faz.
Os turiferários que o cercam fingem não enxergar o quanto se esgarça a
política, afastando da República a moderação e a procura de consensos.
Busca-se a sobrevivência diante de um mundo exasperado, sem espaço para personagens como o francês Emmanuel Macron. Seu drama não se resume ao cálculo político desastroso ou à vaidade que acabou por destruí-lo. Há outro problema. E ele está no espírito do tempo. Uma nova era política parece condenar partidos e líderes à extinção catastrófica.
No começo do século passado, a maré radical
engoliu figuras como o social-democrata Karl Kautsky. Em 1918, ele repreendeu os
bolcheviques em razão dos fuzilamentos na Guerra Civil russa. A história
registra a resposta que Trotsky lhe
deu: “O terror do czarismo era dirigido contra o proletariado. A polícia
czarista estrangulava os trabalhadores que militavam pelo socialismo. Nossas
tchekas fuzilam os grandes proprietários, os capitalistas e os generais que se
esforçam por restabelecer o regime czarista. Vocês conseguem captar essa…
nuance?” O terror vermelho pretendia se justificar como a reação ao terror
branco. Buscava-se legitimidade, comparando seus desmandos e diferenças com os
do adversário.
Lula navega instintivamente em tempos de
crispação. Sabe que políticos como Jean-Luc
Mélenchon e Marine
Le Pen atraem mais o eleitor do que quem lhe promete consenso e bom
senso. O presidente argentino Javier Milei tem a mesma consciência. É o
antagonismo às elites corruptas, às castas insensíveis que se refestelam diante
de um futuro que não mais promete dar às pessoas o mesmo que elas receberam de
seus pais, que explica esse fenômeno.
Lula diz que Milei lhe deve desculpas. O
argentino desdenha. E anuncia que virá ao Brasil. Não como chefe de Estado, mas
como militante da direita radical, que promoverá um convescote em Santa
Catarina. É possível que volte a chamar Lula de corrupto e crie novo incidente
diplomático, a exemplo do que o envolveu com a Espanha. E, agora, com a Bolívia.
A diplomacia de Milei não é aquela das Nações, mas a dos partidos. O PT por muito tempo a exercitou, ainda que sem o histrionismo do argentino. Enquanto isso, pode-se perguntar: até onde os caprichos pessoais podem afetar as relações entre os países? Até onde Milei se arriscará diante da necessidade de exportar para o vizinho? O certo é que os atores desse drama parecem se manter distantes da mais triste forma de saber.
Concordo em G,N e G.
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