Valor Econômico
Ideia em gestação enfrentará um paredão no Senado
Tratorado na tramitação, ao longo de oito
meses, da Proposta de Emenda Constitucional 65/2023 que confere autonomia
financeira e administrativa ao Banco Central, o governo acordou e conseguiu
adiar a votação na Comissão de Constituição e Justiça do Senado. A ambição
governista não é apenas adiar indefinidamente, mas colocar, em seu lugar, a
discussão de uma proposta, não necessariamente com mudança constitucional, de
uma nova repartição de atribuições entre Banco Central e Comissão de Valores
Mobiliários.
A ideia em gestação, como antecipou o Valor, é entregar para a CVM tudo aquilo que disser respeito à regulação dos produtos bancários, de seguros e até de previdência para a proteção de investidores e consumidores. Com o BC ficaria a regulação prudencial do sistema financeiro. A solidez advinda do lucro dos bancos seria assunto do BC, mas se esta solidez advir da exploração abusiva de seus produtos bancários, o xerife seria a CVM.
A ideia pode ser boa, mas enfrentará um
paredão no Senado. Na sessão do adiamento, o presidente da CCJ, Davi Alcolumbre
(União-AP), incluiu entre os atributos da PEC 65 sua “amizade pessoal” com o
presidente do BC, Roberto Campos Neto. O texto da PEC decolou do BC em novembro
de 2023 e pousou no colo do senador Vanderlan Cardoso (PSD-GO), que assumiu sua
autoria, com relatório do senador Plínio Valério (PSDB-AM), os mesmos que já
haviam sido protagonistas na autonomia operacional conferida ao BC no início do
governo Jair Bolsonaro.
A tramitação da proposta atravessou os tempos
mais trepidantes da relação entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o
BC. Foi esta trepidação, e não seu mérito, que aumentou a determinação
oposicionista de levá-la adiante. O ponto mais polêmico é sua transformação em
“empresa pública”, uma excepcionalidade na atividade regulatória do país. Com
agravantes.
A PEC foi impulsionada pelo argumento de que
o BC vive com um orçamento tão apertado que não tem como investir na segunda
fase do PIX. Parte dessa queixa poderia começar a ser resolvida pelo próprio
BC, que é uma das únicas instâncias reguladoras que não cobra de seus
regulados, os bancos. A CVM, por exemplo, tem uma receita de R$ 1 bilhão ante
custos de R$ 300 milhões.
A ideia tanto dos senadores quanto do próprio
BC, é de que, como empresa pública, o banco administraria o orçamento advindo
da “senhoriagem”, termo com o qual se define a receita proveniente do monopólio
da emissão da moeda. Acontece que esta receita, assim como a das demais
instâncias reguladoras, não é do BC mas do Tesouro.
Na audiência pública do mês passado sobre a
PEC, André Lara Resende, ex-dirigente do banco, levantou um problema nada
desprezível. Esta taxa de “senhoriagem” é tanto mais elevada quanto maior a
taxa de juros, o que empurraria o Banco Central, como empresa pública que
precisa produzir lucro, a manter a taxa de juros artificialmente alta.
O que sepultou a ideia de “empresa pública”,
porém, foi a perspectiva de, a cada aporte do Tesouro - porque esta atividade
do BC de lastrear o mercado monetário nem sempre “dá lucro” -, a conta deixar
de ser financeira e passar a ser primária, com evidente impacto fiscal.
Ao longo da negociação ficou patente que
funcionários e uma parte da diretoria do BC exercem estreita observância sobre
a manutenção do arcabouço fiscal na condução da política monetária, mas ignoram
a pressão fiscal decorrente do atendimento de suas demandas e a necessidade de
se submeterem às regras fiscais vigentes.
Na negociação com o relator, chegou a ser
apresentada uma cláusula para que a reposição de pessoal fosse feita até que
todas as necessidades do banco estivessem atendidas, condição inexistente num
serviço público submetido à Lei de Responsabilidade Fiscal. Como o último
concurso é de 2013, há, de fato, uma carência de pessoal que não será
preenchida pelas 100 vagas autorizadas em seleção a ser realizada em agosto. A
insatisfação levou a que os funcionários do Banco Central fossem os únicos a
fazer greve ao longo do governo Jair Bolsonaro.
A ausência de penduricalhos, como aqueles
obtidos pelos funcionários da Receita e da AGU, fez com que parte do
funcionalismo se encantasse com a possibilidade de virar celetista para ganhar
bônus como os do mercado financeiro com o qual seria possível ultrapassar o
teto do funcionalismo público. A ideia enfrentou resistência, principalmente,
dos aposentados, que, atrelados a uma carreira a ser extinta, perderiam a
chance de ter reajuste em seus benefícios.
O relator fez tantas concessões ao longo de
negociações tão acirradas, que parece improvável que todos abram mão daquilo
que já parecia garantido, mas a ambição da Fazenda é de reformular o projeto.
Não apenas para evitar a “balcanização” do Orçamento com a porteira que esta
PEC escancararia. Há também resistências à celetização dos funcionários do BC
pelo entendimento de que um regulador do mercado não pode ser demitido.
Na tentativa de cativar o Congresso para a
proposta está a ideia de que um sistema de regulação com maior proteção para o
consumidor de produtos bancários, de seguros e de previdência tem mais apelo
popular do que a PEC 65. Das quatro instâncias reguladoras - BC, CVM, Previc e
Susep - apenas as duas primeiras sobreviveriam.
No pano de fundo da disputa em torno da
regulação financeira há uma queda de braço entre Congresso e Executivo pela
supervisão da autoridade monetária. No projeto original, mantido pelo relator,
o BC passaria a ficar submetido ao Congresso qualquer tutela do Executivo. É
uma ideia que converge com a percepção, que chegou a ser expressa por
dirigentes de instituições financeiras ao longo da campanha de 2022, de que a
permanência de um Congresso sob o comando do Centrão, seria a garantia contra
mudanças indesejadas na sucessão presidencial.
Dito e feito.
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