quinta-feira, 18 de julho de 2024

Maria Cristina Fernandes - O duelo político da regulação financeira

Valor Econômico

Ideia em gestação enfrentará um paredão no Senado

Tratorado na tramitação, ao longo de oito meses, da Proposta de Emenda Constitucional 65/2023 que confere autonomia financeira e administrativa ao Banco Central, o governo acordou e conseguiu adiar a votação na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. A ambição governista não é apenas adiar indefinidamente, mas colocar, em seu lugar, a discussão de uma proposta, não necessariamente com mudança constitucional, de uma nova repartição de atribuições entre Banco Central e Comissão de Valores Mobiliários.

A ideia em gestação, como antecipou o Valor, é entregar para a CVM tudo aquilo que disser respeito à regulação dos produtos bancários, de seguros e até de previdência para a proteção de investidores e consumidores. Com o BC ficaria a regulação prudencial do sistema financeiro. A solidez advinda do lucro dos bancos seria assunto do BC, mas se esta solidez advir da exploração abusiva de seus produtos bancários, o xerife seria a CVM.

A ideia pode ser boa, mas enfrentará um paredão no Senado. Na sessão do adiamento, o presidente da CCJ, Davi Alcolumbre (União-AP), incluiu entre os atributos da PEC 65 sua “amizade pessoal” com o presidente do BC, Roberto Campos Neto. O texto da PEC decolou do BC em novembro de 2023 e pousou no colo do senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO), que assumiu sua autoria, com relatório do senador Plínio Valério (PSDB-AM), os mesmos que já haviam sido protagonistas na autonomia operacional conferida ao BC no início do governo Jair Bolsonaro.

A tramitação da proposta atravessou os tempos mais trepidantes da relação entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o BC. Foi esta trepidação, e não seu mérito, que aumentou a determinação oposicionista de levá-la adiante. O ponto mais polêmico é sua transformação em “empresa pública”, uma excepcionalidade na atividade regulatória do país. Com agravantes.

A PEC foi impulsionada pelo argumento de que o BC vive com um orçamento tão apertado que não tem como investir na segunda fase do PIX. Parte dessa queixa poderia começar a ser resolvida pelo próprio BC, que é uma das únicas instâncias reguladoras que não cobra de seus regulados, os bancos. A CVM, por exemplo, tem uma receita de R$ 1 bilhão ante custos de R$ 300 milhões.

A ideia tanto dos senadores quanto do próprio BC, é de que, como empresa pública, o banco administraria o orçamento advindo da “senhoriagem”, termo com o qual se define a receita proveniente do monopólio da emissão da moeda. Acontece que esta receita, assim como a das demais instâncias reguladoras, não é do BC mas do Tesouro.

Na audiência pública do mês passado sobre a PEC, André Lara Resende, ex-dirigente do banco, levantou um problema nada desprezível. Esta taxa de “senhoriagem” é tanto mais elevada quanto maior a taxa de juros, o que empurraria o Banco Central, como empresa pública que precisa produzir lucro, a manter a taxa de juros artificialmente alta.

O que sepultou a ideia de “empresa pública”, porém, foi a perspectiva de, a cada aporte do Tesouro - porque esta atividade do BC de lastrear o mercado monetário nem sempre “dá lucro” -, a conta deixar de ser financeira e passar a ser primária, com evidente impacto fiscal.

Ao longo da negociação ficou patente que funcionários e uma parte da diretoria do BC exercem estreita observância sobre a manutenção do arcabouço fiscal na condução da política monetária, mas ignoram a pressão fiscal decorrente do atendimento de suas demandas e a necessidade de se submeterem às regras fiscais vigentes.

Na negociação com o relator, chegou a ser apresentada uma cláusula para que a reposição de pessoal fosse feita até que todas as necessidades do banco estivessem atendidas, condição inexistente num serviço público submetido à Lei de Responsabilidade Fiscal. Como o último concurso é de 2013, há, de fato, uma carência de pessoal que não será preenchida pelas 100 vagas autorizadas em seleção a ser realizada em agosto. A insatisfação levou a que os funcionários do Banco Central fossem os únicos a fazer greve ao longo do governo Jair Bolsonaro.

A ausência de penduricalhos, como aqueles obtidos pelos funcionários da Receita e da AGU, fez com que parte do funcionalismo se encantasse com a possibilidade de virar celetista para ganhar bônus como os do mercado financeiro com o qual seria possível ultrapassar o teto do funcionalismo público. A ideia enfrentou resistência, principalmente, dos aposentados, que, atrelados a uma carreira a ser extinta, perderiam a chance de ter reajuste em seus benefícios.

O relator fez tantas concessões ao longo de negociações tão acirradas, que parece improvável que todos abram mão daquilo que já parecia garantido, mas a ambição da Fazenda é de reformular o projeto. Não apenas para evitar a “balcanização” do Orçamento com a porteira que esta PEC escancararia. Há também resistências à celetização dos funcionários do BC pelo entendimento de que um regulador do mercado não pode ser demitido.

Na tentativa de cativar o Congresso para a proposta está a ideia de que um sistema de regulação com maior proteção para o consumidor de produtos bancários, de seguros e de previdência tem mais apelo popular do que a PEC 65. Das quatro instâncias reguladoras - BC, CVM, Previc e Susep - apenas as duas primeiras sobreviveriam.

No pano de fundo da disputa em torno da regulação financeira há uma queda de braço entre Congresso e Executivo pela supervisão da autoridade monetária. No projeto original, mantido pelo relator, o BC passaria a ficar submetido ao Congresso qualquer tutela do Executivo. É uma ideia que converge com a percepção, que chegou a ser expressa por dirigentes de instituições financeiras ao longo da campanha de 2022, de que a permanência de um Congresso sob o comando do Centrão, seria a garantia contra mudanças indesejadas na sucessão presidencial.

 

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