terça-feira, 9 de julho de 2024

Martin Wolf - As escolhas difíceis de Keir Starmer no Reino Unido

Financial Times / Valor Econômico

O desafio para o Partido Trabalhista não é apenas governar bem, mas restaurar a confiança ao fazê-lo

Keir Starmer conquistou uma enorme maioria parlamentar com um apoio surpreendentemente frágil. O Partido Trabalhista obteve apenas 34% dos votos. A mudança no apoio aos conservadores desde sua grande vitória de 2019 também demonstra a inconstância extrema do eleitorado.

Talvez o mais perturbador seja o fato de um novo relatório do National Centre for Social Research afirmar que “a confiança nos governos nunca esteve tão baixa”. Os detalhes são preocupantes: “45% dos participantes ‘quase nunca’ acredita que os governos britânicos de qualquer partido colocam as necessidades da nação acima dos interesses de seus próprios partidos; 58% ‘quase nunca' acreditam que os políticos de qualquer partido no Reino Unido dizem a verdade quando se encontram em uma situação difícil; e 71% acreditam que a economia está pior por causa do Brexit, a principal política do governo conservador”.

O desafio para o Partido Trabalhista não é apenas governar bem, mas também restaurar a confiança ao fazê-lo. Se ele fracassar nas duas coisas, há uma boa chance de ele ser varrido do poder na próxima vez. Quando a confiança na política respeitável e na política convencional fracassa, uma grande parte do eleitorado abraça promessas de demagogos mentirosos. Ainda assim, os perigos desse tipo de política foram perfeitamente revelados no destino do último governo.

Assim, restringir o comércio com o vizinho mais próximo e o maior mercado do Reino Unido jamais poderia tê-lo tornado mais rico. Um estudo acadêmico interessante intitulado “Nivelando para cima ao nivelar para baixo” chega a três conclusões preocupantes: primeiro, as perdas gerais de produção devido ao Brexit (em relação a um cenário contrafactual sintético) são de pelo menos 5 pontos porcentuais do PIB; segundo, o Brexit reduziu a desigualdade regional, mas fez isso “nivelando por baixo” – ou seja, prejudicando – mais as regiões prósperas do que as menos prósperas; e, terceiro lugar, o apoio aos partidos populistas de direita aumentou nas regiões que experimentaram perdas de produção relacionadas ao Brexit. Assim, as perdas causadas pelas mentiras populistas podem beneficiar os políticos que as propõem.

No entanto, isso não ajudou os conservadores, porque eles não conseguem jogar a carta populista tão bem quanto Nigel Farage. Eles também precisam do apoio das pessoas que esperam que um partido no governo mostre decência, sobriedade, seriedade, credibilidade e competência.

Agora vem Starmer. A grande questão é se ele conseguirá restabelecer a confiança apresentando resultados, a única forma que provavelmente funcionará no longo prazo. Ele subiu ao poder não só devido aos fracassos evidentes do governo anterior, mas também devido ao desempenho excepcionalmente fraco da economia desde a crise financeira de 2007-2009, seguida pelas perdas causadas pelo Brexit, a pandemia e pela “crise do custo de vida”. Os conservadores não tiveram resposta para a primeira e foram brutalmente espancados pelas três últimas.

O desafio de Starmer, e o de sua ministra das Finanças, Rachel Reeves, é bem simples: ele prometeu melhorar as coisas, mudando muito pouco ao mesmo tempo. Essa cautela foi evidentemente excessiva e agora será muito mais difícil governar.

Um problema imediato causado por essa cautela surge do imperativo de melhorar os serviços públicos, especialmente o Serviço Nacional de Saúde (NHS) e o governo local. Como isso será possível em uma economia estagnada sem aumentar o endividamento ou arrecadar mais do que uma quantia insignificante em impostos extras? Sim, o Partido Trabalhista poderá ter sorte. Talvez o fim de todos os choques recentes e o aparecimento de um governo estável sejam suficientes para reativar o crescimento. Mas e se não forem?

Meu colega Robert Shrimsley disse que esta pode ser a última chance para o “centrismo” no Reino Unido. Por outro lado, poderá ser a última chance para qualquer governo que tente apresentar resultados, em vez de apenas canalizar a raiva. Este governo precisa então realmente entregar esses resultados.

Como afirma o ex-economista-chefe do Banco da Inglaterra Andy Haldane, eles terão que tomar algumas medias ousadas. Eu destacaria uma aproximação muito maior com a União Europeia, a liberalização radical do planejamento, a flexibilização das regulamentações, o apoio à inovação, a descentralização do poder, reforma tributária, fortalecimento do sistema previdenciário, promoção do aprendizado ao longo da vida, racionalização da imigração e melhoria da eficiência dos serviços públicos e da administração. Eles também terão que elevar os impostos, incluindo a reforma da tributação das terras e a substituição dos impostos sobre os combustíveis por um imposto sobre a emissão de gases do efeito estufa.

O problema é que nada disso será fácil e algumas partes foram descartadas antecipadamente. Mas quebrar promessas agravaria ainda mais a falta de confiança que eles herdaram. Esta é, então, a armadilha que os fracassos do passado e as promessas do Partido Trabalhista criaram. É de enorme importância que Starmer encontre uma saída para isso. (Tradução de Mário Zamarian)

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