Valor Econômico
Prefeita de Contagem (MG), maior cidade governada pelos petistas no país, Marília Campos não entra em briga alheia nem fecha alianças pelo retrovisor e defende que partido abra mão de privilégios
Município da Região Metropolitana de Belo
Horizonte e segundo maior do estado, com 668 mil habitantes, Contagem foi sede
de vitórias históricas do PT iniciadas pelo presidente Luiz Inácio Lula da
Silva, que lá ganhou lá duas vezes, sendo a primeira, em 2002, com 82% dos
votos.
Nesses bons anos do PT no município, Marília
Campos elegeu-se vereadora, duas vezes prefeita e três vezes deputada estadual.
Psicóloga formada na UFMG e bancária desde os 18 anos, idade com a qual ajudou
a fundar o PT em Uberlândia em 1982, Marília deixou a prefeitura em 2014, rumo
à Assembleia Legislativa na disputa em que seus eleitores também deram o
segundo mandato à ex-presidente Dilma Rousseff e colocaram Fernando Pimentel no
Palácio da Liberdade.
A cidade, antigo entreposto fiscal da coroa portuguesa para contagem de escravos e cabeças de gado, sempre foi cultivada por Lula. Em visita à cidade, em junho, o presidente disse ter ouvido pela primeira vez a menção a Contagem em 1968, quando seus metalúrgicos lideraram, junto com os de Osasco, a primeira grande greve da ditadura.
Essa relação não impediu que o PT fosse
varrido de Contagem na lufada antipetista que se seguiu ao impeachment de
Dilma. Tanto o atual ministro da Fazenda, Fernando Haddad, quanto Lula perderam
lá em 2018 e 2022. A cidade aderiu a Jair Bolsonaro, que ganhou as duas
eleições no município, bem como o governador Romeu Zema.
A virada de chave bolsonarista na cidade não
impediu a volta de Marília Campos à prefeitura em 2020 para seu terceiro
mandato, derrotando um empresário impulsionado pela ascensão da direita no
estado, Felipe Saliba.
É bola cantada o mau desempenho do PT em
outubro. Os 5.565 municípios brasileiros vão às urnas em meio ao fortalecimento
da extrema direita em todo o mundo, de Jordan Bardella, na França, ao
ex-presidente Donald Trump, que ficou mais perto de voltar à Casa Branca depois
do desempenho paralisante do presidente Joe Biden no primeiro debate da
campanha.
Eleição municipal não antecipa resultado das
eleições gerais, vide o pífio desempenho do PT em 2020 que não impediu que Lula
voltasse ao Planalto em 2022. É nos municípios, porém, que a direita ganha
musculatura para as bancadas que exercem o poder de veto no Congresso Nacional.
O partido nunca foi capaz de ter uma presença
municipal expressiva no país, mas chegou a eleger mais de 600 prefeitos em
2012, situando-se como a quinta legenda em número de municípios. O impeachment
de Dilma e o fortalecimento das engrenagens entre as emendas parlamentares e as
bases eleitorais do Centrão desde então ajudaram a minguar o número de
prefeituras petistas. Em 2020, o PT ficou em 11º em número de prefeitos, tendo
eleito apenas 183, menos até que o PTB, partido sem representação na Câmara dos
Deputados.
Um deles foi Marília, que hoje é a prefeita
da maior cidade governada pelo PT no país. A trajetória que percorreu desde seu
retorno à prefeitura num estado sob a dominância conservadora que reelegeu
Romeu Zema (Novo) no primeiro turno e deu vitória apertada para Lula em 2022
mostra que o PT, para reverter o declínio de sua presença nos municípios
brasileiros, terá que mudar a cartilha, a começar pela capacidade de
estabelecer pontes com o conservadorismo.
Depois de ganhar a eleição com 52% dos votos,
Marília, em seis meses, tinha avançado para 70% de aprovação. Da aliança
restrita, de apenas três partidos (PT, PCdoB e MDB), avançou para fazer a
maioria na Câmara de Vereadores. De 21 cadeiras, apenas quatro são da oposição.
Sua chapa à reeleição caminha para ser registrada com 16 partidos (PT, PCdoB,
MDB, PV, PP, União, PDT, PSD, PMN, PSDB, PSB, Solidariedade, Rede, Psol,
Cidadania, Republicanos).
Ao atrair a centro-direita, isolou o
bolsonarismo na oposição. Terá por adversários dois aliados do ex-presidente,
os deputados federais bolsonaristas Felipe Saliba (PRD), que derrotou em 2020,
e Cabo Junio Amaral (PL). Aderiram à sua candidatura os grupos que derrotou ao
chegar pela primeira vez à prefeitura e que voltaram ao poder municipal depois
de sua retirada, o PSDB e o MDB de Newton Cardoso, que foi três vezes prefeito
da cidade, e governador do estado. Define numa frase sua relação com esses partidos:
“Não discuto o passado, arrumo o que o passado me deixou”.
Aos 62 anos, casada, três filhos e um neto,
Marília é uma releitura do Lula que chegou ao poder em 2002, mais do que aquele
do terceiro mandato. Trafega pelo eleitorado conservador a uma distância
regulamentar de pautas divisivas - “Não faço disputas que não são minhas,
abraço questões políticas que impactam a cidade”. Nem por isso deixa de ser
atacada pelo bolsonarismo. Num dos últimos, um panfleto apócrifo a “acusou” de
dar voz à umbanda.
Sua gestão tem embates com os conselhos
tutelares, hoje dominados pela extrema direita, que quer tirar a guarda dos
filhos de mães em situação vulnerável, por uso de drogas. Por outro lado, o
Centro Materno Infantil da prefeitura faz abortos nos três casos previstos em
lei (estupro, má-formação do feto e risco de vida da mãe), mas apenas até as 22
semanas.
Esta é a prática da maior parte das
maternidades, uma vez que, para além das 22 semanas, exige-se uma assistolia. O
procedimento, normatizado pela Organização Mundial de Saúde para evitar que o
feto nasça vivo, é praticado em alguns centros, como as maternidades-escolas da
UFBA e da UPE. Também era oferecido na maternidade municipal de Vila Nova
Cachoeirinha até a suspensão do serviço pelo prefeito de São Paulo e candidato
bolsonarista à reeleição, Ricardo Nunes.
No lugar do orçamento-participativo, prática
iniciada por prefeituras petistas para interferir na alocação orçamentária, em
Contagem foram fortalecidos os oito conselhos regionais da cidade. Essas
instâncias, a exemplo dos conselhos tutelares, são formadas por conselheiros
eleitos, mas sua atuação extrapola a vigilância sobre os direitos de crianças e
adolescentes e invade as demais políticas municipais.
Em Contagem, os conselheiros, que não são
remunerados, discutem a alocação do Orçamento que, no de 2024, é de R$ 33
milhões. A maioria deles é apartidária e recebe treinamento da UFMG para a
tarefa. A iniciativa partiu da percepção de que tanto a Câmara de Vereadores
quanto o orçamento-participativo só discutem obras, quando as expectativas da
população em relação ao espaço urbano extrapolam a argamassa. Este foco está na
mira de adversários que a acusam pela autarquia criada para cuidar de parques e
praças.
A percepção converge com a ideia, já
identificada pelo mapeamento das interações em redes sociais, de que é o combo
de bem-estar, alimentação, exercícios físicos e mobilidade que atrai a atenção
do eleitor. A polarização, pelo menos nas redes sociais, já deu o que tinha que
dar. Quando invade a seara municipal, a polarização arrisca favorecer o
bolsonarismo, como aconteceu, na largada da campanha paulistana, em que os
cinco pré-candidatos da direita têm mais do que o dobro do que os dois da
centro-esquerda.
Marília diz não abrir mão de iniciativas
tradicionais de administrações petistas em torno, por exemplo, do combate ao
racismo ou ao machismo, mas diz dar preferência a atividades de economia
solidária com culinária de origem africana, por exemplo, ou a corridas de rua
para mulheres, a seminários exclusivamente pautados por palestras. Mantém a
parada LGBT na cidade pela tradição, mas não fez eventos comemorativos ao 31 de
março. “Se engajasse, a prefeitura ressuscitaria a polarização”, diz.
A economia do bem-estar pauta o varejo das
políticas públicas em Contagem, no varejo, a prefeita não abre mão das obras.
No evento com Lula anunciaram-se novos recursos, além do que já foi alocado
pelo PAC Mobilidade, para obras viárias e de saneamento que tiram o trânsito do
centro da cidade e fazem prevenção de enchentes.
A prefeita cobrou a inclusão de passageiros
nos investimentos ferroviários, majoritariamente destinados a cargas, além da
extensão do metrô de BH e uma solução para a dívida de Minas como encaminhada
pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD), que Lula pretende lançar ao
governo do estado em 2026. Ao contrário do PT mineiro, Marília não se opôs ao
regime de recuperação fiscal do estado liderada pelo governador. A oposição a
Zema, diz, pauta-se, frequentemente, pelo “quanto pior, melhor”.
O discurso de Lula chamou a atenção de
Marília por não ter mais mencionado Bolsonaro nem Curitiba, temas recorrentes
na campanha, mas lhe preocupou a omissão do presidente sobre a presença, no
palanque, do representante de Zema, o vice-governador, Mateus Simões (Novo). No
final do evento, Simões disse à imprensa que o desalinhamento ideológico não
deveria impedir trabalho conjunto, como o faz com a prefeita.
Marília mantém uma boa relação com o
governador a despeito a tentativa de Zema da disputa contra a nova Lei do ICMS.
Esta lei desconsidera a proporcionalidade da população na distribuição de
recursos para a educação, que deixa cidades como Belo Horizonte e Contagem,
respectivamente com R$ 2,97 e R$ 9,71 por aluno, enquanto grotões como Itambé
do Mato Dentro, com 62 matrículas escolares, dispõe de R$ 5,5 mil por aluno.
Marília Campos teme, como muitos de seus
correligionários, a surra que o PT pode tomar nas eleições municipais. Vê a
campanha de Guilherme Boulos, em São Paulo, excessivamente focada no
bolsonarismo e uma bancada de deputados que pouco se engaja na divulgação dos
recursos federais alocados para os municípios. Já teve atritos com o PT
mineiro, mas mantém boa relação com o PSD de Pacheco.
O contraponto, diz, também tem que ser
estabelecido pelo exemplo. Protagonista do movimento pelo fim da aposentadoria
especial dos parlamentares mineiros, insta seus correligionários a se engajar
pelo fim de privilégios e verbas indenizatórias no Legislativo e nos demais
Poderes. Não tem dúvida de que a iniciativa renderia mais ao PT do que a
surrada polarização com o bolsonarismo.
Infelizmente o nosso povo é pobre e desmemoriado Porque eleger um presidente tirando ele da cadeia condenado por corrupção e lavagem de dinheiro a mais de 20 anos de prisão é muito falta de juízo Nós estamos pagando as consequências
ResponderExcluirQuando uma sociedade perde a suas balizas éticas e imorais está fadada a sucumbir
Imagino as balizas éticas e IMORAIS de Bolsonaro e seus apoiadores no golpe fracassado... Apoiar TORTURA, apoiar e tentar GOLPE MILITAR... Imoralidade total, mesmo!
ResponderExcluirApoiada.
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