sábado, 27 de julho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Programa Voa Brasil é populismo sem sentido

O Globo

Não é papel do Estado criar plataforma para vender passagens aéreas mais baratas

Em março de 2023, quando o Ministério de Portos e Aeroportos anunciou a intenção de criar um programa de passagens de avião por até R$ 200, o plano parecia sem sentido. Depois de um ano e quatro meses, o Voa Brasil foi lançado na quarta-feira e, apesar do tempo investido em estudos e negociações, não mudou em nada a primeira impressão. Não é papel do Ministério de Portos e Aeroportos intermediar a venda de passagens de companhias aéreas privadas, assim como seria inaceitável que o Ministério dos Transportes atuasse em feirões de automóveis ou o de Desenvolvimento em liquidações de refrigeradores e batedeiras. Preocupado em agradar à classe média descontente com a alta dos bilhetes de avião, mais uma vez o governo apelou ao populismo.

Na primeira fase do programa, os 23 milhões de aposentados do INSS que não tenham viajado de avião nos últimos 12 meses poderão comprar dois bilhetes por ano. Uma segunda etapa deverá ser lançada no primeiro semestre de 2025, para estudantes de instituições de ensino público. Num país com tantas carências, o governo decidiu dedicar tempo e esforços a um objetivo duvidoso:“fomentar a inclusão social da aviação civil”. O ministério fala em atingir 1,5 milhão de brasileiros que nunca andaram de avião, mas as chances de sucesso são ínfimas. Dado que não há limite de renda para participar, o mais provável é as camadas mais abastadas entre os aposentados serem as principais beneficiadas.

À primeira vista, a argumentação do governo é sedutora. A ociosidade das aeronaves no Brasil foi de 20% entre janeiro e junho, prejudicando as companhias aéreas. Do outro lado, há consumidores ávidos por viajar de avião, sem condições de pagar passagem. Na prévia da inflação de julho, o destaque negativo foi justamente o setor de transportes, com alta de 19,21% nos bilhetes aéreos. Então, supôs o governo, por que não promover o casamento entre oferta e demanda, criando um portal estatal para vender passagens baratas?

A ciência econômica documenta bem as falhas de mercado, situações em que a atuação de empresas privadas é incapaz de resolver certos problemas, e se faz necessária a intervenção estatal. É o caso da regulação de indústrias para evitar danos ambientais ou das regras para lançar novos medicamentos. Mas criar uma plataforma para vender passagens aéreas não se enquadra nos critérios que definem o papel do Estado. Por um motivo simples. As companhias já dispõem de um instrumento poderoso para equilibrar oferta e demanda: o preço. Com promoções, conseguem gerenciar a ociosidade. Há diversos portais vendendo passagens baratas na internet. O controle de preços pelo governo significa apenas impor prejuízos às aéreas e deteriorar ainda mais um negócio que já não anda bem.

O Ministério de Portos e Aeroportos faz questão de ressaltar que o Voa Brasil não envolve subsídio do governo. Ainda bem. Seria mais um escândalo em tempos de crise fiscal aguda e necessidade de cortes de gastos. Afirma ainda que a adesão das companhias é voluntária, sem meta na oferta de passagens. Esse último ponto consta na minuta que regulamenta o Voa Brasil, mas deve ser lido com cautela. Quando um ministério lança um programa caro ao presidente da República, a pressão para que as empresas do setor participem é considerável. Ainda mais às vésperas do anúncio de um pacote de ajuda do governo às companhias aéreas.

É inexplicável relutância do PT em reforçar combate ao desmatamento

O Globo

Com apenas 1.700 fiscais para cuidar de 1,7 milhão de km2 de florestas, será impossível deter devastação

Há no Ibama e no ICMBio 1.698 fiscais responsáveis por inspecionar indústrias, cargas em portos e aeroportos, combater crimes em todos os biomas e cuidar de uma área de 1,7 milhão de quilômetros quadrados de florestas protegidas. A deficiência de pessoal é considerável. Somente no ICMBio há cerca de mil vagas abertas. Esse é o número mínimo para repor a capacidade operacional. O órgão, porém, tem permissão para preencher menos de 200.

Ao saber da determinação do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de combater o desmatamento, as duas instituições priorizaram ações de repressão e punição em 2023. No primeiro ano do governo Bolsonaro, apenas 7% da área desmatada foi alvo de fiscalização. No ano passado, o percentual pulou para 42%. A iniciativa surtiu resultado. Divulgado em maio pelo MapBiomas, o Relatório Anual do Desmatamento no Brasil mostra um avanço considerável no combate à ação de criminosos. Houve queda de 11,6% na destruição de vegetação nativa em relação a 2022. A área destruída na Amazônia caiu 62% e na Mata Atlântica 60%. Em todo o país, 96,7 mil hectares foram devastados dentro de unidades de conservação, retração de 53%. Em terras indígenas, as perdas de 2023 foram 27% inferiores às de 2022.

Se tudo parece andar bem, por que a urgência na contratação de mais funcionários? Quem acompanha o desempenho na linha de frente sustenta que, com mais gente, mais poderá ser feito. “Os servidores federais e também em parte dos estados têm trabalhado de forma incansável, mas estão próximos do esgotamento”, diz Tasso Azevedo, coordenador-geral do MapBiomas. Algumas regiões do país seguem com desmatamento em alta. É o caso de Cerrado e Pantanal. É verdade que drones e satélites aumentaram a produtividade. Hoje é possível embargar uma área sem enviar um fiscal ao local. Mas manter e usar a tecnologia também exige mais gente qualificada.

Em fóruns internacionais, o governo brasileiro tem defendido doações de nações ricas para conservar florestas. Embora esses recursos ainda somem parcela pequena do orçamento de Ibama e ICMBio, deverá aumentar nos próximos anos. “O Brasil precisa ter uma estrutura de pessoal preparada para dar conta dos projetos no futuro”, afirma o ambientalista Fábio Feldmann, ex-deputado federal.

Em muitas oportunidades, lideranças do PT fazem questão de ressaltar o papel relevante da ação do Estado. Por isso causa estranheza a relutância em reforçar Ibama e ICMBio. A conservação dos biomas brasileiros e as atividades necessárias para isso são atribuições intransferíveis do aparato estatal. A pressão fiscal impõe a tarefa inevitável de escolher onde gastar. Mas a preservação do meio ambiente deve estar no alto da lista de prioridades. “É uma área em que o Brasil precisa continuar avançando, pois sinaliza governança e credibilidade”, diz Azevedo. “O sucesso na derrubada do desmatamento deve ser motivo de fortalecimento do Ibama e do ICMBio, não dá para achar que tudo está bem assim.”

Fiscalizar mais para conter trânsito letal

Folha de S. Paulo

Cresce o número de mortes em acidentes São Paulo e em sua capital; mais agentes e uso de tecnologias são necessários

Com a maior frota de veículos do país, São Paulo enfrenta dificuldades para conter as mortes causadas por acidentes no trânsito. Na unidade federativa, foram 2.999 óbitos entre janeiro e junho de 2024, ante 2.436 no mesmo período de 2023, o que representa aumento de 23,1%. Na capital, a alta foi de 31,6%, passando de 395 para 520.

A seguir esse padrão na cidade, é possível que em 2024 seja superado o número de todo o ano passado, quando atingiu-se 987 mortes —7,6% a mais do que em 2022 (917) e recorde desde 2015 (1.129).

Os dados do Infosiga, sistema de monitoramento de letalidade no trânsito do governo paulista, mostram crescimento em todos os tipos de veículos, mas motocicletas ainda são os mais letais. Na capital, durante o mesmo período, elas foram responsáveis por 45,3% do total, com 236 casos; no estado, por 41,6%, com 1.248.

Campanhas educativas para que motoristas respeitem os limites de velocidade e não dirijam sob efeito de bebida alcoólica são importantes, mas a impunidade pode ser a principal causa do fenômeno.

Em outubro de 2020, uma alteração no Código Brasileiro de Trânsito proposta pelo governo Jair Bolsonaro (PL) e aprovada no Congresso aumentou o limite de pontos para que o motorista perca a carteira de habilitação, de 20 para 40.

Com uma infração gravíssima, o limite cai para 30 pontos e, com duas, para 20. Mas ultrapassar o máximo permitido só é considerada infração desta natureza quando a velocidade do veículo é superior à máxima em mais de 50%.

Em agosto de 2019, despacho presidencial suspendeu o uso de radares móveis nas rodovias federais.
Mesmo que a Justiça tenha ordenado a volta dos aparelhos em dezembro, reportagem da Folha de 2021 mostrou que a fiscalização com essa tecnologia nas rodovias federais caiu cerca de 75% em 2020, na comparação com a média dos dois anos anteriores.

Segundo especialistas, essas duas medidas sob Bolsonaro contribuíram para diminuir a fiscalização e a punição de infratores.

No caso da cidade de São Paulo, entre 2014 e 2023, houve ainda queda de cerca de 20% no número de agentes de trânsito. Mas a frota aumentou 30%. Assim, a quantidade de veículos sob responsabilidade de cada funcionário saltou quase 70% em uma década.

Além das vidas perdidas, os acidentes de trânsito pressionam o sistema público de saúde, já bastante precário no país. Por óbvio, motoristas deveriam agir com bom senso ao volante, independentemente do risco de punição.

Entretanto, como mostram os dados inquietantes, o poder público precisa intensificar a fiscalização, por agentes e tecnologias.

Jogos para todo mundo

Folha de S. Paulo

Abertura das Olimpíadas dá recado ao exaltar vantagens de uma sociedade diversa

Uma cerimônia repleta de ineditismos marcou a abertura dos Jogos Olímpicos de Paris. Realizada pela primeira vez fora de um estádio, a 33ª edição da competição reuniu mais de 300 mil pessoas às margens do rio Sena e de outros icônicos pontos da capital francesa

Espetáculos artísticos variados tomaram por palco os símbolos históricos da cidade-luz e se intercalaram com o tradicional desfile das delegações —que, desta vez, ocorreu não a pé, mas num inovador passeio de barco.

Ao longo de quatro horas e em cada um de seus detalhes, o evento ressaltou valores olímpicos como amizade, excelência e respeito, sintetizados nas reiteradas e explícitas referências à diversidade.

Exaltaram-se não só os benefícios de um país multicultural mas também as vantagens de uma sociedade que se propõe a abraçar todas as diferenças e incluir os desiguais —o que não é pouca coisa em uma Europa que assiste ao avanço do discurso anti-imigração.

Primeira cidade a sediar os Jogos pela terceira vez, Paris soube explorar seus cartões-postais para garantir a beleza única da abertura e, não contente, valeu-se de recursos televisivos voltados ao entretenimento dos milhões de espectadores ao redor do planeta inteiro.

Foi, de fato, uma lufada de encantamento que deixou em último lugar as preocupações e notícias que costumam permear os grandes eventos esportivos. Receios quanto ao terrorismo acompanharam os preparativos, enquanto a sabotagem do sistema ferroviário lembrou que a operação logística transcorre sobre gelo fino.

Nada disso, felizmente, turvou a beleza das atrações ou amainou os ideais de congraçamento e espírito esportivo. Com os desafios superados, Paris atingiu o objetivo comum a todo anfitrião olímpico: projetar a própria imagem para o mundo, num jogo que extrapola os limites das arenas esportivas.

A cerimônia de abertura, com toda sua ousadia, mostrou o potencial das OlimpíadasA delegação brasileira precisa mostrar o seu. A despeito de polêmicas laterais como a dos uniformes, nossos atletas têm condições de brigar por medalhas em várias modalidades.

 SP precisa de prefeito, não de xerife

O Estado de S. Paulo

Segurança pública, que não é atribuição do prefeito, vira tema central da campanha à Prefeitura. Já o trânsito, que é organizado pelo município, mata bem mais e não tem a mesma atenção

A pré-campanha eleitoral para a Prefeitura de São Paulo começou mal. Pouco se ouve dos principais candidatos quais os seus planos para resolver os problemas da capital paulista que estarão sob sua responsabilidade, como a brutal violência no trânsito. O tema que tem sido considerado prioritário pelos principais candidatos é a segurança pública, uma atribuição do governo do Estado.

Quem acompanha o debate público nestes dias que antecedem a campanha oficial é induzido a acreditar que São Paulo é uma cidade do Velho Oeste em busca de um xerife. Nessa onda, os dois principais candidatos, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) e Guilherme Boulos (PSOL), incluíram em suas candidaturas ex-comandantes da Rota, a temida tropa de choque da Polícia Militar de São Paulo.

Nunes, por exemplo, escolheu como vice em sua chapa o coronel Ricardo de Mello Araújo. Em favor do prefeito, ressalte-se que a escolha não foi voluntária, e sim uma imposição do ex-presidente Jair Bolsonaro em troca de apoio. A ideia parece ser a de qualificar a chapa do prefeito como linha-dura contra o crime, bem ao gosto do bolsonarismo.

Já Boulos, o principal desafiante de Nunes, aparentemente preocupado em não perder ainda mais terreno num tema com o qual nem ele nem seu partido têm a menor afinidade, mas que pressente que pode ser decisivo, trouxe para sua campanha o ex-comandante da Rota Alexandre Gasparian. Oficialmente encarregado de elaborar propostas para a segurança pública, o coronel da reserva serve, na verdade, como antídoto à costumeira acusação de leniência com criminosos feita contra os partidos e candidatos de esquerda.

Tudo isso é um desserviço aos paulistanos. Contamina a campanha municipal com uma agenda que não só não diz respeito às atribuições de um prefeito, como só atende aos interesses políticos de grupos que querem fazer da eleição daqui um laboratório de suas disputas nacionais.

Basta olhar com objetividade para os indicadores de criminalidade em São Paulo, compilados por órgãos governamentais e organizações da sociedade civil altamente confiáveis, para perceber que sua letalidade é muito inferior à verificada, por exemplo, no trânsito – cuja organização é atribuição precípua da Prefeitura. De acordo com a Secretaria Estadual da Segurança Pública, em 2023 foram registrados 481 homicídios dolosos e 42 latrocínios (roubo seguido de morte) na capital paulista. No mesmo período, segundo o Infosiga, sistema de gerenciamento de acidentes de trânsito do governo paulista, houve 987 mortes em acidentes de trânsito – o maior número de óbitos por essa causa desde 2015.

Ou seja, a brutal violência do trânsito deveria ser a real prioridade de quem disputa a Prefeitura de São Paulo – e nada indica que neste ano eleitoral a situação vai melhorar. Apenas entre janeiro e junho, ainda segundo o Infosiga, 522 pessoas morreram nas ruas e avenidas da cidade de São Paulo vítimas de acidentes de trânsito. Trata-se do primeiro semestre mais letal nos últimos nove anos. A maioria dos casos fatais envolve motociclistas (236 óbitos), e não é difícil imaginar por quê.

O trânsito na cidade de São Paulo virou uma barbárie diária. As leis que regem a mobilidade urbana parecem ter sido revogadas. As falhas na fiscalização por agentes da Prefeitura são gritantes. Agentes da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), outrora onipresentes, hoje, em geral, só são vistos quando há um nó em algum cruzamento importante da cidade – não raro causado por pane nos semáforos, outro problema crônico e, aparentemente, insolúvel.

As ciclovias, espaços exclusivos reservados para a segurança dos ciclistas, foram transformadas, na prática, em vias expressas para motociclistas que não têm paciência para enfrentar congestionamentos ou não ligam para faróis vermelhos.

Sem que haja quem os puna, esses imprudentes violentam o espaço público segundo as suas conveniências, impondo insegurança para todos – pedestres, ciclistas, motoristas e, também, os próprios motociclistas. A julgar pela campanha paulistana, eles não têm com o que se preocupar: se depender da atenção dos principais candidatos a prefeito, poderão continuar a barbarizar no trânsito com tranquilidade.

Uma legislatura medíocre

O Estado de S. Paulo

Só 44 entre 513 deputados têm desempenho considerado ótimo por estudo sobre a qualidade da atual legislatura, que parece mais preocupada com as redes sociais que com o futuro do País

Quase 70% dos deputados federais da atual legislatura exibiram um desempenho ruim ou razoável nos primeiros 500 dias de mandato, informou o Estadão a partir de um relatório produzido pela organização não governamental Legisla Brasil. O levantamento mostra que apenas 44 deputados (ou menos de 9% da Câmara) alcançaram um desempenho classificado como ótimo. É uma performance avaliada pelos quase 30 especialistas envolvidos no índice com base em 16 indicadores, agrupados em 4 categorias – produção legislativa, fiscalização do Executivo, capacidade de mobilização e alinhamento partidário. Reunidos a partir de dados quantitativos fornecidos pela própria Câmara dos Deputados, esses indicadores oferecem números que justificam a habitual desconfiança da população em relação ao Congresso Nacional. E, o mais grave, atestam o desempenho medíocre da maioria esmagadora dos deputados federais.

A fiscalização parlamentar sobre as ações do Executivo – uma das principais atribuições do Legislativo – foi classificada como o maior gargalo na atual legislatura. Numa escala de zero a 10, deputados alcançaram uma sofrível média de 1,90 ponto. A nota abrange desde propostas de fiscalização até a quantidade de emendas ao Orçamento e às medidas provisórias do Executivo. O alinhamento partidário também se mostra baixo (5,4, para um máximo de 10), o que demonstra uma significativa divergência entre parlamentares e seus partidos nas votações. O levantamento também mostra que pelo menos 350 dos 513 deputados não usam as ferramentas disponíveis para garantir um mandato de qualidade. Seguem, por exemplo, protocolando muitos projetos sem levar em conta propostas similares já em tramitação. E, para um parlamentar melhorar seu desempenho, parece não haver diferença se ele integra ou não a base governista – o resultado é o mesmo, e não é nada positivo.

Os números também reafirmam a dificuldade histórica dos partidos brasileiros de manter coesão e coerência internas. Nos últimos anos, felizmente o Brasil viu reduzir o número de legendas com representação no Congresso, mas as agremiações remanescentes ainda são, em grande medida, uma soma de federações locais e regionais, com os parlamentares muito mais movidos por interesses paroquiais localizados e por bancadas temáticas do que pelos programas partidários bem fundamentados. A falta de coesão, como sublinhou uma das pesquisadoras ao Estadão, não só prejudica a atuação estratégica dos parlamentares, como afeta a eficiência na aprovação de projetos e contribui para o abismo cada vez maior entre a população e os partidos políticos, dada a ausência de clareza e unidade das agendas que são defendidas por eles.

Destacar esse tipo de análise ajuda o País a escapar do vício habitual de observar o desempenho parlamentar segundo a ótica da mera presença de deputados em votações na Casa, evita o equívoco de concentrar o olhar para a Câmara apenas em período eleitoral e chama a atenção para o óbvio: a qualidade de um parlamentar não pode ser atestada segundo critérios de radicalismo e beligerância que tanto fazem sucesso nas redes sociais. Não raro o Congresso brasileiro – especialmente a Câmara – substitui debates, deliberações e convivência civilizada entre diferentes espectros ideológicos e partidários, base de uma casa democrática, por insultos, xingamentos, dedos na cara e empurrões, tudo devidamente acompanhado por celulares para ganhar vida no ambiente digital. Uma tendência coerente com o fato de que há no Congresso e na sociedade uma geração que cresceu e se formou politicamente em ambientes digitais, onde a disputa por ideias e projetos se torna menos relevante do que a caçada por cliques e destruição de reputações.

Costuma-se dizer que a qualidade do Congresso retrata a qualidade do Brasil a cada época. Se a premissa é verdadeira, a atual legislatura também não deixa de ser um retrato do País atual: uma esfera pública modificada e uma sociedade politicamente dividida e fragmentada, em grande parte com interações baseadas em hostilidades. Esta não pode ser uma tendência sem volta, e os números oferecem bons argumentos para mudança.

Engana Brasil

O Estado de S. Paulo

Programa para baratear passagem aérea é irrelevante e pode criar risco de golpe virtual

Depois de um ano e meio propagandeando a intenção de democratizar o acesso ao transporte aéreo, o governo Lula da Silva lançou o Voa Brasil com uma configuração franzina e incompleta, voltado apenas a aposentados, que não costumam viajar de avião, e que não garante sequer a anunciada passagem a R$ 200 conjuntamente nos trechos de ida e volta. O pior é que, no afã de apresentar o programa cata-votos, pode estar apenas contribuindo para alargar um pouco mais as brechas que têm facilitado a disseminação de fraudes virtuais, especialmente contra idosos.

Como já era esperado, o programa está longe de representar a “inclusão social da aviação brasileira”, como diz o prospecto do Ministério de Portos e Aeroportos. A ideia, difundida desde o início de 2023, era dar ares de rodoviária aos saguões dos aeroportos, barateando tarifas aéreas para a população de mais baixa renda. Mas as condições de oferta, as dificuldades de aquisição e a restrição de público aproximam muito o Voa Brasil das alternativas promocionais que já fazem parte do cardápio usado pelas companhias aéreas para reduzir a ociosidade nos voos.

Para se candidatar à compra, o aposentado – idoso portanto, na grande maioria dos casos – tem de cumprir requisitos como não ter viajado de avião por um ano, ter conta prata ou ouro no portal do governo e seguir procedimentos digitais em três etapas, nenhuma delas com tempo de duração estimado. Ainda que se possa argumentar que o nível de complexidade não seja tão alto a ponto de inviabilizar ou restringir o acesso do público-alvo, há que considerar os riscos transversais que estão sendo criados.

O uso da internet disparou entre os idosos nos últimos anos, como já revelou a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do IBGE. Saltou de 24,7% (2016) para 62,1% (2022) a proporção de pessoas com 60 anos ou mais incluídas no universo digital. Mas não se pode desconsiderar que cresceram também, e muito, as fraudes cibernéticas que têm neste público um alvo fácil. Em junho do ano passado, o próprio governo, por meio do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, divulgou que o número de golpes contra pessoas idosas na internet cresceu mais de 70% no País em relação ao ano anterior. Se a mesma obstinação demonstrada em lançar o Voa Brasil for usada para evitar a criação de golpes virtuais contra aposentados, ao menos terá evitado mais prejuízos a um público que convive cotidianamente com o “golpe do consignado”, “golpe do INSS”, “golpe da prova de vida” e outros tantos.

Quando falou pela primeira vez do programa de passagens aéreas baratas, o ministro de Portos e Aeroportos, Márcio França, foi repreendido pelo presidente Lula da Silva, mas ele próprio se mostrou simpático à proposta inúmeras vezes. Ao menos não houve subsídio, como parecia ser a intenção. Sem espaço para custos extras em uma iniciativa irrelevante, restou ao governo tentar criar uma miragem. Que ao menos não vire uma arapuca para os consumidores.

Combater a fome é uma prioridade

Correio Braziliense

Temos expertise para sair do Mapa da Fome até 2026, como pretende o governo, mas precisamos fazer o dever de casa simultaneamente. Houve um grande retrocesso devido à pandemia e à desarticulação das políticas públicas de combate à pobreza pelo governo passado

Vinte e um ano depois de lançar o Fome Zero, em 2003, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva retoma a prioridade de retirar milhões de brasileiros da situação de insegurança alimentar e fome extrema. Em todo o Brasil, no passado, 14,7 milhões de pessoas deixaram de passar fome. Entretanto, 2,5 milhões ainda estão em insegurança alimentar severa. Eram 17,2 milhões de brasileiros.

A insegurança alimentar severa caiu de 8,5%, no triênio 2020-2022, para 6,6%, no período 2021-2023. Em números absolutos, isso significa que 4 milhões saíram da insegurança alimentar severa. Esses resultados fazem parte do Relatório das Nações Unidas sobre o Estado da Insegurança Alimentar Mundial (Sofi 2024), divulgado na quarta-feira. Na ocasião, o ministro do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome do Brasil, Wellington Dias, anunciou que o governo trabalha para que o Brasil deixe o Mapa da Fome até 2026.

O relatório foi apresentado durante as reuniões do G20, no lançamento da Aliança Global contra a Fome. Essa é a grande aposta do Brasil na presidência rotativa do grupo formado pelas 19 maiores economias do planeta mais União Europeia e União Africana. O objetivo é promover a cooperação financeira e técnica entre os países para erradicar a fome no mundo.

 Em países de dimensões continentais ou em situação de risco, devido a guerras ou eventos ambientais extremos, por exemplo, a questão alimentar é um problema a ser enfrentado permanentemente. O Brasil havia conseguido deixar o Mapa da Fome em 2014. Porém, a insegurança alimentar aumentou ao longo dos anos. O bom resultado obtido em 2023 deve-se a políticas públicas voltadas para o combate à pobreza, como Bolsa Família, Programa Nacional de Alimentação Escolar e Programa de Aquisição de Alimentos. 

Temos expertise para liderar um projeto como esse — de sair do Mapa da Fome em menos de dois anos —, mas precisamos fazer o dever de casa simultaneamente. Houve um grande retrocesso durante os últimos anos devido à pandemia e à desarticulação das políticas públicas de combate à pobreza pelo governo passado.

A agricultura brasileira, hoje, é uma das mais produtivas do mundo, somos grande produtor de grãos e proteína animal. Entretanto, é preciso que o sucesso do nosso agronegócio de exportação tenha como contrapartida, também, uma agricultura diversificada, voltada para o abastecimento da população.

Na Câmara Federal, o recente debate sobre a inclusão ou não da carne na cesta básica — ou seja, a proteína animal — mostrou que o acesso à alimentação de qualidade não é uma questão apenas de cultura alimentar, mas também sobre a necessidade de erradicar privilégios e desconcentrar a renda.

Também não se pode ser indiferente ao que acontece no mundo. As perspectivas não são boas. Para 2030, estima-se que 582 milhões de pessoas ainda enfrentarão desnutrição severa, mais da metade na África. Insegurança alimentar e o acesso desigual a recursos para custear as dietas saudáveis estão entre os principais motivos. Sem fontes privadas para enfrentar o problema, os recursos públicos são insuficientes.

Há um norteador definido na Cúpula das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, em setembro de 2015. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) são uma agenda mundial para acabar com a pobreza e as desigualdades, um pacto que envolve os 193 estados-membros da Organização das Nações Unidas (ONU) e que deve ser cumprido até 2030.

 

 

 

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