sexta-feira, 12 de julho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Não se espera alta dos juros

Correio Braziliense

O detalhamento da inflação mostra, de forma clara, que os preços estão sob controle, numa tendência que é favorecida pela própria estabilidade econômica

No mês em que se comemora os 30 anos do Plano Real, como que em uma deferência, a inflação oficial divulgada recuou, com o índice ficando abaixo, inclusive, do que previa o mercado financeiro. É uma boa notícia, principalmente considerando que o índice de preços caiu de 0,46% em maio para 0,21% em junho, mas é como se estar em um carro olhando pelo retrovisor. Essa queda da inflação é pontual e, já no próximo mês, deve refletir a escalada do dólar e o reajuste dos combustíveis. A perspectiva de aumento da inflação em julho e no acumulado de 12 meses não deve ser, no entanto, motivo para que o Comitê de Política Monetária (Copom), do Banco Central (BC), decida por elevar a taxa básica de juros, hoje em 10,5%. 

Economistas e investidores chegaram a projetar um aumento da taxa, mas, observando os detalhes do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), divulgado esta semana pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), se nota uma acomodação em núcleos considerados mais resilientes à política monetária. Embora a inflação do primeiro semestre seja de 2,48% e, no acumulado de 12 meses, ela chegue a 4,23%, se aproximando do teto da meta para 2024  de 4,5% — 3% com 1,5 ponto percentual de tolerância para mais ou para menos —, não há motivos para o aumento dos juros na próxima reunião do Copom, em 30 e 31 de julho.

A explicação para a inconveniência de se elevar as taxas de juros vem do próprio argumento usado pelo BC, que observa os núcleos da inflação e os reajustes de preços dos serviços. Em junho, a média dos núcleos inflacionários ficou em 0,22%, desacelerando em relação ao 0,39% registrado em maio. Em 12 meses, houve uma leve aceleração de 3,55% para 3,57%, mas dentro da margem. Já a inflação dos serviços ficou estável em 0,04%. Esse resultado foi fortemente impactado pela redução de 9,88% no valor das passagens aéreas. Mas não apenas os bilhetes aéreos. Desconsiderando-os, há uma queda de 0,31%, em maio, para 0,22%, em junho, na inflação dos serviços. Com isso, em 12 meses, os reajustes de preços dos serviços retomaram o processo de desaceleração, ficando em 4,57%.

O detalhamento da inflação mostra, de forma clara, que os preços estão sob controle, numa tendência que é favorecida pela própria estabilidade econômica. Sem ruídos de comunicação (leia-se declarações fortes do presidente Lula contra o presidente do BC) e com o próprio Banco Central mostrando unidade, o cenário de incertezas se dissipa, levando a uma acomodação do câmbio em um patamar mais baixo, reduzindo a pressão sobre os preços internos. Para os próximos meses, a perspectiva é positiva para a redução da inflação.

Não se quer que haja condescendência da autoridade monetária com os preços, mas também é preciso ponderar que não há necessidade de um arrocho maior para conter futuros reajustes. Mesmo a alta dos combustíveis tende a ser neutralizada pela valorização do real frente ao dólar, que pode se acentuar com a perspectiva de corte nas taxas de juros dos Estados Unidos a partir de setembro. O que se espera é que possa haver ambiente para que, antes do fim do ano, o Copom retome o corte de juros.

Regulamentação da reforma tributária abre ciclo virtuoso

O Globo

Mas texto aprovado tem falhas, como isenção para carne e outros produtos, aumentando o imposto dos demais

reforma tributária promulgada em 2023 promete a maior transformação na economia brasileira desde o Plano Real. A Câmara deu mais um passo essencial nesta semana, ao aprovar o primeiro e principal pacote de regras para regulamentar o novo sistema de impostos. Ao votá-lo, os deputados demonstraram maturidade e senso de urgência.

As principais linhas da reforma foram decididas no ano passado, mas faltavam os detalhes. O relator da regulamentação, Reginaldo Lopes (PT-MG), fez bem em incluir no parecer final um mecanismo para manter os novos impostos sobre serviços e consumo sob um teto de 26,5%. Embora alta e de implementação incerta, a alíquota impõe um limite à concessão de benesses. Como o corte no imposto para um necessariamente implica alíquota mais alta para os demais, o teto obriga legisladores a fazer escolhas: se quiserem favorecer um setor, terão de mostrar de onde sairá o dinheiro, numa filosofia similar à da Lei de Responsabilidade Fiscal.

Também foi um acerto o reforço no sistema de devolução de impostos aos mais pobres, ou cashback. Por esse mecanismo, famílias de baixa renda inscritas no Cadastro Único do governo federal receberão descontos. Na versão aprovada, o imposto pago nas contas de luz, gás e água pelos mais pobres será ao menos em parte reembolsado.

Infelizmente, a aprovação da regulamentação mostrou quanto o Legislativo é suscetível a todo tipo de pressão. A reforma prevê um Imposto Seletivo, que incidirá sobre produção, importação, extração ou venda de produtos nocivos, prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente. No texto aprovado, a lista do “imposto do pecado” inclui cigarros, bebidas alcoólicas e açucaradas, carvão e carros — mas não armas de fogo e munições. Trata-se de um desatino.

A força dos lobbies ficou patente na negociação sobre os produtos da cesta básica. No fim da votação, os deputados decidiram incluir carnes, queijos e sal na lista de alíquota zero (estão nela arroz, café, feijão, açúcar, massas e farinha de mandioca). Outros produtos pagarão imposto reduzido. A ampliação de isenções e reduções beneficia os contemplados e contribui para aumentar a alíquota dos demais. Ao contrário do cashback, o subsídio à cesta básica, defendido com afinco por grandes varejistas, é injusto por beneficiar indiscriminadamente pobres e ricos. O governo deixa de arrecadar de quem poderia — e deveria — pagar.

Outro item que desafia a lógica é o entendimento sobre veículos. Faz sentido que automóveis sejam sobretaxados, como incentivo ao transporte público e à redução nas emissões de gases. Faltam, porém, evidências para justificar que o tratamento a carros elétricos e a combustão deva ser o mesmo. Mais difícil é explicar por que caminhões movidos a diesel foram excluídos do Imposto Seletivo.

Com todas as falhas, a regulamentação em prazo breve e em ano eleitoral merece ser celebrada. O texto agora segue para o Senado, onde se espera a mesma celeridade. Embora tenham prazos largos até entrarem plenamente em vigor, as mudanças marcam o fim do manicômio tributário brasileiro. Os consumidores saberão os impostos que pagam, os empreendedores perderão menos tempo para entender quanto devem ao governo, as disputas judiciais diminuirão, mais energia e dinheiro serão investidos em novos negócios e empregos. Um ciclo virtuoso se iniciará na economia.

Licitação da Secom faz reviver espectro da corrupção nas gestões petistas

O Globo

Vencedores de concorrência digital de quase R$ 200 milhões na pasta eram conhecidos antecipadamente

Diante dos indícios de irregularidade, fez bem o Tribunal de Contas da União (TCU) em mandar suspender a licitação de R$ 197,7 milhões aberta pela Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom) para gestão de redes sociais. A decisão foi tomada pelo plenário da Corte, seguindo voto do relator, ministro Aroldo Cedraz, depois de representação do Ministério Público.

O pregão, cujo objetivo era contratar quatro empresas para divulgação do governo Luiz Inácio Lula da Silva, chamou a atenção da área técnica do TCU depois que o site O Antagonista divulgou, de forma cifrada, informações sobre as empresas vencedoras um dia antes do anúncio oficial. No entendimento da Corte, se a subcomissão técnica conhecia antecipadamente a autoria de cada proposta, o fato constitui “irregularidade grave”, “resultando em possível direcionamento do certame e maculando todo o procedimento de licitação”.

O ex-secretário de Comunicação e atual ministro da Reconstrução do Rio Grande Sul, Paulo Pimenta, rechaça qualquer suspeita, diz que as denúncias são “infundadas” e argumenta que a Secom não foi ouvida. Mas o governo precisará explicar como é possível alguém saber antecipadamente os vencedores de uma licitação. Não se trata de um pregão qualquer, mas do maior já feito na área de comunicação digital da secretaria.

A suspensão da licitação na Secom acontece um mês depois de o governo anular um leilão para compra de 264 mil toneladas de arroz, sob pretexto de evitar a falta do produto e equilibrar os preços depois das enchentes no Rio Grande do Sul. Não bastasse a inutilidade do leilão — o próprio governo não parece empenhado em promover outro —, o resultado despertou estranheza, uma vez que as empresas vencedoras não tinham experiência no setor (uma delas era um loja de queijos) e estavam vinculadas ao então secretário de Política Agrícola, depois demitido. A situação era tão esdrúxula que nem o governo tentou defendê-la.

No caso da Secom, felizmente ainda não foram gastos recursos públicos, pois os indícios de irregularidades vieram à tona a tempo de impedir danos ao Erário. Mas isso não significa que o governo não precise dar explicações. Se houve tentativa de fraude para beneficiar quem quer que seja, ela deve ser apurada com rigor pelos órgãos competentes, para que os responsáveis sejam punidos caso fiquem comprovadas as suspeitas.

A corrupção é uma espécie de tabu nas gestões petistas. O partido, marcado por alguns dos maiores escândalos com verbas públicas da História do Brasil, nunca fez mea-culpa sobre o assunto. É como se não tivessem existido mensalão, petrolão e outras maracutaias. Pesquisa Quaest divulgada nesta semana mostrou que a corrupção é uma das maiores preocupações dos brasileiros, ao lado de temas como economia, segurança, assistência social, saúde e educação. O governo deveria aprimorar os mecanismos para impedir que essas histórias se repitam. A sociedade está de olho.

Regulamentação da reforma tributária tem avanços e desafios

Valor Econômico

Projeto não é perfeito, mas faz o país deixar para trás a pecha de ter o pior sistema tributário do mundo

Depois de a Câmara dos Deputados ter aprovado ontem a regulamentação da reforma tributária, falta muito pouco para concluir a fase legislativa daquela que é uma das maiores transformações da economia brasileira desde o Plano Real. A reforma deixa para trás a pecha de pior sistema tributário do mundo, expressa nas recorrentes últimas posições do Brasil nos rankings anuais do Banco Mundial sobre o tema. O projeto não é perfeito, mas traz avanços essenciais em relação à regressividade vigente, aos altos custos de cumprimento das obrigações, à imensa litigiosidade criada a partir do cipoal de regras mutantes e à injusta repartição da carga de impostos sobre todos os setores da economia. A tributação brasileira se aproximará da que existe nas economias avançadas e nas emergentes modernas.

A aprovação da regulamentação pelo Congresso foi acelerada, fora dos ritos usuais, pulando as comissões, e levadas diretamente a plenário. Essas condições tenderam a favorecer a ação dos lobbies, que em alguns casos conseguiram mudar a seu favor o desenho original. A principal discussão, que ganhou força pela defesa do presidente Lula de que a “carne que o povo consome” deveria fazer parte da cesta básica isenta de impostos, terminou com a inclusão de todas as proteínas animais, queijos, além de aveia, farinhas, óleo de milho, plantas e produtos de horticultura. O mesmo movimento levou à migração de produtos como salmão e atum da alíquota cheia para a com redução de 60%.

A lógica proposta pelo Ministério da Fazenda era correta. As carnes não entrariam na isenção da cesta básica, mas na lista de alíquota reduzida em 60%, já que são produtos consumidos também pelas classes de maior renda. Os mais pobres, inscritos no Cadastro Único, receberiam de volta parte do imposto pago. O benefício seria focado e mais eficaz. O cashback prevaleceu para gás de cozinha, no qual já era de 100% do imposto federal (CBS) e 20% do estadual/municipal (IBS) e para água, luz e esgoto, que de 50% subiu para 100%.

Mais migrações de categorias de taxação maior para menor ocorreram com os medicamentos. Os listados pela Anvisa e os feitos por farmácias de manipulação passaram a ter alíquota reduzida em 60%, enquanto absorventes foram incluídos na categoria isenta. Planos de saúde para pets terão alíquota reduzida em 30%. O texto aprovado criou ainda a categoria do nanoempreendedor, quem tem receita de até R$ 40,5 mil anuais, que não será contribuinte do IBS e CBS. Entraram também nove categorias de insumos agropecuários e aquícolas com impostos reduzidos em 60%.

O Imposto Seletivo, destinado a tributar produtos que causam danos à saúde ou ao ambiente, incluirá o carvão e carros elétricos, mas não caminhões de carga. Um dos graves erros da reforma foi deixar fora desse imposto as armas. Pior: a atual tributação sobre elas gira em torno de 55% e cairá para 26,5%, a alíquota de referência do IVA-Dual. Ainda no caso do imposto seletivo, a taxação de até 1% sobre extração de minérios, petróleo e gás foi reduzida a 0,25%.

Quanto maior o grupo de isenções e reduções maior será a alíquota. Cálculos preliminares do que os deputados aprovaram ontem indicam que o total da carga seria superior aos 26,5%. A inclusão de carnes na cesta básica pode elevar o padrão em 0,53% (Ministério da Fazenda) ou 0,57% (Banco Mundial). A redução de impostos de medicamentos e do setor imobiliário pode aumentar em mais 0,5% a conta. A alíquota de referência passaria então de 27%, a mais alta do mundo, praticada pela Hungria.

Os deputados aprovaram uma trava para que a alíquota de referência não ultrapasse 26,5% e que passaria a valer em 2033. Para isso, até março de 2031 um projeto de lei complementar deveria ser enviado pelo Executivo apresentando correções de alíquotas para produtos e setores. Pelas declarações do presidente da Câmara, Arthur Lira, a calibragem se dará depois, e não agora. Isso teria desobrigado os deputados do trabalho responsável de apontar em quais setores ou produtos as alíquotas deveriam ser reduzidas para que outras fossem aumentadas e se respeitasse a alíquota de referência original.

Ou seja, como a reforma será iniciada em 2026, com os tributos federais, e de 2027 a 2033 para o IBS, ela começaria com uma carga maior. A tarefa de zelar pelo não aumento da carga foi dada ao Executivo, que terá também de, a cada cinco anos, verificar se as desonerações de impostos cumpriram seus objetivos e se a relação custo-benefício da isenção se mostrou adequada.

Esse é um desafio. A trava colocada pela Câmara e a revisão das isenções são compromissos importantes para impedir no futuro que governos abusem de aumento da arrecadação para resolver problemas eventuais. Mas seria importante que o Senado fizesse as modificações necessárias para reequilibrar a alíquota de referência para que ela saísse do Congresso e a reforma tributária começasse a ser implantada com o nível consensuado. Ainda assim, a existência de mecanismos de correção de rota obrigatórios, e a possível criação pelo Senado de ajustes com menor periodicidade, permitirá que o objetivo de manutenção da carga tributária não seja desvirtuado.

Demagogia prejudica a reforma dos impostos

Folha de S. Paulo

Ampliar a lista de produtos livres de tributos, como fizeram deputados, é política falha que implica custos à sociedade

Sempre se soube que a reforma dos impostos não seria a ideal, mas a politicamente possível em meio a pressões de setores poderosos e influentes para manter ou obter privilégios. Assim se deve avaliar o primeiro passo da regulamentação do novo sistema tributário brasileiro, dado na quarta-feira (10) pela Câmara dos Deputados.

Concessões são inevitáveis para reunir apoios e permitir que o projeto, complexo, avance. O mais importante é viabilizar a implantação gradual de um sistema que ao menos não seja tão caótico e disfuncional quanto o de hoje.

Isso dito, é preciso apontar o desserviço prestado por forças políticas à direita e à esquerda que não se constrangem em prejudicar uma reforma fundamental para a economia do país por oportunismo e demagogia rasteira.

Assim se deu com a definição dos produtos que vão compor uma cesta básica nacional e escapar da cobrança de CBS, federal, e IBS, regional —os dois tributos similares sobre bens e serviços que, ao lado de um imposto seletivo sobre produtos prejudiciais à saúde e ao ambiente, substituirão os atuais PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS.

Em negociações de última hora, foram incluídos na lista carnes, peixes, queijos e sal. Depois, parlamentares oposicionistas e situacionistas brigaram pela paternidade da alteração —contra a qual se opôs silenciosa e solitariamente a área técnica do governo.

A alíquota zero é uma política social sabidamente falha, por beneficiar indistintamente ricos e pobres à custa de perdas para o erário. Uma opção mais eficiente, disponível na reforma, é tributar e devolver os valores pagos por cidadãos de baixa renda.

Políticos, no entanto, preferem posar de grandes benfeitores do povo ao livrarem de impostos este ou aquele artigo —e em geral estão favorecendo, na verdade, os empresários produtores.

Como o deficitário Estado brasileiro não pode se dar ao luxo de abrir mão de arrecadação, o corte de impostos sobre um bem ou serviço resultará em alíquotas mais elevadas sobre os demais. A Câmara fixou um teto de 26,5% para a taxação conjunta de CBS e IBS, mas isso não garante que as contas vão fechar no futuro.

Um dos objetivos centrais da reforma tributária é justamente acabar com o labirinto de regras privilegiadas e regimes especiais com os quais diversos setores e atividades escapam de impostos em detrimento do conjunto da sociedade.

Que o Senado seja convencido a resistir às tentações demagógicas e reveja as falhas da regulamentação, que não se limitam à cesta básica. No mínimo, é necessário calcular e expor o custo das falsas bondades de legisladores e governantes.

Gambiarra na educação

Folha de S. Paulo

Uso de temporários dispara no ensino básico, possivelmente para contornar custos

Mudanças demográficas na sociedade brasileira, Orçamento público engessado e regras obsoletas do funcionalismo possivelmente estão por trás da queda na contratação de professores efetivos para a rede pública de ensino e do aumento do número de temporários.

Diagnósticos realizados pela ONG Todos pela Educação e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), divulgados recentemente, revelam o fenômeno, que ainda precisa ser mais bem estudado para que sejam verificados impactos e desenvolvidas soluções.

]Segundo a ONG, de 2013 a 2023, a parcela de docentes temporários nas redes estaduais se tornou majoritária, passando de 31,1% a 51,6%. Nas redes municipais, ainda são minoria de 34%, mas seu número aumentou 47% a partir de 2020.

Como noticiou a Folha, o relatório do BID mostra que 63% das cidades do país não realizam concurso público para contratar professores há mais de cinco anos. Algumas delas já contam mais de 20 anos sem certames do tipo.

Temporários deveriam ser opções para situações específicas e momentâneas, já que os contratos têm duração de dois anos. Mas a pesquisa da ONG mostra que 43,6% deles atuam há ao menos 11 anos.

Se preocupa pelo risco de comprometer a qualidade já precária do ensino básico nacional, o fenômeno parece indicar uma tentativa de reduzir gastos permanentes por parte de estados e municípios.

O déficit dos sistemas previdenciários dos servidores públicos, agravado pelo envelhecimento da população, e os Orçamentos engessados tendem a dificultar a contratação de efetivos. O enfrentamento do problema, portanto, deve passar por reformas administrativas.

Cumpre rever regras e práticas arcaicas, como a estabilidade no emprego de alcance excessivo e a falta de avaliações de produtividade.

Por óbvio, a profissão docente exige valorização e bons salários; no mundo desenvolvido, isso é norma. Para isso, contudo, governos nas três esferas precisam modernizar suas gestões e racionalizar o gasto público —o que necessariamente envolve mudanças que encontram forte oposição em setores corporativistas.

O gosto amargo da reforma

O Estado de S. Paulo

A reforma tributária é um avanço, sobretudo quando comparada ao sistema atual, mas a Câmara desperdiçou a melhor chance dos últimos anos de tornar o sistema mais justo e menos regressivo

A Câmara dos Deputados aprovou o primeiro projeto de lei que regulamenta a reforma tributária nesta semana. Proteladas há décadas, a modernização e a simplificação da tributação, com a transparência dos incentivos, a não cumulatividade, a migração da incidência dos impostos da origem para o destino e o fim da deletéria guerra fiscal entre os Estados, eram mudanças urgentes e necessárias, méritos que já foram reconhecidos por este jornal.

Contudo, a Câmara desperdiçou a melhor chance dos últimos anos de tornar o sistema tributário mais justo e menos regressivo. Oportunidades como essas são raras, mas expõem de maneira cristalina as razões pelas quais o País é um dos campeões mundiais em matéria de desigualdade social e de baixa produtividade. Não é por um acidente de destino.

Debates rasos, expeditos e fechados marcaram muitas das discussões da reforma, especialmente a principal delas: a desoneração da cesta básica. Trata-se de uma medida cara, sem foco e pouco efetiva para a redução da pobreza, o oposto do que preconizam os melhores especialistas em políticas públicas.

Manter as proteínas entre os produtos com alíquota reduzida em 60% e que ensejariam a devolução de impostos às famílias inscritas no Cadastro Único era a escolha mais racional e equilibrada, tanto para o público atendido pelos programas sociais do governo quanto para a saúde das contas públicas.

À primeira vista, a medida poderia ser considerada impopular, mas havia pesos-pesados da política nacional dispostos a arcar com o ônus de uma decisão tecnicamente correta. Ainda assim, carnes, frango, peixes e queijos de todo o tipo foram incluídos entre os itens que terão alíquota zero para todos os brasileiros, independentemente da renda, por 477 votos a 3.

Governo e oposição disputam a autoria por uma medida na qual quem venceu foi o populismo suprapartidário e supraideológico. Quem perdeu foi o País, especialmente as famílias mais vulneráveis, cujo reduzido poder de compra foi instrumentalizado em nome de outros interesses.

Cada escolha é uma renúncia, e esta terá uma consequência incontestável: a elevação da alíquota padrão do futuro Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que, tudo indica, será a mais alta entre os países que utilizam esse sistema tributário, à frente de muitos países ricos conhecidos por serviços públicos universais e de qualidade.

Cálculos do Ministério da Fazenda apontavam que a alíquota média do IVA seria de 26,5%, e que esse porcentual subiria 0,53 ponto porcentual caso as proteínas ficassem livres de impostos. Como essa e muitas outras distorções receberam amplo apoio dos deputados, o IVA médio será de 27,2% e, no limite, poderá atingir até 27,4%, segundo estimativas do economista e tributarista Eduardo Fleury.

Como contrapartida à inclusão das proteínas, a Câmara adicionou no texto uma suposta trava para impedir que a alíquota padrão ultrapasse os 26,5%. Esse dispositivo teria dado conforto aos parlamentares para relaxar e aceitar as diversas exceções.

Conforme a regra da tal trava, se a alíquota passar do teto será preciso cortar algum benefício a partir de 2033, quando a reforma entrará plenamente em vigor. Ora, os deputados podem ser chamados de tudo, menos de ingênuos: não há garantia nenhuma de que esse limite será respeitado ou de que haverá qualquer punição caso não seja. A desmoralização do teto de gastos e do arcabouço fiscal deveria bastar como prova disso. Além do mais, a atual carga tributária, já bastante elevada, já não é suficiente para cobrir todas as despesas há mais de dez anos.

A tendência é a de que esse desequilíbrio fiscal se acentue no futuro. Sem reformas que revejam os gastos, não haverá alternativa que não passe pelo aumento de impostos – medida que acentuará tanto a falta de competitividade do País quanto a péssima percepção sobre a qualidade dos serviços públicos.

Que fique claro: a reforma tributária é fundamentalmente boa, sobretudo quando comparada ao manicômio que ela substituirá, mas poderia ter sido melhor. A Câmara dos Deputados, que deveria representar o povo, lamentavelmente mostrou não estar à altura desse debate. Que o Senado tenha a coragem de enfrentá-lo.

Um ensino médio melhor

O Estado de S. Paulo

A aprovação da nova reforma da etapa mais complexa da vida escolar é fruto de uma bem-sucedida negociação técnica e política, mas agora o desafio é implementá-la sem os erros anteriores

Difícil imaginar um desfecho mais satisfatório do que a aprovação, antes do recesso parlamentar, da nova reforma do ensino médio. O texto aprovado em votação simbólica na Câmara, que agora irá à sanção presidencial, retomou parâmetros amplamente discutidos e acordados em março entre deputados, secretários de Educação e o Ministério da Educação (MEC), incorporou algumas das mudanças introduzidas por senadores na tramitação no Senado, preservou o mérito de manter a essência da reforma de 2017 e, o mais importante, corrigiu muitos dos problemas que havia na formulação inicial. Foi um esforço notável de todos os envolvidos – MEC, Câmara, Senado, gestores educacionais e especialistas da sociedade civil – em torno de uma necessária convergência técnica e política. Como sintetizou o diretor-executivo do Todos Pela Educação, Olavo Nogueira Filho, em artigo no Estadão, uma vez sancionada a lei o Brasil terá uma reforma do ensino médio “substancialmente melhor do que a original”.

Apesar das cassandras que pregavam a revogação completa, o texto mantém o princípio da reforma iniciada no governo de Michel Temer: ampliação da carga horária nesta que é a etapa mais complexa da vida escolar; flexibilidade curricular, com a divisão entre formação geral básica (com disciplinas como Matemática) e a parte flexível, os chamados itinerários formativos; e a articulação do ensino regular com a educação profissional. Serão 2.400 horas de carga horária para a formação básica (que fora excessivamente reduzida para 1.800 horas) e 600 horas para disciplinas que os estudantes podem escolher a fim de aprofundar estudos em áreas específicas. Nos casos em que o ensino médio for feito em curso técnico, a formação básica poderá ser menor. O relator do projeto e um dos principais artífices da reforma de 2017, deputado Mendonça Filho (União-PE), manteve a obrigatoriedade aos Estados de ter, em cada um dos seus municípios, pelo menos uma escola da rede pública com oferta de ensino médio regular no período noturno, quando houver demanda. E descartou a inclusão do espanhol como língua obrigatória.

Está longe de ser trivial uma reforma educacional que combine celeridade, qualidade técnica e conciliação política, com o devido consenso sobre a natureza da reforma, concebida para modernizar a etapa e torná-la mais atrativa. Para alguns pode parecer contraditório referir-se à celeridade para uma reforma aprovada sete anos depois de iniciada. Neste caso, porém, o elogio se justifica. Afinal, os estudantes do ensino médio pagaram o preço pelos efeitos da pandemia de covid-19 e porque o MEC do ex-presidente Jair Bolsonaro tinha outras prioridades. Com isso, os planos de implementação da reforma de 2017 não foram revistos, e o Brasil assistiu ao atraso e a uma infinidade de problemas de estrutura nas escolas, de falta de capacitação de professores e implementação apressada e questionável das mudanças curriculares.

Se havia falhas no desenho, houve mais falhas ainda na implementação – razões pelas quais o MEC de Camilo Santana iniciou um processo de alteração. A correção de rumos, esta sim, se deu de maneira razoavelmente rápida e eficaz. Também cumpriu todos os trâmites de escuta, diálogo e negociação, o que neutraliza a grita de grupos radicais, que já se apressaram a anunciar novamente que trabalharão por um novo projeto. Um evidente delírio, que só causará prejuízos aos estudantes que dizem defender.

É o momento de olhar para o futuro imediato, pois, apesar do avanço até aqui, há muito a fazer após a sanção presidencial. Não é demais lembrar que a reforma de 2017 foi obliterada em grande parte pelos equívocos de implementação. Tal erro não pode se repetir. Vencida a batalha da negociação técnica e política no Congresso, ainda serão necessários ajustes operacionais e regulamentações estaduais, o que requer tempo e cuidado.

Especialistas e gestores estão confiantes de que é possível iniciar as mudanças em 2025, beneficiando quase 8 milhões de alunos, deixando outras para 2026. Disso depende converter uma reforma profunda em realidade efetivamente capaz de mudar o modorrento modelo que hoje afugenta muitos jovens do ensino médio.

Gastança com bancos públicos

O Estado de S. Paulo

Desenvolvimentismo lulopetista estimula empréstimos a municípios e, de novo, ignora riscos

A volta da política econômica desenvolvimentista ameaça, além das contas da União, os caixas dos municípios Brasil afora. Com o ímpeto do presidente Lula da Silva de promover o crescimento econômico com o estímulo do Estado, bancos públicos seguem sua cartilha e abrem os cofres para financiar projetos de infraestrutura de prefeituras. Em outras palavras, vêm aí mais gastança e endividamento.

Os municípios, hoje, podem arcar com seus investimentos por meio de recursos próprios e transferências constitucionais, transferências de capital dos demais níveis de governo e por meio de operações de crédito. Após receber repasses federais durante a pandemia na gestão Jair Bolsonaro e apresentar saldo positivo de R$ 45,7 bilhões em agosto de 2022, as prefeituras atualmente registram rombo de quase R$ 15 bilhões. A bonança, que garantiu, por exemplo, aumento para o funcionalismo, chegou ao fim rapidamente.

Com o orçamento cada vez mais espremido por despesas obrigatórias, os empréstimos viram a alternativa para bancar obras. Sem recursos, pululam manobras para driblar a responsabilidade fiscal. E é aqui que entram os bancos públicos, bem ao gosto do lulopetismo – ao menos, é o que se viu no primeiro ano do atual governo.

Em 2023, os financiamentos dos bancos públicos e das agências de fomento a municípios bateram recorde e somaram R$ 16,1 bilhões, como mostrou o Estadão. O montante representa alta de 42,4% em relação a 2022, quando chegaram a R$ 11,3 bilhões. A locomotiva – que pode ficar desgovernada – é a Caixa Econômica Federal, que firmou, no ano passado, contratos no valor total de R$ 10,6 bilhões, ou 66% do total.

Os dados são da Associação Brasileira de Desenvolvimento (ABDE). O petista Celso Pansera, presidente da entidade e da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), disse que o crescimento dos empréstimos é decorrência de “uma estratégia do governo Lula de voltar a atuar mais claramente estimulando a economia”.

Segundo Pansera, “sempre existe” o risco de inadimplência, mas, para ele, os municípios estão com capacidade de se endividar. A ABDE não soube precisar o porcentual de empréstimos com aval da União e lembrou que há outros tipos de garantia, como a transferência de ICMS, pelos Estados, e o Fundo de Participação dos Municípios (FPM), abastecido pela União.

Apesar do otimismo lulopetista, os empréstimos pedem, no mínimo, cautela. Como lembrou de forma oportuna a diretora da Instituição Fiscal Independente (IFI), Vilma Pinto, após o governo de Dilma Rousseff passar a dar aval a Estados e municípios, em 2011 e 2012, houve “aumento brutal” nas operações de crédito sob a justificativa de que não havia inadimplência. Com a crise econômica, logo depois, vieram calotes.

A história recente mostra que uma bomba-relógio pode estar sendo armada, com o apoio daqueles que perseveram em erros. O risco e a fatura ficarão para os próximos prefeitos que sairão das urnas e, claro, para a sociedade.

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