quinta-feira, 4 de julho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Congresso precisa levar a PEC da Segurança a sério

O Globo

Iniciativa de Lewandowski tem o mérito de tirar a União da letargia para que assuma seu protagonismo

O ministro da Justiça e Segurança Pública, Ricardo Lewandowski, mal entregou ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva o texto da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que amplia a participação do governo federal no combate a organizações criminosas, e as resistências de governadores e da bancada da bala no Congresso já começaram. A iniciativa de Lewandowski tem o mérito de tirar a União de sua letargia e dar-lhe o protagonismo que se exige dela. Por isso deveria ser apoiada pela sociedade.

Entre outros pontos, a PEC da Segurança aumenta atribuições da Polícia Federal (PF) e da Polícia Rodoviária Federal (PRF). Na prática, a PF atuaria em investigações envolvendo facções criminosas e milícias, enquanto a PRF atuaria como polícia ostensiva sob o comando do governo federal. A proposta inclui na Constituição o Sistema Único de Segurança Pública (Susp), semelhante ao SUS. O modelo, criado em 2018, até hoje não está concluído.

O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União), diz que o governo federal não conhece as peculiaridades de cada região. “Não é de Brasília que devem vir as metas e prioridades da segurança pública”, afirma. O líder da bancada da bala, deputado Alberto Fraga (PL-DF), argumenta que hoje as polícias Civil e Militar já dão conta do recado. Ora, se as polícias estaduais conseguissem combater facções que atuam internacionalmente, o país não viveria a grave crise na segurança que vive. Basta observar o que acontece na maior parte dos estados para constatar que o atual modelo não funciona.

Os governos do PT sempre resistiram a abraçar a pauta da segurança pública. Nos bastidores, próceres petistas diziam que isso era tarefa constitucional dos estados e que levar para dentro do Palácio do Planalto o dia a dia da violência traria desgaste ao presidente. A tese não resistiu ao choque de realidade do terceiro mandato de Lula.

A oposição encampou a causa e acuou um governo incapaz de oferecer resposta às angústias da população. Pesquisas de opinião mostram que a segurança é uma das maiores preocupações dos brasileiros. O desgaste já está consumado. O próprio Lula parece ter entendido tardiamente que não dá mais para fingir que o governo federal nada tem a ver com o assunto. Em viagem à Bahia, ele reconheceu que o crime organizado “tomou conta do Brasil” e que “os estados sozinhos não dão conta”.

Há muito a crise da segurança merece atenção federal. As organizações criminosas do Sudeste se espalharam para outras regiões e países da América do Sul. Tornaram-se multinacionais do crime. No fim do mês passado, o sequestro de uma médica em Belém, no Pará, foi comandado por um traficante de dentro de um presídio no Rio, a 3 mil quilômetros. Essa é a realidade.

Em vez de torpedear de antemão a PEC da Segurança, governadores e parlamentares deveriam discuti-la para que o país possa avançar. O ministro Lewandowski acertou ao apresentar uma proposta que dá à União relevância no combate às organizações criminosas, preenchendo uma lacuna. Não haverá sucesso sem a integração de forças federais, estaduais e municipais sob coordenação federal. Funciona assim na saúde e na educação. Claro que ainda há muito a fazer. A PEC será apenas um passo para enfrentar o crime organizado. Mas é um passo importantíssimo.

Revisão em benefícios da Previdência é essencial para controle de gastos

O Globo

Procedimentos on-line automáticos e ineficácia de filtros levam a disparada na concessão de BPC e auxílio-doença

Não há justificativa razoável, num momento de queda na pobreza extrema, para a disparada na concessão do Benefício de Prestação Continuada (BPC), auxílio a deficientes e idosos de baixa renda. Entre janeiro e maio deste ano, 351,8 mil brasileiros passaram a recebê-lo, 2,4 vezes a média do período entre 2014 e 2022. Só isso já representa um gasto extra de R$ 577 milhões em 2024. Como mostrou reportagem do GLOBO, o aumento mais significativo se deu na categoria Pessoas com Deficiência (PCDs). As concessões mais que triplicaram em relação à média entre 2014 e 2022.

A escalada tem provocado estranheza dentro do próprio governo. “O BPC cresceu de tal forma que deve haver alguma coisa errada aí”, disse a ministra do Planejamento, Simone Tebet, em audiência no Congresso no dia 12 de junho. “Será que algumas pessoas se declaram PCDs e não são, portanto vão para a fila do BPC e recebem indevidamente?”

Embora prevista na Lei Orgânica de Assistência Social, a revisão do BPC só foi feita uma vez, no segundo mandato do governo Lula, entre 2008 e 2009. Hoje as informações e decisões são compartimentadas, dificultando a vigilância sobre o pagamento do benefício e facilitando a ação de fraudadores. O Ministério do Desenvolvimento Social, que administra o Cadastro Único (CadÚnico), alega que a revisão não é atribuição da pasta. A Previdência diz ser responsável apenas pela perícia médica de quem já recebe o auxílio. Esse jogo de empurra não ajuda.

Muitos caminhos levam ao descontrole. Facilidades criadas para conceder o BPC por meio de procedimentos on-line, sem os filtros necessários para saber se o beneficiário tem mesmo direito, ampliam demais o número de contemplados. Isso não ocorre apenas com o BPC. De acordo com o economista Marcos Mendes, pesquisador associado do Insper, o auxílio-doença também tem crescido descontroladamente com os atestados médicos por via eletrônica. “Após uma revisão durante o governo Michel Temer, o número de beneficiários do auxílio doença caiu de 1,8 milhão para 800 mil. A partir de meados de 2023, voltou a aumentar e já está em 1,6 milhão”, diz ele. Para aumentar o controle sobre os benefícios sociais, o governo precisa integrar suas diferentes bases de dados e ser mais vigilante em relação a quem tem direito ao pagamento.

Não há dúvida sobre a função social de benefícios como BPC e auxílio-doença. Mas, se o governo não fizer uma revisão urgente em seus cadastros e aprimorar os filtros, eles continuarão a drenar recursos públicos cada vez mais vultosos, com resultado cada vez mais incerto. A vinculação descabida desses benefícios ao salário mínimo infla o custo orçamentário, quando bastaria a correção pela inflação para manter o poder de compra do beneficiário. Auditorias do Tribunal de Contas da União (TCU) no Auxílio Emergencial durante a pandemia detectaram pagamento a servidores públicos, a cidadãos com boa situação financeira e até a quem já havia morrido. Falta de zelo com o dinheiro público dá nisso.

Falta de metas na Educação deixa Brasil no atraso

Valor Econômico

É natural a discussão a respeito de um tema tão relevante, mas nada justifica atraso tão grande em um campo em que os desafios são gigantes e o atraso, gritante

Após avanços e recuos que consumiram quatro anos, o governo Lula encaminhou na semana passada o Plano Nacional de Educação (PNE), que traça objetivos para os próximos dez anos. O plano foi anunciado em cerimônia de acesso limitado ao ministro da Educação, Camilo Santana, e a alguns parlamentares. Seu texto não foi divulgado. Apenas uma nota foi publicada no site do Ministério da Educação. O projeto será agora submetido ao Congresso.

A opção por um evento restrito e sem a revelação do conteúdo integral do projeto de lei é, provavelmente, consequência da confusão ocorrida, em janeiro, quando saiu um primeiro rascunho do PNE, durante a Conferência Nacional de Educação (Conae). Referências a ações de diversidade nas escolas e críticas aos ex-presidentes Michel Temer e Jair Bolsonaro desencadearam reações polarizadas.

De acordo com as linhas gerais divulgadas, o novo PNE pretende reduzir as desigualdades na educação, ampliar o acesso à educação infantil, ao ensino em tempo integral e ao técnico, e melhorar a qualidade da educação no Brasil - pontos que de alguma forma eram também perseguidos no plano anterior. De novidade, prevê adotar políticas de conectividade e cidadania digital, e dar atenção especial ao acesso à educação de indígenas, quilombolas, crianças com deficiências e jovens e adultos, com a definição de metas e financiamentos específicos.

O novo PNE pretende elevar os gastos com educação a 10% do Produto Interno Bruto (PIB) em dez anos, meta, que, como todas as outras constantes do plano anterior, não foi atingida. Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o investimento em educação chegou a 5,5% do PIB em 2022. Agora, as condições parecem ainda mais restritivas, em meio a discussões sobre corte de gastos e cumprimento do piso constitucional.

Na educação infantil, a meta é atender 60% das crianças de até 3 anos com creches e universalizar as vagas para as crianças de 4 e 5 anos. No plano anterior, o percentual de crianças até 3 anos nas creches para 2024 era de 50% e o das vagas para as duas idades, de 42,3% e 93%, respectivamente.

Em relação ao ensino em tempo integral, o objetivo é que 55% das escolas de ensino público ofereçam o horário ampliado, percentual acima dos 30,5% atuais, e para 40% dos alunos, o dobro dos 20,6% de agora. O PNE anterior previa que 50% das escolas públicas tivessem horário integral.

Quanto à educação profissional técnica, a intenção é elevar o percentual dos estudantes do ensino médio em cursos profissionalizantes de 14,5% para 50%. Das novas vagas, 45% devem ser abertas em escolas públicas. Outro objetivo é passar de 995 mil alunos para 3 milhões em cursos de qualificação profissional de 160 horas.

No total, o novo PNE tem 18 objetivos, que se desdobram em compromissos escalonados ao longo do tempo, totalizando 58 metas. O PNE em vigor não teve nenhuma de suas 20 metas cumpridas integralmente. Segundo o MEC, em média, 76% das 20 metas do PNE foram cumpridas. Teriam dificultado o avanço do plano a falta de recursos, as prioridades dos diferentes governos e a pandemia. Levantamento da Campanha Nacional pelo Direito à Educação apontou como parcialmente atingidas apenas as metas de formação de mestres, a quantidade de professores de ensino superior com mestrado e a expansão da rede pública na oferta de educação profissional.

Na nota divulgada no site do Ministério da Educação, o ministro Camilo Santana disse esperar a aprovação do PNE ainda este ano, para que tenha validade já a partir de 2025. O ministro está sendo muito otimista. Agora a tramitação promete ser mais barulhenta e marcada pela polarização. O Senado já aprovou a prorrogação do atual PNE até dezembro de 2025, que será analisada na Câmara. O Ministério da Educação não era favorável à ideia, mas desistiu de comprar essa briga e se comprometeu a apoiar a decisão dos deputados que analisarão a ampliação do prazo.

O presidente da Frente Parlamentar Mista da Educação, deputado Rafael Brito (MDB-AL), defendeu a prorrogação do atual plano até 2025 para garantir mais tempo para debater a nova proposta, e sugeriu a criação de uma comissão especial para discuti-lo. A proposta será levada ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Mas o presidente da Comissão de Educação da Câmara, deputado Nikolas Ferreira (PL-MG), ferrenho opositor do governo atual, considera o PNE uma das principais pautas do setor educacional este ano e deseja debater o projeto no colegiado. Ferreira pode escolher um relator alinhado a ele.

É natural a discussão a respeito de um tema tão relevante, mas nada justifica atraso tão grande em um campo em que os desafios são gigantes e o atraso, gritante. Os estudantes brasileiros continuam com desempenho sofrível nos testes do Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa) que compara o resultado em leitura, matemática e ciência entre os países da OCDE. Pela primeira vez, o Pisa mediu o pensamento criativo de estudantes de 64 países, e o Brasil ficou em 44º lugar, com 23 pontos, dez abaixo da média. É mais uma decepção e motivo para criar um consenso de que sem educação de nível o Brasil não vai a lugar algum.

STF precisa adotar um código de ética

Folha de S. Paulo

Manual de conduta da Suprema Corte dos EUA é sinal de inteligência institucional que deveria ser imitado no Brasil

Diga-se a favor do Fórum Jurídico de Lisboa que se trata de evento eclético. Debatedores variados compareceram ao encontro promovido pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, entre os quais advogados, empresários, autoridades do Judiciário e políticos, incluindo os seis candidatos à vaga de presidente da Câmara.

Mas não se diga mais nada em prol do mal-afamado "Gilmarpalooza", porque, nos termos em que ocorre, ele é indefensável. Sem transparência com as despesas da viagem e outros patrocínios, o convescote em Portugal cria uma aproximação desconfortável entre os julgadores da corte máxima e seus potenciais réus.

Esse problema, vale reconhecer, não é exclusivo do Brasil. No ano passado, por exemplo, ficou-se sabendo que membros da Suprema Corte dos Estados Unidos fizeram viagens luxuosas com empresários. Também foram revelados episódios em que ministros misturaram relações profissionais com possíveis interesses pessoais.

A diferença é que, quando confrontados pela opinião pública, os magistrados norte-americanos entenderam que suas atitudes individuais produziam impacto nocivo no tribunal. Por esse motivo, a exemplo do que ocorre em países europeus, o órgão decidiu publicar um código de conduta para orientar a atividade de seus membros.

Esse tipo de inteligência institucional tem escasseado no Supremo brasileiro. Lamentavelmente, são exceções os ministros capazes de apontar o comedimento e a compostura como deveres éticos de quem exerce a função judicante —e ainda mais raros os que demonstram impecável coerência entre palavras e ações.

A maioria prefere outro caminho: em vez de aceitar limites inerentes ao cargo, nega-os como se fossem desnecessários; em vez de evitar a promiscuidade, faz dela prática recorrente; em vez de observar inquestionável decoro, alimenta óbvios conflitos de interesses.

Talvez os ministros não percebam o malefício provocado por suas atitudes. Ocupando o ápice da carreira, eles servem de exemplo para todo o sistema de Justiça. Se as virtudes do Supremo constrangem quem se afasta da linha reta do direito, seus vícios têm o efeito oposto: são como sinal verde para comportamentos impróprios.

Há um meio simples de barrar a erosão de autoridade. Basta que o STF baixe um código de ética válido para seus integrantes, que hoje não se submetem nem ao Conselho Nacional de Justiça nem à Lei Orgânica da Magistratura Nacional.

Regras claras e sensatas, e o devido respeito a elas, constituem a melhor proteção para um tribunal encarregado de ser o Poder contramajoritário da República. Recusar-se a editá-las equivale a um ataque frontal à instituição.

Desaforos de Milei

Folha de S. Paulo

Sem atenção à diplomacia, argentino ataca Lula e outros líderes por ideologia

No que diz respeito às relações internacionais, o argentino Javier Milei age mais como um animador de auditório do que como um presidente da República.

Milei parece mais interessado em arrancar os aplausos de seu público cativo do que em cimentar boas relações com outras nações, que levem a acordos e negócios benéficos à tão combalida economia de seu país. E ele parece ter desenvolvido um método próprio de indispor-se com nações cujos líderes vê como adversários ideológicos.

O primeiro alvo foi a Espanha do premiê Pedro Sánchez. Em maio, Milei viajou ao país europeu para participar de uma convenção de partidos de ultradireita e chamou de corrupta a mulher de Sánchez, na época investigada por uma denúncia de tráfico de influência. Como represália, o espanhol retirou sua embaixadora de Buenos Aires.

Algo semelhante pode acontecer agora com o Brasil. O mandatário argentino vem intensificando seus ataques a Luiz Inácio Lula da Silva (PT) —o mais recente foi chamá-lo de "dinossauro idiota"— e deverá estar no Brasil no fim de semana para participar de um encontro conservador capitaneado pelos Bolsonaros.

Milei não procurou nenhuma autoridade do governo brasileiro e nem sequer informou o Itamaraty de sua viagem, o que viola as práticas diplomáticas. Ademais, cancelou sua participação na cúpula do Mercosul, que terá lugar no Paraguai no início da próxima semana.

Ele também já disparou contra o presidente colombiano Gustavo Petro ("comunista assassino") e acusou seu homólogo boliviano, Luis Arce, de ter encenado uma tentativa de golpe militar. Nem o papa, um conterrâneo, foi poupado de termos como "imbecil", "comunista" e "representante do maligno".

As relações entre países deveriam estar acima das pessoas que eventualmente os comandam. Não se pode responsabilizar Lula pelo comportamento inadequado do vizinho, mas o brasileiro faria bem se, no futuro, não se envolvesse tão diretamente nos processos eleitorais de outras nações, como fez em relação à Argentina.

O silêncio é de ouro

O Estado de S. Paulo

Para Lula da Silva, a economia vai bem, mas o mercado promove um ataque especulativo contra o real. O que ele ignora é que suas declarações não contribuem em nada para ajudar os mais pobres

Demorou, mas as imprecações diárias do presidente Lula da Silva contra o mercado e o presidente do Banco Central (BC) começaram a gerar incômodo até mesmo entre seus aliados. Antes tarde do que nunca, uma vez que é questão de tempo para que o efeito das cotações do dólar chegue à economia real.

Reunido com economistas no fim de semana, Lula da Silva parece finalmente ter assimilado a informação. Ontem, durante o lançamento do Plano Safra da Agricultura Familiar, questionado sobre se achava que o Banco Central deveria intervir no câmbio para conter a desvalorização do real, o presidente respondeu que falaria apenas sobre arroz e feijão.

O comedimento de Lula da Silva trouxe algum alívio nas cotações do dólar, mas seria ingenuidade acreditar que ele tenha se convencido de que suas declarações contra a autonomia do BC e a responsabilidade fiscal foram um erro.

Afinal, não se pode esquecer que, no dia anterior, Lula da Silva havia sugerido que o governo faria “algo” para conter a desvalorização da moeda – frase que levou o dólar ao maior valor desde janeiro de 2022.

Sem que Lula esclarecesse o que quis dizer com isso, o mercado passou a aventar a possibilidade de que o presidente adotaria medidas de controle de capitais, como a alteração do IOF que incide sobre operações cambiais. Por mais absurda que a ideia pareça, ela ainda é mais factível que a possibilidade de o governo cortar despesas ou propor reformas estruturais, que é o que de fato teria efeito benéfico sobre o câmbio.

Mas a subida do dólar foi tão intensa que finalmente acendeu um alerta no governo sobre seus impactos na inflação. Não é segredo para ninguém que as cotações do dólar afetam os preços de maneira geral, sobretudo o de insumos importados.

Basta analisar a balança comercial para perceber o estrago que o câmbio pode causar nos itens que lideram as importações brasileiras, como combustíveis, adubos, fertilizantes químicos, produtos manufaturados, máquinas e equipamentos, semicondutores, autopeças e trigo, entre outros.

Talvez o presidente precise ser lembrado de que o País ainda precisa adquirir gasolina e diesel no exterior para abastecer o mercado interno. Se a situação ainda não piorou, é somente porque a patriótica Petrobras decidiu “abrasileirar” os preços em maio do ano passado e não autorizou nenhum reajuste na gasolina e no diesel neste ano, o que tem ajudado a segurar a inflação.

Segundo a Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), a Petrobras teria de elevar a gasolina em R$ 0,67 por litro e o diesel, em R$ 0,73 por litro, para equiparar os preços aos praticados no exterior. Enquanto o dólar não recua, a companhia tem de arcar sozinha com essa diferença, que, no passado recente, gerou perdas bilionárias e por muito pouco não levou a companhia à ruína.

Os efeitos do aumento de preços no agronegócio e na indústria, por óbvio, chegam também ao comércio e aos serviços, ainda que com alguma defasagem. Não por acaso, parte do mercado já não descarta mais a necessidade de um novo aumento da taxa básica de juros ainda neste ano. Embora a Selic esteja em 10,5%, a curva de juros futuros projeta que ela terá de ser elevada.

Para Lula da Silva, a economia vai bem, mas o mercado realiza um ataque especulativo contra a moeda brasileira. O que ele ignora é que suas declarações não contribuem em nada para ajudar os mais pobres, que são os mais prejudicados pelo aumento da inflação.

O mercado, de certa forma, colabora para turvar a percepção do governo sobre a conjuntura macroeconômica – que, sob o ponto de vista do Executivo, não justifica tamanha desvalorização da moeda. O arcabouço fiscal, afinal, sempre teve como foco a ampliação de receitas, não é de hoje que o governo não tem maioria no Congresso para fazer sua agenda avançar, e Lula da Silva sempre demonstrou enorme resistência a medidas de redução de despesas.

Quem acreditou que o governo teria algum juízo e faria diferente o fez por pura fé. Lula da Silva, no entanto, ajudaria muito se ao menos ficasse quieto e deixasse de jogar mais lenha na fogueira. Sabe-se, no entanto, que seu silêncio é temporário.

Uma proposta indecorosa

O Estado de S. Paulo

Proposta de Pacheco para renegociar dívidas dos Estados com a União é um ultraje. Mais do que rejeitar, governo Lula não deveria nem sequer aceitar discutir um acordo sob esses termos

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), elaborou um projeto de lei para permitir a renegociação das dívidas dos Estados com a União. A exemplo dos socorros anteriores, a proposta tem tudo para gerar perdas para o País, mas esta, em particular, tem aspectos realmente inovadores, para dizer o mínimo.

Parte-se do princípio de que qualquer acordo entre credores e devedores deve ser benéfico para ambas as partes. Quem está endividado busca fôlego financeiro para honrar a dívida, e a outra ponta vislumbra a chance de receber algo em troca desse gesto de boa-fé.

Eis a primeira inovação da proposta. Não foi a União, como credora, quem propôs os termos da proposta, mas um senador. O senador, em tese, poderia atuar de maneira isenta, tal qual um mediador a facilitar uma negociação entre as partes. Mas esse mesmo senador não apenas representa um dos Estados mais endividados do País, como é um potencial candidato ao governo desse mesmo Estado em 2026. É, portanto, parte interessadíssima no fechamento desse acordo.

Para aceitar qualquer proposta, o credor costuma estipular algumas condições que demonstrem um verdadeiro comprometimento do devedor com o acordo. Assim foi feito no passado recente. O governo federal assumia a dívida do Estado que, em troca, se comprometia a adotar medidas austeras, como reformas administrativa e previdenciária e privatizações de estatais – ações que requeriam sacrifícios em termos de popularidade e muita articulação política dos governadores. Caso os termos do acordo fossem desrespeitados e o devedor deixasse de honrar sua parte, o credor podia executar a dívida de maneira antecipada. Assim, Estados que deixavam de pagar as prestações da dívida com desconto podiam perder o direito de receber transferências constitucionais e voltar a ter de pagar a parcela integral de suas dívidas com a União.

Desta vez, a renegociação seria diferente. Segundo o Estadão, bastaria aos Estados anunciar investimentos genéricos em educação, infraestrutura e segurança pública, oferecer suas estatais à União para que elas sejam federalizadas e contribuir com um fundo de equalização que bancará ações em outros Estados que nada têm a ver com as dívidas renegociadas.

Ao que parece, o governo federal não se opõe a essa proposta indecorosa – ao menos, pelo que Pacheco tem declarado. Segundo ele, Estados que adotarem as três medidas – investimentos em educação, infraestrutura e segurança pública, contribuição para o fundo de equalização e a federalização de estatais – poderão zerar os juros da operação, hoje em 4% mais IPCA, e manter apenas a correção pela inflação.

Mais do que rejeitar, o governo Lula da Silva não deveria nem sequer discutir um acordo sob esses termos. Trata-se de um incentivo aos Estados gastadores, que jamais cumpriram os termos das propostas anteriores, e uma desmoralização daqueles que, ingenuamente, atuaram com algum grau de responsabilidade para colocar as contas em dia.

Federalizar estatais é o mesmo que aceitar um novo passivo, dado que essas empresas costumam ser um ralo por onde escoa o dinheiro público. Não é preciso imaginar o que pode ocorrer. Basta lembrar que a Eletrobras gastou R$ 25 bilhões, em 20 anos, para sustentar distribuidoras de energia federalizadas em uma renegociação anterior, até que elas fossem finalmente privatizadas.

Se essa proposta prosperar, a União pagará juros mais altos do que cobrará dos Estados para financiar sua própria dívida. Por fim, criar um fundo de equalização significa ampliar ainda mais a percepção do mercado sobre o risco fiscal em um momento crítico, em que o dólar chegou a ultrapassar a barreira de R$ 5,70 em razão das péssimas sinalizações que o governo tem dado nessa seara. Trata-se de um instrumento paralelo por meio do qual o dinheiro vai circular fora das amarras e restrições impostas ao Orçamento.

A sorte do governo Lula da Silva é que os Estados diretamente envolvidos nas discussões ainda não chegaram a um consenso sobre o acordo e – pasme o leitor – ainda consideram a proposta insuficiente para ajudá-los. Eis uma oportunidade de ouro para reiniciar essa discussão sob outros termos.

Freio de arrumação

O Estado de S. Paulo

Justiça foi prudente ao suspender a validade da lei que proíbe o turfe em São Paulo

É estranha a rapidez com que foi tratado pela Câmara Municipal de São Paulo o Projeto de Lei (PL) 691/22, que proibiu o uso de animais em atividades esportivas na cidade. Proposto pelo vereador Xexéu Tripoli (União) em 13 de dezembro de 2022, o PL 691/22 foi aprovado pela Casa no dia 26 de junho passado e sancionado pelo prefeito Ricardo Nunes (MDB) no dia seguinte. Nesse ano e meio de tramitação, só há registro de duas audiências públicas obrigatórias.

Na superfície, o projeto parece bem intencionado. Mas de boas intenções, como se sabe, o inferno está cheio. Desde o início, ficou claro que o grande alvo da Câmara Municipal era a proibição do turfe na cidade, a pretexto de coibir a “prática de jogos de azar” e, principalmente, os “maus-tratos” contra os cavalos. O projeto, porém, também serve a um interesse não escrito. No limite, pode culminar na desapropriação da valiosíssima área de 600 mil m2 do Hipódromo de Cidade Jardim, de propriedade do Jockey Club de São Paulo.

A bem da verdade, o Jockey Club deve R$ 856 milhões de IPTU à municipalidade, de acordo com os cálculos da Prefeitura. A desapropriação, portanto, é uma das cartas sobre a mesa. Mas o clube decerto não é o único devedor do Fisco municipal. Ademais, há sempre a possibilidade de negociação.

Sensível a essas nuances, a Justiça paulista acolheu um pedido do Jockey Club e suspendeu, na terça-feira passada, a validade da Lei n.º 18.147/24. Assim, a Prefeitura fica proibida de punir o clube por manter suas atividades até o julgamento do mérito da ação, ainda sem data marcada.

Não se pode condenar quem veja nessa correria para aprovar a lei a exploração eleitoreira da situação periclitante do Jockey Club, no melhor cenário, ou a abertura do poder público à especulação imobiliária, no pior. Em exposição de motivos, Tripoli argumentou que “a aversão à ideia de apostas em contenda com animais vem aos poucos se consolidando”, sem apresentar dados objetivos que corroborassem a asserção. Parece uma justificativa frágil.

Além disso, em que pese a opinião dos que não veem o turfe como um esporte, mas sim “uma prática extenuante” para os cavalos, como defende o vereador, parece haver uma deliberada confusão entre o que acontece no Hipódromo e o que acontece na clandestinidade das apostas em rinhas de galo, corridas de cães ou lutas entre pit bulls – estas sim, práticas que quase sempre levam à morte os animais.

Os cavalos do Jockey Club decerto são mais bem tratados do que muitos dos moradores sem-teto na capital paulista. E com estes o Legislativo municipal não parece estar tão preocupado, haja vista que passou em primeira votação um projeto de lei que multa quem doar comida aos sem-teto, impedindo, na prática, o exercício da caridade.

Igualmente estranha nessa história toda é a intenção do prefeito Ricardo Nunes de instalar um parque no lugar do Hipódromo de Cidade Jardim. Há três anos, estudos da própria Prefeitura revelaram que seria inviável criar um parque no local dadas as condições do terreno, entre outros fatores.

 

 

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