Valor Econômico
O homem que potencializou a mentira no discurso político contemporâneo agora tem a verdade a seu favor
Nem que reúna todos os gênios da comunicação
política, a convenção republicana será capaz de reproduzir a cena do atentado
contra o ex-presidente americano, Donald Trump: o punho ergue-se acima do rosto
ensanguentado, os dentes mordem os lábios para fazer soar “fight” (“lutem”), a
bandeira americana está hasteada à direita e a agente do serviço secreto com
algemas presas no seu cinto o cerca não para prender o condenado por 34 crimes
mas protegê-lo de um atirador.
Toda a cena foi emoldurada por um céu azul sem nuvens sobre uma plateia de onde saiu a única vítima fatal, um bombeiro que se jogou sobre as filhas para protegê-las. O inimigo mirou Trump mas atingiu a família americana. A plateia reagiu instantaneamente gritando a sigla, em inglês, de Estados Unidos da América, USA.
O homem que potencializou a mentira no
discurso político contemporâneo agora tem a verdade a seu favor. A cena foi
captada por Evan Vucci, da AP. Sua sequência daria um filme. A bala interrompeu
a fala de Trump: “Veja o que acontece...”. Referia-se a um gráfico com a
escalada de imigrantes no país do pleno emprego. Ao virar o rosto para
mostrá-lo, permitiu que a bala apenas raspasse sua orelha.
O poder da cena foi definido pelo próprio
alvo ao “New York Post” durante o voo que, na noite do domingo, o levou a
Milwaukee, no Estado de Wisconsin onde acontece a convenção: “Normalmente você
tem que morrer para produzir uma foto icônica. E eu não morri.” O sobrevivente
disse que jogou fora o discurso “muito duro” que havia preparado sobre
“corrupção” no governo Biden e que, nesta quinta-feira, está disposto a unir o
país. A começar pela defesa da própria inocência.
Na véspera, tinha reagido ao atentado
incitando três vezes a plateia a lutar. Agora fala como alguém que, depois de
ter tido a proteção divina para sobreviver a este atentado, não pode ser
subjugado à lei dos homens. Descreveu um presidente Joe Biden “muito gentil” no
telefonema que lhe havia feito e disse “ter ouvido” que o Departamento de
Justiça retiraria suas acusações contra si.
O discurso da união do país lhe seria útil na
condição de condenado e candidato. E também poderia segurar a escalada de
violência nos quatro meses que restam até a eleição, mas pela escolha do
companheiro de chapa de Trump é sinal de que a aposta de união é retórica. O
senador por Ohio, JD Vance, puxou a fila dos que culpam a retórica de Biden de
que Trump é um “fascista autoritário que deve ser detido a todo custo” pelo
atentado.
Vance é autor de “Hillbilly Elegy”, que
pontificou na lista dos mais vendidos do “The New York Times” e originou o
filme “Era uma vez um sonho” (2020) sobre uma família branca que ascende para a
classe média carregando todos os traumas de abusos, pobreza e alcoolismo em
Ohio, Estado do “cinturão da Ferrugem”, como a Pensilvânia do atentado. Foi um
crítico ácido do trumpismo que aderiu ao partido Republicano com a retórica de
que só o bloqueio das fronteiras diminuirá a oferta abundante de mão de obra e elevará
o investimento em produtividade e o salário dos americanos.
Não é o único sinal de que a pacificação está
longe. Na entrevista do domingo, Trump relatou que o médico do pronto-socorro
lhe disse nunca ter visto alguém sobreviver depois de ser ferido por um AR-15.
Prefere tratar sua sobrevivência como milagre a encarar a tragédia da posse de
armas no seu país. Estatísticas compiladas pela Universidade de Georgetown
mostram que 24,6 milhões são proprietários do rifle mais popular do país. Como
detentores de armas não ficam numa só, calcula-se que o arsenal de AR-15 nos
EUA seja de 44 milhões de unidades.
Se o atirador fosse negro ou muçulmano suas
comunidades estariam carregando o estigma desta tentativa de assassinato. Como
é um jovem branco e subempregado de um Estado do “cinturão da ferrugem”, é
tratado como um “lobo solitário” e não como produto da cultura do ódio
cultivado num país de livre acesso a armas.
A ambiguidade do Trump “paz e amor” passa
ainda pela mudança de sua visão sobre o serviço secreto. Enquanto propõe uma
condecoração dos agentes do que se jogaram sobre seu corpo para protegê-lo,
lideranças republicanas já trabalham por uma investigação sobre sua atuação no
Congresso americano dadas as evidências de que houve alertas da população sobre
a presença do atirador no telhado de um silo, a 130 metros do palanque.
Esta é uma das razões pelas quais o
arrefecimento da pressão sobre Biden possa ter vindo para durar. É o Biden
presidente que tem condições de garantir uma investigação independente sobre o
atentado. Não parece ter sido outra a razão pela qual seu terceiro
pronunciamento sobre o fato ter sido feito a partir do Salão Oval da Casa
Branca senão a de mostrar-se presidencial.
Ante as acusações de leniência feitas por
partidários de Trump, a insistência de democratas pela troca de candidato corre
o risco de produzir uma descabida confissão de culpa do presidente. Até que a
investigação se conclua e Biden possa presidir a produção de seus resultados, a
convenção Democrata que ratificará a candidatura do partido já terá passado.
Ao contrário da primeira chegada de Trump à
Casa Branca, em 2016, a chance crescente de vitória em novembro não representa
a vanguarda da extrema-direita, mas o isolamento dos Estados Unidos. Foi a
resistência a este avanço que determinou o resultado eleitoral na França e no
Reino Unido, mitigou a força do novo mandato do primeiro-ministro Narendra Modi
na India e colocou Claudia Sheinbaum na Presidência do México.
Desde os primeiros minutos que se seguiram ao
atentado, a família Bolsonaro trata o evento, num país de longuíssima tradição
de violência política, como exportação da facada de setembro de 2018 em Juiz de
Fora. É um produto “made in US” com o qual o bolsonarismo quis inundar o país,
a começar pela liberação das armas.
A julgar pelo ato esvaziado do domingo, que
não chegou a ocupar nem mesmo um quarteirão da avenida Paulista e uniu o
protesto contra o indiciamento de Jair Bolsonaro no inquérito das joias
sauditas e cartazes “Trump vive”, o Brasil ainda se mantém na resistência. Só
falta repor a majoração de imposto das armas.
Coluna brilhante, muito bem pensada e argumentada!
ResponderExcluirA imprensa escondeu junto com o partido democrata mais de quatro anos a decrepitude e as senilidade do presidente Biden , o debate revelou o que estava sendo escondido , um presidente gaga
ResponderExcluirO Presidente Trump sobreviveu ao atentado e agora marcha impávido rumo casa branca