domingo, 14 de julho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Renegociação de dívidas estaduais exige transparência

O Globo

Projeto de Pacheco se baseia em ideia sensata, mas não pode ser usado como biombo para esconder calote

A iniciativa do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), de apresentar um Projeto de Lei Complementar com regras para a renegociação das dívidas de estados com a União tem o mérito de colocar o Congresso num debate essencial: como tornar sustentáveis as finanças dos entes federativos. Desde os anos 1990, diversos programas foram adotados para que, no longo prazo, as dívidas estaduais deixassem de ser um problema. Nenhum funcionou. Estados endividados se queixam — não sem razão — de que os critérios do Regime de Recuperação Fiscal (RRF) em vigor desde 2017 as tornaram impagáveis.

Em dezembro passado os estados deviam R$ 852 bilhões. São Paulo (R$ 304 bilhões), Rio de Janeiro (R$ 194 bilhões), Minas Gerais (R$ 157 bilhões) e Rio Grande do Sul (R$ 127 bilhões) respondiam por mais de 90% do total. Quatro estados aderiram ao RRF: Rio, Rio Grande do Sul, Goiás (dívida de R$ 22 bilhões) e Minas. Em troca de medidas para aumento de receitas e corte de despesas, eles usufruem moratórias temporárias e financiamentos com garantias da União. Nem sempre as contrapartidas têm sido honradas. O Rio, que tem a pior relação entre dívida e receita (portanto, a pior capacidade de pagamento), entrou recentemente com ação no Supremo Tribunal Federal alegando ser impossível cumpri-las. O Rio Grande do Sul passou a se beneficiar de uma moratória de três anos em razão da tragédia climática recente.

A proposta de Pacheco se sustenta numa ideia sensata: o abatimento de dívidas por meio da entrega de empresas e outros ativos estaduais ao governo federal. Nada mais lógico do que se desfazer de bens para reduzir endividamento — é o que costumam fazer cidadãos e empresas em apuros. Mas tudo fica mais complexo quando se consideram os interesses políticos que cercam a questão. Deputados, senadores e governadores estão interessados em se beneficiar da maior rodada de renegociação de dívidas estaduais desde o fim dos anos 1990. Pacheco, em particular, tenta se cacifar para concorrer em 2026 ao governo de Minas, um dos estados beneficiados pelo projeto.

Sua proposta estabelece relação entre as condições cumpridas pelos estados e o alívio nas condições de pagamento das dívidas, hoje sujeitas a juros de 4% além da correção monetária. Dependendo das contrapartidas, os juros poderiam ser até zerados. Se o estado entregar à União ativos avaliados em 10% da dívida, caem um ponto percentual; se entregar 20%, dois pontos; se investir os recursos em educação, infraestrutura ou segurança, ganha direito a mais um ponto; e pode alocar mais outro ponto percentual num Fundo Nacional de Equalização de Investimentos, destinado a todos os estados. Obviamente o plano incomoda governadores de estados com finanças equilibradas, que se julgam punidos pela gestão responsável do dinheiro público. É duvidoso que se satisfaçam apenas com os recursos do fundo comum.

Um ponto central na engenharia financeira são os critérios de avaliação dos bens usados para reduzir o endividamento. Teme-se que a União e, por tabela, todos os contribuintes recebam ativos estaduais superavaliados. Cabe questionar: por que os próprios estados não vendem suas empresas e outros bens no mercado para pagar as dívidas? Sem transparência e critérios de mercado, o projeto de Pacheco não passará de um biombo sofisticado para esconder o mais simplório calote.

É urgente SUS fornecer novas drogas contra câncer de mama

O Globo

Tratamento para tumor mais comum entre mulheres foi aprovado há quase dois anos, mas não está disponível

É injustificável a demora do Ministério da Saúde para levar ao sistema público medicamentos para tratamento do câncer de mama aprovados há quase dois anos pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec) do SUS. Com o atraso, resta às pacientes recorrer à Justiça, num caminho penoso — a entrega pode demorar até seis meses — e cruel.

O câncer de mama é o que mais acomete as brasileiras. Serão registrados, segundo o Instituto Nacional do Câncer (Inca), perto de 74 mil novos casos no Brasil neste ano. Uma paciente que descobriu a doença em 2018, já em estado avançado, contou ao GLOBO que, mesmo recorrendo à Justiça, ainda teve de esperar cinco meses para receber o medicamento. “Eu não estava esperando uma roupa ou algo do tipo, era minha vida que eu aguardava”, disse.

Não deveria ser tão complicado, uma vez que já há decisão a respeito. Depois de consulta pública, foi aprovado em abril um protocolo que garante a distribuição dos medicamentos no SUS, mas a pasta ainda não publicou o documento no Diário Oficial da União. Está prevista a incorporação de dois tipos de medicamento: inibidores de ciclina, aprovados pela Conitec em dezembro de 2021, e o trastuzumabe entansina, chancelado em setembro de 2022. Por lei, os remédios devem ser incorporados em até 180 dias, com 90 dias de prorrogação, prazos que já foram desrespeitados.

Os medicamentos, considerados de primeira linha, são procurados por oferecer melhores resultados com menos efeitos colaterais. A oncologista Tatiana Strava, do Hospital Sírio-Libanês, especialista em câncer de mama, afirma que aumentam a expectativa e a qualidade de vida das pacientes.

O Ministério da Saúde alega que o protocolo sobre câncer de mama está em fase final e deverá ser publicado nas próximas semanas. Argumenta que a aprovação da Conitec aconteceu no governo anterior sem previsão de gastos e que alguns medicamentos estão em falta. É verdade que o problema foi herdado e que a falta de recursos no orçamento não é irrelevante. Mas a boa gestão pública está justamente em alocar as verbas onde são necessárias. Não faltam rubricas do Orçamento para cortar, de modo a liberar o dinheiro para drogas contra o câncer. A atual equipe assumiu há um ano e meio, tempo suficiente para corrigir os problemas. Não dá para culpar os antecessores por mazelas atuais. É preciso resolvê-las.

O serviço público tem normas rígidas, mas há casos que demandam agilidade. A vacinação contra a Covid-19, em 2021, num governo que pregava contra as vacinas, começou imediatamente após a Anvisa dar sinal verde para a aplicação das doses. Não se pode perder tempo quando há vidas em jogo. Oferecer no SUS remédios que aumentam a sobrevida de pacientes com câncer de mama deveria ser prioridade. A burocracia estatal sempre pode esperar.

Repúdio a imigrantes reflete desinformação

Folha de S. Paulo

Rechaço à entrada de estrangeiros, usado pela ultradireita na Europa e nos EUA, ignora a importância deles para economia

Em eleições na Europa e nos Estados Unidos, o tema da imigração têm tido papel central. No velho continente, muitos dos partidos de ultradireita atenuaram discursos em relação a outras bandeiras, como rejeição à União Europeiaaborto e questões de gênero, para privilegiar o ataque à imigração.

Foram bem nas votações para o Parlamento Europeu e, em alguns países, assumiram o governo (Itália e Holanda) ou participam de coalizões governistas (Finlândia e Suécia). Mesmo onde acabaram não chegando ao poder, como na França, eles vêm se fortalecendo em pleitos nacionais.

Nos EUA, onde o Partido Republicano ainda insiste em temas como o aborto, a questão que mais toca os eleitores é a imigração.

A Folha mostrou que, pela primeira vez, a maioria dos americanos diz apoiar a construção de um muro na fronteira com o México. Cresce o número dos que afirmam que imigrantes são mais propensos a cometer crimes —tese que não encontra amparo nos registros policiais. E até imigrantes se dizem dispostos a votar em Donald Trump para controlar a imigração.

O caso ganha ares de paradoxo porque a imigração é a resposta mais óbvia para o problema da baixa natalidade que afeta boa parte do mundo desenvolvido.

A taxa média de fecundidade dos países da OCDE caiu de 3,3 filhos por mulher em 1960 para 1,5 em 2022. Para manter a população estável, o ideal seriam 2,1 filhos.

Tal fenômeno, se pode ser considerado boa notícia para o meio ambiente, gera impactos na previdência. É preciso que haja mais trabalhadores na ativa do que aposentados para que o sistema de seguridade social não colapse.

O modo mais rápido e menos custoso de ao menos atenuar o gargalo previdenciário é importar mão de obra —justamente o que cidadãos dos países ricos parecem cada vez mais rejeitar.

Há, de fato, alguns aspectos problemáticos nessa estratégia. A chegada de muitos estrangeiros, ainda que economicamente positiva, tende a diminuir a coesão social; em alguns casos, pode até haver aumento da violência.

E é claro que, se grandes contingentes se opõem à imigração, ainda que sem muita base factual, a imigração torna-se um problema real nos regimes democráticos.

É necessário convencer o eleitorado a respeito de como a chegada de trabalhadores estrangeiros pode ser benéfica para a economia. Não é tarefa simples, obviamente.

Se já é difícil educar a população em temas carregados por vieses, como a imigração, a tarefa se torna quase impossível quando políticos extremistas exploram despudoradamente esses preconceitos para chegarem ao poder.

Alívio americano

Folha de S. Paulo

Queda da inflação nos EUA eleva chance de superar tensão aqui, se Lula colaborar

Os juros no Brasil dependem em boa parte das taxas dos EUA, que por sua vez dependem das perspectivas para a inflação lá. Na semana que passou, soube-se que os preços para o consumidor americano avançaram menos que o esperado, e o índice caiu para 3% ao ano.

Além do mais, o presidente do banco central dos Estados Unidos, Jerome Powell, disse ao Congresso que o mercado de trabalho do país está menos aquecido.

Haveria indícios, portanto, de que a inflação tende a se aproximar da meta de 2% anuais. Com isso, intensificou-se o debate sobre a possibilidade de o Fed começar a cortar sua taxa básica a partir de setembro. Na reunião do final deste julho, ou mesmo antes, o BC americano já poderia dar sinais de que planeja aliviar as condições financeiras.

Trata-se de uma mudança em relação às expectativas negativas firmadas a partir de março, quando a percepção de subida de preços mais duradoura nos EUA provocou alta do dólar e dificuldades para o afrouxamento da política monetária no mundo e no Brasil.

Aqui a situação se agravou com a mudança da meta fiscal em abril, com o voto dividido do BC em maio e com os reiterados ataques de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) aos juros e às propostas de contenção de despesas de seu governo.

A nova posição da biruta inflacionária americana pode vir a trazer alívio ao Brasil. Para aproveitar o vento eventualmente favorável, é preciso que Lula reposicione o barco da política fiscal.

No final deste julho, o governo apresentará sua revisão bimestral de receitas e despesas para o ano. Também aí deve anunciar as providências para cumprir a meta de saldo primário e o limite de crescimento de gastos. Dada a situação das contas públicas, será necessário bloquear despesas.

Caso o governo aja de modo a dirimir as dúvidas a respeito do seu compromisso fiscal, recuperará parte do crédito. Em agosto, com o envio ao Congresso do projeto de Orçamento de 2025, tal mensagem poderia ser reforçada. É possível que seja uma grande oportunidade para se deixar para trás a crise financeira de junho.

Unidos na indecência

O Estado de S. Paulo

O PT de Lula e o PL de Bolsonaro brigam por quase tudo. Mas, quando se trata de se livrar de multas eleitorais, os dois partidos dão as mãos e ajudam a aprovar mais uma obscena anistia

A toque de caixa e por ampla maioria, a Câmara dos Deputados aprovou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que perdoa as multas impostas aos partidos políticos pelo descumprimento das cotas de repasse do fundo eleitoral a candidaturas de negros e mulheres. Não se trata de um valor trivial. As multas aplicadas pela Justiça Eleitoral entre 2018 e 2023 foram estimadas em R$ 23 bilhões, mas o valor pode ser ainda maior.

O presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), até fez uma mise-en-scène ao não votar a PEC na semana passada. Não havia acordo com o Senado, e o PT havia manifestado discordância sobre alguns pontos do texto. Lira não queria que o ônus da proposta recaísse apenas sobre os deputados e disse que o texto só seria pautado quando houvesse apoio de todos os partidos e da Casa ao lado.

Não se sabe exatamente o que ocorreu nos últimos dias, mas o fato é que o cenário, aparentemente, mudou da água para o vinho. Logo após a aprovação do primeiro projeto de lei que regulamenta a reforma tributária, a tramitação da PEC ganhou velocidade e quase unanimidade.

Pudera. Nada menos que 29 partidos podem ser beneficiados pelo texto, capaz de gerar uma trégua na perniciosa polarização que domina praticamente todas as discussões legislativas, inclusive a própria reforma tributária.

Para facilitar esse tipo de acordo suprapartidário, nada como a proximidade do início do recesso legislativo. Ansiosos por se dedicar às disputas eleitorais em seus municípios no segundo semestre, os deputados apresentam uma produtividade sem igual.

A admissibilidade da PEC havia sido aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) no ano passado, mas o parecer final jamais chegou a ser votado pela comissão especial criada justamente para discutir seus termos com profundidade. Mero detalhe, a ser ignorado quando convém à maioria.

Assim, Lira aproveitou para submetê-la diretamente ao plenário na quinta-feira, e a PEC foi aprovada por 344 votos a 89, em primeiro turno, e por 338 a 82, no segundo turno. Agora, o texto precisa do apoio de ao menos 49 dos 81 senadores para ser promulgado.

Com a PEC, penalidades aplicadas na eleição passada serão perdoadas. A Câmara inovou e criou um “Refis” para os partidos, permitindo que dívidas mais antigas possam ser pagas em até 15 anos, sem cobrança de juros, e as obrigações previdenciárias, em até cinco anos.

Os repasses de verba dos fundos partidário e eleitoral não apenas serão mantidos, como poderão ser usados para pagar esses débitos, inclusive os aplicados pelo uso de recursos de “origem não identificada”, vulgo caixa dois. Não é só isso. A exemplo de igrejas, partidos e federações passam a ter imunidade tributária, e sanções em fase de execução ou já transitadas em julgado serão anuladas.

Para garantir que o montante de multas não volte a crescer, a PEC facilita a vida dos partidos que descumprem a determinação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de alocar a verba eleitoral e tempo de propaganda eleitoral gratuita de forma proporcional entre candidatos brancos e negros.

Candidaturas de negros receberão 30% dos recursos dos fundos, mas um único candidato ou região poderá receber toda a verba. Não há qualquer garantia de que essa cota será mantida no futuro, mas quem descumpriu a norma em 2020 e 2022 poderá se livrar da punição se compensá-la nas próximas quatro disputas eleitorais.

Solenemente ignoradas, mais de 30 entidades manifestaram repúdio ao teor da PEC em nota e a classificaram como uma “inaceitável irresponsabilidade”. À exceção do PSOL e do Novo, a maioria dos integrantes das siglas, do PT ao PL, deu aval a essa farra que estimula o caráter perdulário do uso dos recursos dos fundos que, é sempre importante destacar, têm origem pública e ocupam espaço que poderia ser destinado a qualquer outra política pública.

Trata-se da quarta anistia concedida pelos partidos a si mesmos, mais um episódio a reforçar a necessidade de acabar com o indecente financiamento público para forçar as siglas e suas lideranças a trabalhar, conquistar apoiadores e se sustentar por conta própria.

Mais um conto chinês

O Estado de S. Paulo

Prometida fábrica da Shein no Nordeste não sai do papel, um malogro que apenas confirma que o alto custo do investimento no Brasil, que castiga produtores nacionais, não interessa à China

O acordo que uniria Coteminas e Shein num investimento milionário no Nordeste, que prometia criar milhares de empregos e fabricar no País 85% dos produtos vendidos aos consumidores brasileiros pela chinesa, fracassou. Exigências da Shein consideradas inviáveis pelos fornecedores nacionais deixaram claro que o empreendimento não vai ocorrer, como mostrou reportagem do jornal Valor. Não é de admirar. Surpresa seria a gigante da moda barata, que se tornou um dos aplicativos de vendas online mais acessados no Brasil, adaptar-se aos custos e deficiências logísticas e de infraestrutura que os produtores nacionais têm de enfrentar.

O interesse de empresas chinesas pelo mercado consumidor brasileiro não é novo, e teoricamente a abertura de unidades físicas no País tenderia a facilitar negócios e vendas. Além da lógica comercial, há o alinhamento automático entre os governos petistas e a China, fruto da ilusão de que os chineses proverão ao Brasil os investimentos necessários para que o País se torne independente do “imperialismo norte-americano” e do malvado “Ocidente”. Num seminário recente promovido pelo PT e pelo Partido Comunista Chinês, a presidente petista, Gleisi Hoffmann, leu uma carta de Lula da Silva rasgando elogios “ao camarada Xi Jinping”.

Ocorre que a visão tacanha de Lula, Gleisi e da companheirada do PT os impede de enxergar que no mundo dos negócios decisões são ditadas por lucro e rentabilidade, o que vale tanto para a economia liberal dos Estados Unidos quanto para o “capitalismo de Estado” da China. O custo Brasil não é uma abstração, mas um indicador real da dificuldade de produzir e vender em território nacional. Cálculo do próprio governo, feito pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (Mdic) no ano passado, indica que esse custo adicional chega a R$ 1,7 trilhão, o que equivale a quase 20% do Produto Interno Bruto.

O valor se refere ao quanto é gasto a mais pelos empreendedores no Brasil em comparação à média dos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), da qual a China faz parte apenas como observadora, assim como o Brasil. Se integrasse a OCDE, é provável que a China puxasse a média para baixo, a julgar por seu custo de mão de obra e logística, que tem atraído ao território chinês grandes fabricantes dos mais diversos países.

O caso da Shein não é o primeiro conto chinês que um governo petista protagoniza. Em 2011, na inolvidável Presidência de Dilma Rousseff, o então ministro de Ciência e Tecnologia, Aloizio Mercadante, atual presidente do BNDES, foi à China e lá anunciou com entusiasmo que a fabricante de componentes eletrônicos Foxconn, com sede em Taiwan, iria investir nada menos que US$ 12 bilhões na construção de uma “cidade inteligente” no Brasil, que criaria impressionantes 100 mil empregos. O investimento, em Jundiaí, nunca chegou nem perto disso, não transferiu tecnologia ao País como anunciado, não gerou empregos de qualidade e em pouco tempo teve sua linha de montagem de iPhones e iPads desativada.

Empresas como Shein e Foxconn – que se agigantaram principalmente por conta de subsídios estatais, da baixa carga tributária e de mão de obra barata – jamais abrirão mão de suas imensas vantagens competitivas, enfrentando altos encargos trabalhistas e pesada carga tributária, além de imensas deficiências de infraestrutura, sem nenhum tipo de incentivo robusto e permanente.

Mas o governo petista acreditou em mais esse conto chinês e, animado, em junho passado deu isenção de imposto para a importação de artigos com valor abaixo de US$ 50 vendidos por plataformas digitais – o core business da Shein. E o governo nem fez questão de disfarçar que atuou em sintonia com os chineses: a portaria do Ministério da Fazenda que deu a isenção foi publicada menos de 24 horas depois que o representante da Shein posou para uma alegre foto com o presidente Lula da Silva, num encontro que selou o acordo para a suposta vinda da fábrica chinesa ao Brasil.

Resumo do conto: os chineses só virão ao Brasil se fizerem as contas e decidirem que compensa.

Desculpas seletivas

O Estado de S. Paulo

Abordagem policial a jovens negros filhos de diplomatas expõe realidade discriminatória

A abordagem truculenta de uma patrulha da Polícia Militar (PM) do Rio a um grupo de cinco adolescentes, três deles negros, em uma rua movimentada de Ipanema obrigou o Itamaraty a emitir pedidos formais de desculpas às representações diplomáticas de Burkina Faso, Gabão e Canadá.

Os três rapazes negros, todos filhos de diplomatas, não falam português e foram o principal alvo dos PMs que desceram da viatura policial de arma em punho, apontando para suas cabeças. Dos dois jovens brancos, um era brasileiro e tentava traduzir para os amigos – assustados, como ele próprio – as ordens dos policiais que os empurravam contra um muro para a revista. Em entrevista à TV Globo, um dos rapazes brancos relatou que a agressividade dos policiais ficou de fato concentrada nos três africanos.

Os policiais, ao constatar a situação, “aconselharam” os meninos negros a não perambularem pela região àquela hora (20h06) porque corriam o risco de serem novamente “pegos”.

A embaixatriz do Gabão no Brasil, Julie-Pascale Moudouté, mãe de um dos garotos, cobrou providências judiciais. “Como que você vai apontar armas para a cabeça de meninos de 13 anos, como é que é isso?”, perguntou, com razão.

É o que certamente perguntam mães de jovens costumeiramente abordados pela polícia de maneira truculenta nas favelas e zonas periféricas do Rio de Janeiro. Nesses casos, porém, não se tem conhecimento de nenhum pedido de desculpas por parte do Estado.

A rápida retratação do Itamaraty tentou evitar que o caso evoluísse para um grave incidente diplomático. A Secretaria de Estado de Polícia Militar abriu investigação para apurar a conduta aparentemente abusiva dos policiais e informou que vai verificar o conteúdo das câmeras corporais que eles portavam. Seria bom que essa providência se repetisse como consequência de qualquer denúncia de abuso policial em abordagens de jovens negros que não são filhos de diplomatas, mas isso, como se sabe, está longe de ser a regra.

Ainda não é possível dizer exatamente o que motivou os policiais a fazer a abordagem dos adolescentes negros filhos de diplomatas, porque a investigação está em andamento, mas uma das hipóteses óbvias é de que tenha havido o chamado “perfilamento racial” – quando a busca policial é realizada com base na raça dos indivíduos abordados, isto é, conforme critérios subjetivos. Em outras palavras, é bastante plausível a possibilidade de que os rapazes tenham sido abordados (com visível severidade) apenas pelo fato de que eram negros, o que teria sido suficiente para qualificar sua atitude como suspeita.

É evidente que nada disso encontra respaldo na lei, que demanda critérios rigorosamente objetivos para a abordagem policial, como, aliás, decidiu o Supremo Tribunal Federal em abril passado a respeito de um caso de “perfilamento racial”. Ser negro precisa de uma vez por todas deixar de configurar “atitude suspeita”, por razões que deveriam ser gritantemente óbvias.

Conquistas e desafios do ECA aos 34 anos

Correio Braziliense

Preservar os direitos dos brasileiros, da primeira infância até a idade adulta, é um dever inalienável do Estado e da sociedade

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completou 34 anos de vigência neste último sábado mantendo-se como um dos dispositivos legais mais completos na defesa dos direitos fundamentais de brasileiros até 18 anos. Princípios como o direito dos jovens à convivência familiar e à participação comunitária, bem como a prioridade na execução de políticas públicas, são alguns pontos basilares do conjunto normativo promulgado em 13 de julho de 1990. Administradores públicos, integrantes das Varas da Infância e da Juventude e especialistas são unânimes em considerar o ECA um instrumento valioso para assegurar cidadania a quem ainda não chegou à idade adulta.

Como lei fundamental na defesa dos direitos da criança e do adolescente, o estatuto adquire importância maior na medida em que o século 21 impõe desafios e complexidades relevantes a serem superados. Exemplo de corolário do ECA é a Lei Henry Borel, de 2022, que estabelece mecanismos de prevenção para denunciar e combater a violência doméstica. Os abusos cometidos em ambiente familiar constituem um dos adversários do ECA. O alto número de denúncias registradas pelo governo federal — foram 145 mil casos somente em 2024, à frente de agressões contra mulheres, idosos e pessoas com deficiência — evidencia como é preciso avançar muito em medidas para impedir que a brutalidade marque uma geração de brasileiros.

Note-se que a violência contra a criança e o adolescente não é apenas intramuros. Passadas mais de três décadas, o país ainda se depara com situações preocupantes, particularmente quando se trata de operações policiais. Na última quinta-feira, durante seminário para lembrar os 34 anos do ECA, o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, fez uma crítica contundente à recente decisão judicial que absolveu três policiais envolvidos na morte de João Pedro Matos no Rio de Janeiro. O jovem de 14 anos foi baleado em casa, durante operação policial. "É uma coisa escabrosa. É um desprezo tão grande à vida humana, de crianças e adolescentes, de um jovem negro, de periferia", protestou. Em outro episódio, também ocorrido no Rio de Janeiro, o Itamaraty divulgou um pedido formal de desculpas após policiais militares abordarem de forma truculenta filhos de embaixadores negros em um bairro nobre da capital fluminense.

Além das ameaças reais no convívio doméstico e na cidade violenta, as autoridades dedicadas a implementar as diretrizes do ECA alertam para os perigos decorrentes do ambiente virtual. É cada vez mais sonoro o alerta sobre os danos provocados pela superexposição ou pelo despreparo em relação aos meios digitais. "O uso inadequado da internet pode se tornar um meio de adoecimento físico e mental significativo. É por reconhecer este cenário múltiplo que debatemos o uso consciente de telas e dispositivos, a violência no âmbito digital, as desigualdades digitais, a baixa conectividade e a falta de acessibilidade comunicacional", alertou Marina Poniwas, presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda).

Preservar os direitos dos brasileiros, da primeira infância até a idade adulta, é um dever inalienável do Estado e da sociedade. As dificuldades estruturais do país, somadas à dinâmica de um mundo cada vez mais conectado, exigem uma implementação firme, constante e abrangente de ações ligadas ao ECA que garantam cidadania e perspectiva para a futura geração. São essas crianças e adolescentes que, em poucos anos, se tornarão eleitores e eleitos para tornar o Brasil uma nação mais justa, igualitária e inclusiva.


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