domingo, 28 de julho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Derrota de Maduro depende de eleições justas

O Globo

Brasil e comunidade internacional precisam estar atentos para as tentativas dele de sabotar o pleito

A foto de Nicolás Maduro aparece 13 vezes na cédula das eleições presidenciais de hoje na Venezuela. Em busca de seu terceiro mandato presidencial, o ditador, herdeiro político de Hugo Chávez, fez uma ameaça explícita: se perder, disse ele, haverá um “banho de sangue”. Mas, apesar de todas as intimidações, fraudes e viradas de mesa, a oposição tem chances concretas de vencer se a vontade popular for respeitada. Reunida em torno da candidatura do ex-diplomata Edmundo González depois que sua principal líder, María Corina Machado, foi impedida de concorrer, ela depende apenas de eleições livres e justas para tirar do poder o regime de legado mais funesto na América Latina nas últimas décadas.

Dona das maiores reservas de petróleo do mundo, a Venezuela sofreu um declínio catastrófico desde a chegada de Maduro ao poder em 2013. A economia produz menos de um terço do que produzia. A inflação no primeiro ano de governo já era alta, 56%. Chegou a 130.000% em 2018. No ano passado, foi de 189% — e ainda é uma das maiores preocupações. A pobreza atingia 39% da população em 2014. Agora são 52%, segundo levantamento de acadêmicos venezuelanos. A desigualdade disparou, e o percentual da população de 3 a 24 anos que frequenta algum centro de ensino caiu de 73% para 66%.

As informações sobre criminalidade anunciadas pelo governo são pouco confiáveis, mas, pelas estimativas do Observatório da Violência, houve 26,8 mortes violentas por 100 mil habitantes em 2023, acima dos níveis de Brasil, México e Colômbia. No índice global de percepção de corrupção da Transparência Internacional, a Venezuela está em penúltimo lugar, empatada com Sudão do Sul e Síria, à frente apenas da Somália.

Na saúde, os dados também são estarrecedores. As crianças que morrem antes de completar 5 anos subiram de 17,8 para 24,2 por mil. No início da década passada, a Venezuela estava fora do Mapa da Fome das Nações Unidas. Hoje, de acordo com o último levantamento, publicado nesta semana, 17,6% da população é considerada subnutrida (a média latino-americana é 6,6%, a africana 19,9%). Não espanta que a expectativa de vida tenha caído de 73 para 71 anos desde 2013, pelos dados mais recentes do Banco Mundial.

Com a deterioração nas condições de vida e a consolidação da ditadura de Maduro, venezuelanos emigraram em massa. Até maio, 7,7 milhões tinham deixado o país, um quarto da população (se o mesmo ocorresse no Brasil, seriam 54 milhões). Até 2017, quase metade dos homens e uma em cada três mulheres emigrantes tinham educação universitária. Agora quem emigra tem ensino médio. Todo mundo quer sair.

O regime se manteve prendendo opositores de forma arbitrária, mudando as regras eleitorais de acordo com a conveniência, excluindo candidatos oposicionistas das disputas sob pretextos absurdos e distribuindo recursos assistenciais. Esse show de horror e crueldade precisa ter fim. É inaceitável a conivência com o regime chavista. Se perder, o resultado das urnas precisa ser acatado por todos. Por isso Brasil e comunidade internacional devem estar atentos para denunciar irregularidades e deter qualquer tentativa de Maduro de sabotar o pleito.

Ao se conceder reajuste salarial, Zema põe em dúvida plano fiscal de Minas

O Globo

É verdade que salário da cúpula do governo está defasado, mas quem fala em austeridade precisa dar exemplo

Enquanto negociava, no ano passado, a adesão de Minas Gerais ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF) do Tesouro Nacional, o governador Romeu Zema (Novo) deu-se um aumento salarial de 257%, extensivo a vice-governador e secretários estaduais. Em julho de 2022, o Tesouro habilitara o governo de Minas a negociar adesão ao programa. Em contrapartida à ajuda para melhorar suas finanças, o estado se compromete com medidas de austeridade. Isso significa não conceder, durante o período do auxílio, aumentos aos servidores.

Em outubro passado, depois de já ter aumentado seu salário de R$ 10,5 mil para R$ 37,5 mil, Zema remeteu ao Tesouro uma nova versão do plano de recuperação fiscal tratando o reajuste como exceção. A Secretaria de Fazenda estadual esclareceu que a revisão foi feita por orientação do Conselho de Supervisão do Regime de Recuperação Fiscal (CSRRF), onde há representantes do estado e da União. Em nota, ela afirmou que, como o aumento salarial foi ressalvado no plano de recuperação revisado, “não coloca em risco a permanência [de Minas] nem a homologação da adesão ao RRF”.

É verdade que o salário da cúpula do governo mineiro estava bastante defasado e que o impacto orçamentário do reajuste em si é ínfimo. Mesmo assim, quem está no comando de um programa de austeridade precisa dar exemplo. Ao se colocar à margem do ajuste fiscal, Zema se fragilizou politicamente perante os servidores públicos e a própria população. Uma confederação do funcionalismo mineiro chegou a impetrar ação contra o aumento, mas o Supremo Tribunal Federal (STF) a rejeitou, sob o argumento de que o processo não cabia à Corte.

Para Zema, está em jogo a credibilidade do ajuste fiscal. Ao tentar se explicar, ele deu mais margem a confusão. Afirmou que o reajuste do próprio salário visava a corrigir o teto das remunerações estaduais, para que outras categorias também pudessem ser beneficiadas. Ora, o pedido de ajuda federal não prevê rodadas de aumentos como as que ocorrem quando o reajuste de uma categoria se propaga pelo funcionalismo. Numa hipótese extrema, os reajustes salariais deflagrados poderiam desequilibrar ainda mais as contas de Minas, levando o Tesouro a arcar com custo mais alto no socorro ao estado. A explicação de Zema supõe o contrário de um plano de austeridade.

O Ministério da Fazenda informou ao GLOBO que o plano de Minas ainda está em análise. Mesmo que a adesão formal ao RRF ainda não tenha ocorrido, o estado já se beneficia da suspensão de pagamento da dívida. O benefício foi obtido por Zema por meio de liminar concedida pelo STF. Ainda segundo a Fazenda, “eventuais violações ocorridas após a data de adesão serão analisadas pelo CSRRF quando chegar o pleito de homologação do Plano de Recuperação Fiscal”.

O socorro federal a qualquer estado mobiliza muitos interesses políticos. O Tesouro deve ser transparente ao formalizar sua ajuda a Minas — como a qualquer estado que recorra ao Erário.

É preciso discutir nova reforma da Previdência

Folha de S. Paulo

Apesar das mudanças em 2019, déficit é insustentável, sobretudo após Lula mudar política para reajuste do salário mínimo

É bem-vinda a informação publicada nesta Folha de que membros da cúpula da Câmara dos Deputados avaliam a necessidade de a Casa iniciar, em 2025, um debate acerca de nova reforma da Previdência.

Mesmo que eventuais mudanças não sejam aprovadas na atual legislatura, é fundamental começar a discussão o quanto antes pois demandará tempo para a sociedade assimilar sua indispensabilidade.

A última reforma, proposta em 2016 pelo ex-presidente Michel Temer (MDB), só saiu três anos depois, no final 2019, no governo Jair Bolsonaro (PL). Apesar da mudança, o déficit previdenciário da União foi de R$ 428 bilhões em 2023.

Lamentavelmente, o Congresso não deverá contar nesta empreitada com o apoio do presidente Lula (PT), refratário a reformas impopulares, mas imprescindíveis.

Será mais um erro deste governo, que colherá déficits crescentes, a provável violação de suas metas fiscais e uma trajetória explosiva da dívida pública —que pressionará o dólar, a inflação e os juros.

Os parlamentares consideram não mexer em direitos adquiridos, mas aplicar mudanças sobre os novos que ingressarem no sistema, o que deve ser insuficiente.

Hoje, há um rombo contratado, para além dos déficits anuais, de mais de R$ 100 bilhões em quatro anos. Ele será consequência direta, diga-se, da decisão de Lula de corrigir o salário mínimo pela inflação e o crescimento do PIB.

O presidente, aliás, soterrou o debate aventado pelos ministérios do Planejamento e da Fazenda para desvincular benefícios previdenciários e sociais deste critério de correção, e de voltar a ajustá-los só pela inflação, como era antes.

Esse, no entanto, não é o único problema. Na reforma de 2019, ficaram de fora pontos fundamentais.
As regras dos militares têm o maior déficit por beneficiário entre os três regimes da União, de R$ 159 mil per capita por ano. No INSS, ele é de R$ 9,4 mil, e no regime dos servidores civis, de R$ 69 mil, segundo o Tribunal de Contas da União.

No meio rural, homens e mulheres se aposentam aos 60 e 55 anos, respectivamente —ante 65 e 62 anos nas zonas urbanas. Estima-se que, do déficit primário do INSS de 2,7% do PIB em 2022, 40% se originaram na previdência rural.

A diferença de três anos a favor das mulheres na idade mínima de aposentadoria também é questionada por especialistas. Pois, segundo o IBGE, elas vivem cerca de sete anos a mais que os homens.

Todos esses temas são sensíveis e politicamente espinhosos. Daí a necessidade de se começar a debatê-los já para que a sociedade fique bem informada sobre o que está em jogo: a possibilidade de uma ruptura que leve o sistema a não ter como honrar seus pagamentos.

Um jogo perigoso

Folha de S. Paulo

Choques entre Otan, Rússia e China nos ares são problema para a segurança global

Ao longo de 2023, a Organização do Tratado do Atlântico Norte despachou caças para interceptar aviões russos que se aproximavam do espaço aéreo de seus membros cerca de 300 vezes. Os números do lado contrário não são muito diferentes, apenas mais sigilosos.

Tais entrechoques acontecem em todas as linhas de atrito entre potências, envolvendo de um lado os Estados Unidos e seus aliados, e do outro, russos e chineses. Os encontros se dão sobre mares como o Báltico, o Negro, o do Sul da China, no estreito de Taiwan, águas árticas e mesmo a Síria.

As ocorrências soam banais por envolverem testes de prontidão: os adversários querem saber o quão rápido o inimigo pode reagir a uma tentativa de intrusão. No ambiente carregado da geopolítica atual, no qual pisca como alarme a agora duradoura Guerra da Ucrânia, são também muito perigosas.

Só na semana que passou, os russos enviaram caças para interceptar dois bombardeiros B-52 americanos perto de suas fronteiras após uma inédita missão sobre a Finlândia, país que ingressou na aliança militar ocidental no ano passado.

Os aviões, que mesmo sem carregar armas nucleares simbolizam a capacidade americana de dispará-las perto das fronteiras russas, vão operar nas próximas semanas na Romênia, a partir de uma base a 110 km da Ucrânia conflagrada.

Em resposta, Moscou bombardeou posições da Ucrânia junto à Romênia com drones, alguns dos quais acabaram em território do país vizinho, que integra a Otan. No mesmo dia, interceptou um avião-espião de Londres no mar Negro.

Ato contínuo, Rússia e China realizaram uma patrulha com bombardeiros igualmente capazes de lançar ataques nucleares perto do Alasca, chamando a interceptação de caças americanos e canadenses.

Já houve acidentes no passado: um caça chinês caiu após colidir com um avião americano e uma aeronave russa derrubou um drone dos EUA no mesmo mar Negro.

Desnecessário dizer que, em um mundo desregulado com o colapso da ordem que pôs fim à Guerra Fria e com tensões em alta, basta um erro de cálculo no ar para colocar em marcha a insensatez.

Venezuela vota sob o signo do medo

O Estado de S. Paulo

Em democracias, dias de eleição são de festa. Não na Venezuela. Venezuelanos vão hoje às urnas apreensivos com o dia seguinte. Seja qual for o resultado, não se descarta uma guerra civil

O povo venezuelano vai às urnas neste domingo sob o signo do medo. Em qualquer país democrático, dias de eleição são dias de festa. Não na Venezuela. A expectativa é que os venezuelanos votem e se fechem em casa para aguardar o resultado. A apreensão se justifica. Seja quem for o vitorioso, o ditador Nicolás Maduro ou o embaixador Edmundo González Urrutia, é possível que irrompa uma sangrenta guerra civil. Recorde-se que o próprio Maduro já fez essa ameaça ao afirmar que, se ele não for reeleito, haverá um “banho de sangue” na Venezuela.

Como um país outrora rico e com uma sociedade vibrante chegou a esse ponto? Como o simples resultado de uma eleição pode, no limite, levar à morte de centenas, se não milhares, de venezuelanos pelas mãos armadas de seus próprios concidadãos?

Claro que a truculência de Maduro, e a do coronel Hugo Chávez antes dele, submeteu o povo venezuelano a uma crise política, econômica e humanitária sem precedentes, o que levou ao exílio forçado nada menos que um quinto da população – 5,4 milhões de pessoas, segundo a agência da ONU para refugiados. Famílias foram destruídas. Isso já bastaria para acirrar os ânimos no país. Mas a crueldade do regime foi além: o chavismo jogou os cidadãos uns contra os outros. Seguindo o manual de todo populista de viés autoritário, Maduro disseminou a ideia segundo a qual quem ousa se opor a ele está se opondo aos interesses “do povo” – logo, deve ser combatido como inimigo.

Contudo, em que pese a plêiade de arbitrariedades cometidas por Maduro, não se pode fechar os olhos para a responsabilidade dos países da América Latina, especialmente do Brasil, a única potência da região, sobre esse estado de coisas. O chavismo sempre foi tratado com condescendência no continente, salvo honrosas exceções. O regime não foi condenado como deveria nem quando rompeu a barreira do populismo e singrou para uma sanguinária ditadura após Chávez aprovar uma emenda à Constituição que lhe garantiu o direito de concorrer a mandatos sucessivos por tempo indeterminado – só interrompido por sua morte, em 5 de março de 2013.

Desde então, Maduro tem sido tratado como parceiro e recebido com honras de chefe de Estado por alguns países da região. Aqui ele esteve no fim de maio de 2023, para vergonha dos genuínos democratas brasileiros. Se o presidente Lula da Silva acertou ao restabelecer as relações diplomáticas do Brasil com a Venezuela, interrompidas formalmente por birra do governo de Jair Bolsonaro, errou ao tratar Maduro como um líder político digno de ser reabilitado como um “democrata” perante a comunidade das nações. Uma coisa são as relações entre dois Estados que têm interesses comuns; outra, muito distinta, é chancelar um regime que impõe a seu próprio povo toda sorte de privações por meio da força bruta.

Eis o quadro dramático das eleições de 2024 no país vizinho. Submetidos ao tacão de Maduro, os venezuelanos assistiram a um processo eleitoral em tudo corrompido. Candidatos da oposição que se revelaram competitivos foram sumariamente cassados sob as alegações mais esdrúxulas. Cerca de 4,5 milhões dos venezuelanos que conseguiram escapar das garras do regime e estão aptos a votar tiveram seus direitos políticos cerceados após Maduro lhes impor entraves para o livre exercício do voto no exterior.

Urrutia, o único que permaneceu na corrida eleitoral com chances de derrotar Maduro, chega ao final da campanha como o franco favorito, com cerca de 55% das intenções de voto, ante 25% de Maduro, de acordo com institutos de pesquisa independentes. Portanto, caso o ditador saia vitorioso do pleito, isso será interpretado por todo o mundo democrático como um resultado fraudulento.

Ao fim e ao cabo, a proclamação do resultado cabe ao Conselho Nacional Eleitoral (CNE), órgão que sabidamente opera sob as ordens de Maduro. Logo, se a oposição vencer, como preveem as pesquisas independentes, só um acordo de bastidor, prevendo alguma forma de transição pacífica, poderá levar ao reconhecimento dessa vitória. Como civis e militares reagirão ao resultado oficial é o drama das próximas horas, que definirão o que será da Venezuela a partir de amanhã.

Mundo precisa de mais imigrantes

O Estado de S. Paulo

Estudo da ONU mostra que 50 países dependem de imigrantes para atenuar seu declínio populacional, um dado crucial no momento em que imigração é tema central nas grandes economias

Em cerca de 50 países, a imigração atenuará o declínio populacional provocado pelo envelhecimento e baixas taxas de natalidade, segundo a mais recente edição do relatório sobre perspectivas para a população mundial divulgado pela ONU.

Poucos países representam tão bem as armadilhas do envelhecimento populacional combinado com baixas taxas de natalidade quanto o Japão. A população do país vem caindo ininterruptamente há 15 anos, segundo o governo japonês. Em 2023, os nascimentos registraram a mínima histórica de 730 mil, enquanto as mortes, também recordes, somaram 1,58 milhão; a população total do país é hoje estimada em 124,9 milhões. Projeta-se que em 2070 terá encolhido em 30%, para 87 milhões, e que quatro em cada dez japoneses terão 65 anos ou mais.

Talvez por isso mesmo, o número de estrangeiros residindo no país tenha ultrapassado os 3 milhões pela primeira vez na história, representando 2,66% da população, de acordo com a agência de notícias Nikkei.

Num Japão historicamente avesso a imigrantes, o encolhimento da população pressiona cada vez mais o governo japonês a se abrir aos estrangeiros para sustentar a economia. Para alcançar a meta de PIB para 2040, o Japão precisará de quase 1 milhão de estrangeiros a mais do que o projetado, segundo estimativas do próprio governo.

De acordo com a ONU, em países em que a taxa de natalidade já é inferior à de reposição (nasce menos gente do que morre), atrair imigrantes pode ser mais efetivo no combate ao declínio populacional no curto prazo do que incentivar o aumento da natalidade. Fatores como custo de vida elevado e ambiente corporativo hostil às mulheres fazem com que as japonesas tenham cada vez menos filhos.

Já nos EUA, onde o candidato Donald Trump promete deportações em massa caso vença as eleições, a imigração vem sendo e continuará a ser o principal condutor do crescimento populacional. Um dos grandes temas da campanha eleitoral americana, a imigração ilegal é inegavelmente de extrema importância e sensibilidade. As promessas populistas e demagógicas de Trump, contudo, em nada contribuirão para a melhora da vida dos americanos.

É imperativo lembrar que, ao contrário das mentiras propaladas pelo candidato do Partido Republicano, a maioria dos imigrantes é gente trabalhadora e honesta, e não um exército de sicários sem alma que comete crimes hediondos. Boa parcela dos ilegais vive há anos nos EUA realizando trabalhos que ninguém quer fazer. Uma deportação generalizada traria impactos profundos, deixando sem execução uma infinidade de tarefas hoje a cargo deles.

Além de causar gargalos diversos na economia, a deportação em massa pode ser um tiro pela culatra. As remessas que os imigrantes enviam para seus familiares são um freio para pressões migratórias, especialmente na América Central, altamente dependente de tais recursos. Se deportar todo mundo que “envenena o sangue americano”, como gosta de se referir aos imigrantes, Trump pode causar a ruína econômica de muitos países, aumentando ainda mais o número de desesperados na fronteira com os EUA. Reitere-se que a preocupação dos americanos com o fluxo massivo de imigrantes para o seu território é plenamente justificada, mas despachar milhões de pessoas para fora do país, sem qualquer critério, nada resolverá.

No Brasil, de acordo com a ONU, o pico populacional deve ocorrer daqui a 30 anos. A partir de então, a população do país deixará de crescer. Nem por isso se deve tardar em olhar para a atração de capital humano estrangeiro em um país no qual a população também envelhece. Além disso, de acordo com o Ministério das Relações Exteriores, 4,5 milhões de brasileiros viviam no exterior (mais que a população da Paraíba) em 2022, ante 3,1 milhões em 2009.

É verdade que o Brasil precisa atuar para combater a fuga de cérebros e assegurar que seu capital humano permaneça por aqui, mas também é verdadeiro que as economias mais dinâmicas do mundo se valem de estrangeiros para produzir, inovar e prosperar. O mundo precisa de mais imigrantes, não de menos, e é fundamental que o Brasil enfrente essa questão sem preconceito e demagogia.

A ‘desoneração’ da folha do PT

O Estado de S. Paulo

O Partido dos Trabalhadores deixa de recolher INSS e FGTS de seus próprios trabalhadores

Autoproclamado defensor da classe trabalhadora, o Partido dos Trabalhadores (PT) é justamente a legenda brasileira que mais acumula dívidas por desrespeitar os direitos trabalhistas de seus empregados e suas obrigações com a União. É como se o PT instituísse por conta própria uma espécie de desoneração da folha de pagamento, ao arrepio da lei, ao deixar de recolher Contribuição Previdenciária e Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

Essa burla às regras previdenciárias e trabalhistas custa caro aos cofres públicos. Diretórios petistas espalhados pelo País têm R$ 22,2 milhões inscritos na Dívida Ativa da União – dos quais R$ 18,2 milhões em débitos com a deficitária Previdência Social e R$ 266 mil com o FGTS.

E tudo isso numa agremiação que está entre as mais ricas do País, financiada pela fartura de fundos públicos que nem deveriam existir, pois partido político que se preze consegue se bancar exclusivamente com doações de seus simpatizantes. Agora, ao que parece, o PT se financia também por meio de calote trabalhista em seus funcionários. Quando questionada, a legenda ainda se dá o direito de não dar nenhuma explicação, talvez porque explicação não haja.

Enquanto alardeia que a reforma trabalhista promovida no governo de Michel Temer acabou com os direitos dos trabalhadores, o PT escolhe quais direitos de seus funcionários vai respeitar. A comparação com os partidos ditos “burgueses” é ainda mais reveladora: o PT bate de longe os débitos do União Brasil (R$ 5,2 milhões), do PSDB (R$ 5,1 milhões) e do MDB (R$ 4,5 milhões) – ao todo, as siglas devem hoje ao menos R$ 54,2 milhões aos cofres públicos da União.

Não foi à toa, portanto, que o PT apoiou com tanto entusiasmo a infame PEC da Anistia – a Proposta de Emenda à Constituição, recentemente aprovada na Câmara, que perdoa partidos que violaram a legislação eleitoral e que cria um financiamento camarada para as dívidas com a Previdência Social. São 60 prestações generosas – ou cinco anos – para quitar as pendências. Não tendo sido a primeira vez que os partidos se concedem a si mesmos uma desavergonhada anistia como essa, nada indica que será a última.

Nada disso orna com o feroz discurso petista contra a indecência na política e contra o que chamam de “desmonte” dos direitos trabalhistas. No “outro mundo possível” idealizado pelo lulopetismo – que segundo seus devotos só não se concretiza porque a “burguesia” e o “capital” não deixam –, os trabalhadores estarão no paraíso. Já neste mundo trevoso, o PT tunga seus próprios empregados, e justamente na Previdência – aquela que, segundo a fábula petista, não tem déficit. É mais que apenas uma ironia: trata-se de um estudo de caso sobre o cinismo dos que sabotam a modernização do País, em nome da proteção dos trabalhadores, ao mesmo tempo que não hesitam em tomar dinheiro desses mesmos trabalhadores para fechar as contas do partido.

Democracia precisa vencer na Venezuela

Correio Braziliense

Independentemente de quem vença as eleições na Venezuela, o governo brasileiro precisa envidar esforços para que o valor da democracia se perpetue no país vizinho

Independentemente de quem vença as eleições na Venezuela, o governo brasileiro precisa envidar esforços para que o valor da democracia se perpetue no país vizinho - (crédito: AFP)

Após meses de muita turbulência e graves denúncias de violações políticas, o processo eleitoral na Venezuela chega hoje a um dia decisivo. Será o momento de verificar nas urnas se é preciso dar um basta ao regime protagonizado por Nicolás Maduro, ou se o mandatário receberá a chancela para continuar no Palácio de Miraflores. A força de um processo eleitoral, quando justo e transparente, reside exatamente na sua simplicidade: quem tem mais votos ganha a disputa. Está eleito. E conquista a legitimidade da maioria para conduzir o destino da nação por um período determinado.

O problema é que esse princípio democrático — eleições limpas e justas — tem sido sistematicamente subvertido por Nicolás Maduro. São inúmeras as denúncias que pesam contra o candidato da situação. Perseguição a adversários da oposição, interferência nas etapas do processo eleitoral, censura à imprensa e manipulação do Judiciário compõem a extensa lista de abusos e arbitrariedades. As violações patrocinadas pelo regime de Maduro, uma espécie de corolário do "socialismo do século 21" inaugurado por Hugo Chávez, alcançaram tal monta que foi preciso acionar mecanismos multilaterais — como o acordo de Barbados — para conter a sanha golpista proveniente de Caracas. Há, sim, motivos para se preocupar. É preciso lembrar que, há poucos dias, o candidato governista previu um "banho de sangue" em caso de derrota. Ninguém pode acreditar que Maduro esteja blefando. 

Apesar dos arroubos antidemocráticos do presidente venezuelano, a oposição está otimista com a votação deste domingo. Em entrevista ao Correio, o ex-embaixador Edmundo Urrutia mencionou que as "pesquisas sérias" dão ampla maioria à sua candidatura pela Plataforma Unitária Democrática. Mais importante, o candidato com chances de vitória antecipa o que entende como prática civilizatória em regimes democráticos: Maduro reconhecer a derrota e iniciar um processo pacífico de transição; e o novo presidente promover a reconstrução política, social e econômica do país. 

Note-se que o momento delicado da Venezuela não é exclusividade de países com baixo grau de desenvolvimento. Há muito se tem dito sobre o fenômeno da erosão democrática, decorrente da ascensão de populistas e autocratas, de esquerda ou de direita, que repudiam o regime político consagrado após o colapso da União Soviética no fim do século 20. Na semana passada, a preocupação em garantir a estabilidade democrática estava patente nas palavras de ninguém menos do que o ocupante do cargo mais poderoso do mundo. Em mensagem histórica, e num gesto de grandeza política, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, abdicou de disputar a reeleição em nome de um objetivo primordial: "Na defesa da democracia, o que está em jogo é maior do que qualquer título". 

Independentemente de quem vença as eleições na Venezuela, o governo brasileiro precisa envidar esforços para que o valor da democracia se perpetue no país vizinho. É fato que, em caso de uma vitória de Maduro, esse caminho será mais difícil e improvável. Isso só aumenta a responsabilidade do presidente Lula, enquanto líder de projeção internacional, de colaborar para que a estabilidade política prevaleça na América do Sul. Quando uma democracia vai mal, todos perdem.

 

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