O Globo
Analistas se perguntam incrédulos por que os
cidadãos se voltam para alternativas antidemocráticas, chauvinistas e racistas
O establishment está chocado com a força da
direita populista nos Estados Unidos e
na França. O
Reunião Nacional, partido de Marine Le Pen e Jordan Bardella, deverá emergir do
segundo turno das eleições parlamentares da França, amanhã, como força política
mais importante do país. Nos Estados Unidos, as fraquezas de Biden fazem
de Donald
Trump o favorito para vencer as eleições de novembro. Aos avanços
políticos nos Estados Unidos e na França se somam a vitória, na Holanda, do
Partido da Liberdade de Geert Wilders (que por pouco não se tornou
primeiro-ministro), o consolidado governo de Giorgia Meloni na Itália e a
ascensão de Javier Milei na Argentina. A onda
global do populismo de direita parece um tsunami irrefreável.
Na França e nos Estados Unidos, analistas se perguntam incrédulos por que os cidadãos se voltam para alternativas antidemocráticas, chauvinistas e racistas. Centristas e progressistas se questionam, perplexos, como os franceses podem votar em massa no partido herdeiro da Frente Nacional e como os americanos podem votar em Trump depois de um primeiro governo desastroso e de terem testemunhado a invasão do Capitólio.
A pergunta está mal colocada. Há muitos anos
o populismo de direita está em ascensão, atendendo a legítimas demandas
populares: mais segurança, mais atenção e proteção à família e mais pluralidade
nas universidades e na mídia, entre outras coisas. O establishment político se
empenha demais em denunciar e combater as respostas oferecidas pelos
populistas, mas não foi capaz de se reformar para oferecer alternativas a essas
demandas legítimas da população. Pelo contrário, as forças de esquerda e de
centro consolidam seu distanciamento dessas questões, entendidas como “pautas
da extrema direita”.
É preciso um discurso político que demonstre
preocupação e solidariedade com o trabalhador que foi roubado e não tem mais
segurança para sair de casa. A agenda de direitos humanos para minimizar os
abusos da polícia, embora correta, não atende a essa inquietação.
É preciso um discurso que valorize, estimule
e proteja a família, núcleo fundamental de solidariedade e afeto num mundo “sem
coração” (como dizia Christopher Lasch). As denúncias de disparidades e
violências entre homens e mulheres, embora corretas, não atendem a essa
inquietação.
É preciso um discurso que reconheça que as
universidades e os meios de comunicação não são suficientemente plurais, do
ponto de vista político, especialmente se levarmos em conta a nova direita. As
políticas que buscam introduzir diversidade racial e de gênero nessas
instituições, embora corretas, não atendem a essa inquietação.
Enquanto nenhuma outra força política
oferecer com centralidade respostas alternativas adequadas a essas e outras
inquietações, continuaremos a ver prevalecer no debate político visões
punitivistas e violentas sobre segurança, vozes machistas e homofóbicas na
proteção à família e perspectivas de guerra cultural no tratamento dos
desequilíbrios dos meios de comunicação e das universidades.
A resposta intuitiva à ascensão da direita
populista é construir uma agenda alternativa e confrontar politicamente duas
visões de mundo antagônicas. No entanto a agenda da esquerda, do centro e até
da centro-direita tem sido percebida por muitos segmentos como evasão dessas
inquietações emergentes. É por isso que a força política da direita populista
tem sido duradoura.
Não é apenas isso. No afã de combater a
extrema direita, muitas vezes confundimos as forças políticas com a população
que as apoia. É um erro político grave, pois, ao identificar as respostas
preocupantes da direita populista com as inquietações legítimas dos eleitores,
corremos o risco de transformar o embate com os cidadãos numa falsa expressão
de antifascismo. É crucial distinguir entre as propostas das lideranças
populistas e as necessidades reais da população em busca de soluções para seus
problemas.
Muito bom, texto muito preciso e muito objetivo, extremamente didático! Parabéns ao autor, e ao blog que divulga seu trabalho.
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