Valor Econômico
Biden na cédula traria o paradigma de um octogenário reeleito, mas Kamala é quem oferece a chance de derrotar o farol da extrema direita mundial
Joe Biden ainda estava em sua casa de
veraneio, em Delaware, matutando sobre a decisão que tomaria no domingo quando
o presidente Luiz Inácio Lula da Silva levantou-se do palanque para fechar, no
fim da tarde de sábado, a convenção que sacramentou a chapa Guilherme
Boulos/Marta Suplicy para a Prefeitura de São Paulo: “Estou vivendo o melhor
momento de minha passagem pelo planeta Terra”.
De calça jeans, camisa de gola rolê e blazer,
Lula falou depois da ex-prefeita e candidata a vice, de 79 anos, que leu seu
discurso, e da deputada federal Luiza Erundina (Psol-SP), de 89 anos, que foi
no improviso sem perder o fio da meada.
Caçula da trinca, aos 78 anos, Lula percorreu o palanque, por 25 minutos, na fala mais esfuziante da tarde em que disse ser tão candidato quanto o deputado federal de 42 anos que encabeça a chapa. Jogou todas as fichas na campanha como um plebiscito sobre seu governo e no polo de resistência contra “o nazismo e o facismo”.
A jogada é de risco porque a popularidade do
presidente, na capital paulista, está empatada com a do prefeito e candidato à
reeleição, Ricardo Nunes, mas os estrategistas da campanha Psol/PT apostam que,
finda a temporada de inaugurações, a campanha situacionista reduzirá sua
exposição.
Ainda na noite do domingo, os bolsonaristas
começaram a se revezar nas redes sociais para explorar o flanco do etarismo
contra Lula, que é três anos mais novo que o presidente americano. “Biden EUA
está fora! Quando o Biden brasileiro vai sair?”, escreveu o senador Flávio
Bolsonaro (PL-RJ) no X. Lula e Trump nasceram em 1945.
Por mais que jogue como se o futuro de seu
governo estivesse atrelado ao palanque paulistano, Lula passou recibo do
impacto da eleição americana sobre seu futuro.
Nesta segunda, achou por bem tomar distância.
Não estendeu a Kamala Harris o apoio já manifestado à reeleição de Biden.
“Agora eles vão escolher uma candidata ou um candidato, e que o melhor vença a
eleição. A relação do Brasil será com quem for eleito. Temos uma parceria
estratégica com os Estados Unidos e queremos mantê-la”, disse, em entrevista a
jornalistas estrangeiros. E antes que aparecesse alguém que lhe perguntasse se
o gesto serviria de inspiração aos presidentes octogenários, foi logo declarando:
“Somente ele poderia decidir se iria ou não ser candidato.”
Foi uma completa mudança de tom em relação ao
apoio declarado a Biden durante entrevista à rádio Itatiaia, no fim de junho:
“Sou simpático ao Biden, acho que o Biden é a certeza de que os Estados Unidos
vão continuar respeitando a democracia. O Trump já deu aquela demonstração
quando ele invadiu o Capitólio, que não é uma coisa correta de se fazer. Ele
fez lá um pouco do que se tentou fazer aqui no Brasil com o golpe de 8 de
janeiro.”
Não parou por aí. Engatou a quinta e pisou
mais fundo: “Então, como democrata, eu estou torcendo para que o Biden saia
vitorioso. E se o Biden ganhar, eu já conheço o Biden, já tenho uma relação com
os Estados Unidos, que é uma relação sólida, eu pretendo manter. Quando ganhar,
se o Trump ganhar, a gente não sabe o que ele vai fazer.”
O freio de arrumação na política externa não
se restringiu à perda de entusiasmo do presidente com a entrada de Kamala
Harris, 59 anos, na cabeça de chapa. Cobrado a se posicionar sobre a ameaça de
“banho de sangue” de Nicolás Maduro, em caso de resultado que lhe seja
desfavorável, Lula, na semana passada, colocou Venezuela, Nicarágua e Argentina
no mesmo saco: “Eles que elejam quem eles quiserem.”
Nesta segunda, achou por bem dizer-se
“assustado” com a declaração do presidente venezuelano. E já incorporou a
possibilidade de um resultado negativo para Maduro: “Quem perde as eleições
toma um banho de voto, não de sangue.” O Itamaraty foi além e soltou uma nota
demonstrando preocupação com a desqualificação de uma das candidatas da
oposição, Corina Yoris, e cobrando uma explicação do governo Maduro.
Lula se move num tabuleiro mais hostil no
continente do que aquele que desfrutou nos seus dois primeiros mandatos. Nenhum
resultado, porém, lhe seria mais negativo do que a vitória de Donald Trump em
novembro, tratada pela extrema direita no Brasil como um elixir.
Se a perspectiva levou o presidente
brasileiro a cruzar a fronteira e se manifestar favoravelmente à reeleição do
presidente americano, o passo atrás repõe a posição brasileira no lugar de onde
não deveria ter saído. Não parece haver dúvidas, porém, das razões pelas quais
Lula passou recibo sobre a ausência de Biden da cédula.
Não apenas porque tira de cena um candidato
de 81 anos cuja recondução à Casa Branca respaldaria as pretensões eleitorais
de octogenários mundo afora. Sai também um presidente com quem Lula compartilha
a pauta de combate à precarização das condições de trabalho, renovação dos
laços sindicais e fortalecimento do papel do Estado na economia.
No seu lugar, entra uma candidata que
recoloca na ribalta a pauta identitária que Lula vem tentando driblar,
inclusive na campanha municipal, porque a identifica como berçário da extrema
direita. Se se mostrar mais competitiva, como aposta Biden, porém, Kamala
impedirá que Trump volte a ser o farol da extrema direita no mundo. Também por
isso terá prestado um serviço a este governo.
E quando o Trump brasileiro vai ser encarcerado??
ResponderExcluirMuito bom! Inclusive muito interessante o final: "a pauta identitária que Lula vem tentando driblar, inclusive na campanha municipal, porque a identifica como berçário da extrema direita." Tem certa lógica, dá o que pensar!
ResponderExcluirVerdade.
ResponderExcluir