O Estado de S. Paulo
Em vista das incertezas que cercam o resultado da eleição presidencial venezuelana, é possível considerar quatro cenários
Na eleição presidencial da Venezuela, que
será realizada no próximo domingo, a oposição tem chances reais de vitória
contra o regime autoritário de Caracas. As pesquisas mostram vitória tanto da
oposição como de Nicolás Maduro (certamente manipuladas).
O governo Maduro dificultou por todas as formas a indicação de um candidato competitivo de oposição. Dissidentes foram presos arbitrariamente, eleições foram fraudadas, eleitores foram cooptados com a distribuição de alimentos, 15 prefeitos contra o governo foram destituídos e 50 cabos eleitorais da oposição, nos últimos meses, foram presos. Por mudança de regras, apenas 1% dos 4,5 milhões de venezuelanos exilados, que poderiam votar no exterior (cerca de 25% do eleitorado nacional), poderá votar.
A oposição venezuelana, sempre dividida,
conseguiu, inicialmente, unir-se em torno de María Corina Machado, que havia
sido inabilitada pela Justiça Eleitoral de apresentar-se como candidata. Sua
substituta, Corina Yoris, professora de 80 anos, por dificuldades técnicas
colocadas pelo governo, não pôde inscrever-se, sendo substituída por Edmundo
González, diplomata, sem participação política.
A eleição ocorre depois de conversações dos
EUA, Brasil e países europeus com Maduro para realização de um pleito
transparente e justo em troca da suspensão de algumas sanções econômicas
impostas por Washington. Maduro aceitou os entendimentos e assinou com a
oposição um acordo em Barbados em outubro, comprometendo-se a realizar uma
eleição democrática. Pouco depois, rompeu o acordo com a desculpa de que os EUA
não ajudaram a Venezuela a recuperar o acesso às contas internacionais
congeladas, e as arbitrariedades continuaram. O presidente da Colômbia, Gustavo
Petro, apresentou a Maduro e aos líderes da oposição a ideia de que o vencedor
da eleição estendesse ao opositor alguma forma de anistia.
A situação às vésperas do pleito torna-se
ainda mais confusa quando se observa que o governo Maduro retomou as conversas
com os EUA, desconvidou a União Europeia a mandar observadores para a eleição e
segue com os preparativos para eventual ataque à Guiana.
Os problemas com a cúpula do regime –
investigação internacional por corrupção e abusos de direito, além de acusações
dos EUA de narcoterrorismo – poderão dificultar eventual saída de Maduro, que
conta com o apoio de grupos radicais (liderados pelo poderoso deputado Diosdado
Cabello) e, até agora, das Forças Armadas.
Em vista das incertezas que cercam o
resultado eleitoral, é possível considerar quatro cenários:
1) Vitória de Maduro: pelas informações
disponíveis e pesquisas de opinião pública até aqui, a vitória de Maduro só
poderá acontecer pela manipulação da apuração e dos resultados eleitorais,
aceita pelo Conselho Eleitoral, controlado pelo governo. Com poucos
observadores internacionais independentes – Carter Center, Tribunal Superior
Eleitoral (TSE) brasileiro –, essa atitude geraria forte reação internacional,
imposição de novas sanções econômicas à Venezuela e nova onda de refugiados
para o exterior.
2) Vitória da oposição: as pesquisas indicam
ampla vitória de González, pela maciça participação da população, urbana e
rural, votando contra o governo. Esse resultado pode ensejar uma reação
antidemocrática de Maduro ao se recusar a aceitar a vitória da oposição,
durante o período de transição de seis meses até a posse do novo governo,
gerando grave crise institucional. Para acalmar a cúpula do governo, González
poderia oferecer garantias confiáveis de segurança e uma possível anistia a
Maduro e a algumas autoridades do regime para fazê-los desistir do poder. Sem
anistia, dificilmente haverá transição. González não se pronunciou sobre essa
questão, afirmando em artigo nesta semana que, se vitorioso, promoverá a
reconciliação nacional.
3) Suspensão da eleição: o governo Maduro
denunciou supostos “planos violentos e desestabilizadores”, com a interferência
de agentes externos, especialmente dos EUA, e a ameaça de guerra civil, fatos
que, junto com uma ação militar contra a Guiana, podem ser invocados para adiar
a eleição.
4) Contestação da eleição: com as ameaças do
governo e as denúncias da oposição de prisões e restrições violentas ao voto
livre e democrático, é muito provável que qualquer resultado da eleição seja
contestado por um dos lados, o que torna incerto o reconhecimento do vencedor
no período de transição.
A reação do governo Maduro à voz das urnas
pode representar um forte constrangimento ao governo do PT. Lula da Silva
sempre apoiou Hugo Chávez e Maduro, classificando o regime atual de
democrático, mas procurou influir junto ao governo de Caracas para garantir
legitimidade das eleições pela transparência e lisura. Lula teria apoiado a
proposta de anistia apresentada pelo presidente da Colômbia e teria insistido
para que a União Europeia enviasse observadores para acompanhar a eleição e a
apuração. Maduro agora fala em “banho de sangue e guerra civil” em caso de
derrota na eleição. Lula declarou que vai reconhecer o resultado da eleição e
que “se assustou com” a ameaça de Maduro. O governo brasileiro vai manter o
apoio a Maduro se o resultado for contestado? A repercussão internacional
poderá respingar na credibilidade do governo Lula e deixar exposta a baixa
influência do Brasil na região.
25% do eleitorado venezuelano no exterior - IMPRESSIONANTE! Não imaginava que fosse tanta gente fora do país.
ResponderExcluirSão 21,4 milhões de eleitores na Venezuela. 4,5 milhões no exterior representam pouco mais de 20% deles. Um contingente muito expressivo, mesmo.
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