quinta-feira, 11 de julho de 2024

O que a mídia pensa| Editoriais / Opiniões

STF deve manter progressividade na Previdência pública

O Globo

Reforma de 2019 criou sistema justo para funcionalismo: quem ganha mais paga proporcionalmente mais

A reforma da Previdência aprovada em 2019 corrigiu uma injustiça histórica ao impor a servidores públicos federais a alíquota progressiva de contribuição. Ficou decidido que ela começaria em 7,5% para quem ganha até um salário mínimo e subiria de forma escalonada até 22% nos salários mais altos. Quem ganha mais paga proporcionalmente mais. Nada mais justo. Mas esse avanço está agora sob risco. A questão está em análise no Supremo Tribunal Federal (STF), com o placar empatado em 5 a 5. O voto decisivo será do ministro Gilmar Mendes, que pediu vista. Ministros que votaram pelo retrocesso deveriam reconsiderar a posição.

O caso chegou à Corte depois que a 5ª Turma Recursal Federal do Rio Grande do Sul condenou a União a restituir a uma servidora federal os valores descontados pela alíquota progressiva, por considerar que a tributação é confiscatória e fere o princípio de isonomia. Os ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Cármen Lúcia, Dias Toffoli e André Mendonça votaram pela inconstitucionalidade da alíquota. O relator, Luís Roberto Barroso, confirmou a legalidade e foi acompanhado pelos ministros Luiz Fux, Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin e Nunes Marques.

Isonomia é um conceito elástico, sempre usado por interessados em garantir direitos, jamais na hora de ampliar deveres. Quando a manutenção de regalias é posta em xeque, o argumento mais usado é o “direito adquirido”. Nessas ocasiões, ninguém quer falar em isonomia. A ideia de que todos merecem o mesmo tratamento vem à tona apenas quando é conveniente. Não por coincidência, os maiores inimigos da mudança nas contribuições previdenciárias estão na elite do serviço público.

Antes da reforma de 2019, os funcionários que haviam ingressado no serviço público até 2013 e não contribuíam para previdência complementar pagavam 11% de alíquota efetiva sobre toda a remuneração. Para aqueles com previdência complementar, valia a contribuição de 11% até um teto (R$ 7.790 em valores atuais), mesma regra para quem fora contratado depois de 2013. Os sindicatos dos servidores reclamam que as alíquotas pagas atualmente pelas faixas salariais mais altas estão muito acima dos 14% cobrados dos contratados pela iniciativa privada. Esquecem as muitas benesses do funcionalismo. E, sobretudo, que essa não é a questão colocada diante do Supremo.

Ainda que a anulação da progressividade pelo STF não tivesse nenhum impacto nas contas públicas, seria absurda. Mas ela tem — e o impacto não é pequeno. Ao jornal Valor Econômico, o economista Paulo Tafner declarou ser uma temeridade derrubar o sistema atual: “Os números ainda em fase preliminar apontam um impacto de R$ 300 bilhões para a União em dez anos”. A mesma reforma que impôs progressividade permite a alíquota linear de 14% na previdência de municípios e estados, patamar adotado em várias regiões do país. “A mudança afetaria as contas desses entes também”, diz Tafner.

O déficit do regime previdenciário de servidores federais, estaduais e municipais chegou a R$ 55 bilhões nos 12 meses encerrados em maio. A reforma de 2019 ajudou a reduzir esse buraco e foi uma tentativa bem-sucedida de corrigir injustiças. A progressividade da contribuição previdenciária foi um avanço. Por enquanto, a votação no STF ainda não está agendada. Quando chegar o dia, o país espera que os ministros deixem o corporativismo de lado.

Lei do Novo Ensino Médio representa avanço que deve ser celebrado

O Globo

Lula precisa sancionar logo as mudanças, para que comecem a ser implementadas em 2025

A Câmara aprovou enfim o projeto que promove mudanças no ensino médio, enviado pelo governo ao Congresso em outubro passado, depois de o Ministério da Educação (MEC) ter suspendido em abril a implementação da reforma de 2017. A aprovação, antes do recesso parlamentar, permite que as mudanças comecem já no ano que vem. Apesar das idas e vindas, a versão final, que segue para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, deve ser celebrada, por avançar em relação à lei atual.

O texto, em sua sexta versão, mantém os objetivos principais da reforma, como ampliar a carga horária, flexibilizar parte do currículo (de modo que estudantes possam escolher o que cursar) e articular o ensino regular com cursos técnicos. Além disso, corrige problemas que dificultavam a implementação das mudanças. Os principais eram o achatamento da carga destinada à formação comum a todos os alunos e a indefinição sobre a parte flexível do currículo (conhecida como “itinerários formativos”), dando margem a conteúdos questionáveis.

Em vez de um teto de 1.800 horas como hoje, a formação geral básica, com disciplinas como Português e Matemática, passará a ter um piso de 2.400 horas do total de 3 mil horas. Os itinerários formativos, mesmo com a flexibilidade, deverão seguir minimamente uma base nacional, cujas diretrizes serão traçadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) e pelo MEC.

Acertadamente, deputados descartaram parte das mudanças feitas no Senado, como a obrigatoriedade do ensino de espanhol. As escolas não teriam estrutura para cumprir a exigência, por falta de professores. Foi restabelecida também a necessidade de o Enem se adaptar às mudanças. O exame cobrará disciplinas tanto da formação geral básica quanto dos itinerários formativos, ainda que não imediatamente.

Apesar de o texto enviado ao Congresso ter sido modificado várias vezes, a aprovação é sinal de um consenso relevante numa área em que as divergências costumam emperrar decisões prioritárias para o desenvolvimento do país. A versão final é fruto de um acordo que envolveu governo, oposição e secretários de Educação em torno do relatório do deputado Mendonça Filho (União-PE). “A lei ficou bem melhor que a de 2017”, diz a presidente executiva da ONG Todos pela Educação, Priscila Cruz. “A bola agora está com os governos estaduais, que precisarão fazer uma boa gestão a partir das mudanças. Má gestão não se corrige com lei.”

Espera-se que a nova lei seja logo sancionada por Lula para que as secretarias de Educação possam se preparar. As matrículas para 2025 já começam no segundo semestre. Embora a Câmara tenha sido ágil para aprovar o texto antes do recesso deste mês e das eleições de novembro, nem todas as mudanças poderão ser implementadas no ano que vem, devido ao atraso. Mas houve avanço. O projeto do novo ensino médio tem muitos méritos. O maior deles é aperfeiçoar a proposta original sem sucumbir às pressões corporativas para revogá-la, como defendiam muitos dentro do próprio governo.

Indústria deve deixar para trás o marasmo e crescer bem no ano

Valor Econômico

Impacto positivo da queda dos juros no início do ano e promessas de programas de estímulos do governo animam as projeções

O otimismo embala as previsões para a indústria em 2024, apesar de um início de ano de produção em queda. A expectativa de crescimento da indústria de transformação e do impacto positivo da queda dos juros na produção de bens cujas vendas dependem do crédito animam as projeções. Além disso, há as promessas dos programas de estímulos lançados pelo governo, como o Mover e a Nova Indústria Brasileira (NIB).

A produção industrial caiu 1,5% em janeiro e mais 0,3% em fevereiro, interrompendo sequência de cinco meses de crescimento, iniciada em agosto, segundo o IBGE. A principal causa foi o recuo do setor extrativo, que está devolvendo parte do que ganhou em 2023, quando avançou bastante. A atividade extrativa diminuiu 6,9% em janeiro e 0,9% em fevereiro, influenciando o recuo dos bens intermediários, de 2,7% e 1,2% em janeiro e fevereiro. Os produtos alimentícios também tiveram desempenho ruim, explicando em parte a queda dos bens de consumo semi e não duráveis, de 0,4% em janeiro, neutralizada pela alta de 0,4% de fevereiro.

Por outro lado, o setor de transformação, que representa 85% do total da produção industrial, tem ficado estável. Também é motivo do otimismo o aumento de 9,3% dos bens de capital em janeiro e de 1,8% em fevereiro; e dos bens de consumo duráveis de 1,5% e 3,6%, respectivamente. A produção de bens de capital está no azul pela primeira vez em quase dois anos.

A expectativa é de maior equilíbrio entre o setor extrativo e o de transformação do que houve em 2023, quando o primeiro cresceu 8% e o segundo caiu 1%. O setor extrativo deve se recuperar ao longo do ano dada a importância do petróleo bruto e dos minérios. O FGV Ibre, que prevê crescimento de 2,6% da indústria neste ano, espera expansão de 3,8% da indústria extrativa e de 2,3% da transformação.

O Banco Central reviu para cima sua projeção de desempenho da economia e um dos fatores que influenciou a mudança foi o comportamento da indústria. A indústria de transformação avançará 2,7%, ante a expectativa anterior de 1,7%. A extrativa recuará de 3% para 2%, compondo o resultado do setor industrial de expansão de 2,7% no ano. O PIB cresceu mais do que se esperava no primeiro trimestre, o que elevou a perspectiva para o consumo das famílias (que representa dois terços do indicador pelo lado da demanda) e da formação bruta de capital fixo (de 1,5% para 4,5%). Ambos puxam a produção industrial e o último, a de bens de capital, que já tem bom desempenho.

A produção industrial até maio confirma estas grandes linhas. No ano, a fabricação de bens de consumo cresceu 3,7% em relação aos cinco primeiros meses do ano anterior, e a de bens de capital, 4,1%. A produção de alimentos, nos 12 meses até maio, avançou 5,2%, refletindo o avanço real dos salários e do emprego. Já a fabricação de máquinas e aparelhos elétricos aumentou nada menos que 9,9%.

O aumento da produção de veículos, entre automóveis, caminhões e ônibus, que já foi de 6,5% em fevereiro sobre janeiro, é um dos pontos de estímulo da indústria em geral e dos bens de capital. Há previsão da expansão para os automóveis e principalmente dos ônibus e caminhões, cuja produção foi prejudicada em 2023 pela mudança de padrão de motores.

Na onda do programa Mover, o governo comemorou em fevereiro que os investimentos anunciados pelas montadoras somavam cerca de R$ 97 bilhões até 2032. Estimativas do Valor se aproximam de R$ 105 bilhões nesta década, levando em conta projetos que estão em fase final e que tinham sido iniciados anteriormente (Valor 7/3). Já a Anfavea fala em mais de R$ 117 bilhões, incluindo iniciativas da indústria de caminhões e ônibus e os programas de máquinas agrícolas.

Finalmente, há a expectativa do NIB, pacote de R$ 300 bilhões a serem aplicados até 2026. O BNDES entrará com a maior parte dos recursos, R$ 250 bilhões, para o apoio a projetos de “neoindustrialização”. Os demais R$ 50 bilhões virão do caixa da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii).

Entre os projetos contemplados estão o desenvolvimento de motores elétricos para veículos, semicondutores para módulos de energia solar e a produção de hidrogênio a partir de biogás. Os recursos já liberados envolvem projetos voltados à inovação, produtividade, sustentabilidade e ampliação da capacidade exportadora, segundo informa o governo.

No que depender da expansão do crédito, não deve faltar recursos tanto para financiar a produção quanto as pessoas físicas. Em seu mais recente Relatório de Inflação, o Banco Central elevou a projeção para o crescimento nominal do saldo de crédito de 9,4% para 10,8% no ano. Boa parte da explicação para isso está nos programas de empréstimos criados para combater os efeitos da tragédia ocorrida no Rio Grande do Sul e financiar a reconstrução da infraestrutura, das moradias e o reerguimento das empresas do Estado. A revisão das expectativas para o consumo das famílias, que surpreendeu no primeiro trimestre, foi ainda maior: deverá aumentar de 10% para 11,5%. Maior expansão foi barrada pela interrupção da queda da taxa de juros em um patamar ainda restritivo.

Novo ensino médio merece outra chance

Folha de S. Paulo

Mudanças aprovadas no Congresso têm potencial para melhorar indicadores, conter evasão e sanar distorções da implantação

Câmara dos Deputados aprovou na terça-feira (9) a nova reforma do ensino médio. O texto, que agora segue para sanção presidencial, visa solucionar problemas surgidos durante a implantação das mudanças aprovadas em 2017 para enfrentar gargalos crônicos dessa etapa do ensino.

A reforma original expandiu a carga horária total de 2.400 horas para 3.000, sendo 1.800 para disciplinas tradicionais, como português e matemática, e 1.200 para optativas dos itinerários formativos.

O intuito era tornar o currículo mais atraente aos alunos, que poderiam privilegiar suas aptidões, melhorar indicadores de aprendizado e diminuir a evasão escolar.

Mas a infraestrutura, material e de pessoal, da educação brasileira não deu conta da missão. Falta de professores, laboratórios e material didático dificultaram a implantação eficiente das mudanças.

Assim, o projeto ora aprovado aumenta a carga horária das disciplinas tradicionais para 2.400 horas. As 600 horas restantes ficam reservadas para os itinerários em cinco áreas: linguagem, matemática, ciências humanas, ciências da natureza e ensino técnico.

O texto prevê que o Ministério da Educação, em colaboração com as redes de ensino, elaborará diretrizes nacionais e revisão contínua dos itinerários —agora chamados de "percursos de aprofundamento e integração de estudos".

Tal disposição era uma das demandas de gestores, já que a falta de parâmetros claros gerou número demasiado de disciplinas, muitas precárias e de pouca utilidade.

Para alunos que cursam o ensino médio integrado ao técnico, a carga comum cai para 2.100 horas —sendo que 300 horas desse montante podem ser usadas para matérias tradicionais que sejam relacionadas com a formação específica.

As alterações podem sanar falhas da reforma de 2017, como a desordem dos itinerários e o corte, que se mostrou excessivo, da carga horária de disciplinas obrigatórias.

A valorização do ensino técnico é fundamental, dado o atraso do Brasil nesse setor importante para o desenvolvimento do país, a geração de renda e a realização profissional de jovens que não têm interesse pela carreira acadêmica —segundo pesquisa do Datafolha, dentre os que afirmam conhecer o novo ensino médio, 49% desejam cursar o modelo técnico.

Os problemas surgidos no estabelecimento da reforma foram usados como justificativa, por setores corporativistas, para derrubá-la.

Mas, considerando as altas taxas de reprovação e evasão nessa etapa, governo e Congresso fizeram bem ao não cederam às pressões. Ajustar o novo ensino médio foi a medida mais sensata em prol dos estudantes brasileiros.

Alívio de curto prazo

Folha de S. Paulo

Inflação de junho reduz temores sobre juros, mas não basta para melhorar cenário

Divulgado nesta quarta-feira (10), o IPCA de junho mostrou inflação ao consumidor de 0,21%, abaixo das expectativas gerais. Ao menos por ora, o resultado contribui para reduzir tensões em torno da política de juros do Banco Central.

O detalhamento da taxa do mês passado mostra boas notícias relevantes. A inflação de alimentos, que tem impacto direto no bem-estar da maioria da população, mostrou sensível recuo —de 1,38% em janeiro para 0,44%, menor cifra do ano— e também surpreendeu positivamente os analistas.

Parece ter ficado para trás o pior do efeito da tragédia climática no Rio Grande do Sul, que havia afetado preços agrícolas em maio. O IPCA de Porto Alegre (o índice é pesquisado em 16 capitais e regiões metropolitanas) registrou queda de 0,14% em junho, ante alta de 0,87% no mês anterior.

Por fim, o índice de difusão da inflação, que aponta quantos dos bens e serviços pesquisados pelo IBGE ficaram mais caros no mês, foi de 52% —o menor apurado neste 2024, iniciado com 65%.

Num primeiro momento, os números de junho foram bem recebidos nos mercados, com queda da cotação do dólar e alta da Bolsa de Valores. Tendem a perder força, em tese, apostas numa alta dos juros do BC —ainda mais porque Luiz Inácio Lula da Silva (PT) dá uma trégua nos ataques ao órgão.

Não é o bastante, porém, para uma melhora sólida das expectativas e do ambiente econômico. O IPCA acumulado em 12 meses está em 4,23%, o que não permite descartar o risco de estouro do teto de 4,5% a ser respeitado pelo BC (meta de 3% mais tolerância de 1,5 ponto percentual).

A inflação dos serviços, a mais resistente, caiu para apenas 0,04% em junho, mas graças a uma queda aguda e circunstancial dos preços das passagens aéreas. Em 12 meses, ainda marca 4,47%.

Esse cenário não permite antever uma retomada dos cortes de juros. Para tal objetivo, o governo petista precisa contribuir com medidas palpáveis de controle de despesas, uma boa indicação para o comando do BC e, se não for pedir demais, declarações menos insensatas do presidente da República.

Elogio à irresponsabilidade

O Estado de S. Paulo

Proposta de Pacheco para renegociar dívidas dos Estados com a União privilegia devedores contumazes e desmoraliza o esforço dos governos regionais que mantêm suas contas em dia

O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), apresentou nesta semana o projeto de lei que visa a renegociar as dívidas dos Estados. Os termos da proposta inicial já haviam sido criticados por este jornal, mas o senador conseguiu piorar o que já estava ruim. E nem poderia ser diferente. Como diria o Barão de Itararé, de onde menos se espera, daí é que não sai nada mesmo.

Pacheco já havia revelado que sua intenção era elaborar algo que pudesse ser equiparado ao Refis, programa que permite aos contribuintes renegociar suas dívidas com a União em condições mais favoráveis, como descontos sobre multa e juros. É uma excelente comparação. Ao longo dos anos, o Refis se tornou um acrônimo justamente por suas sucessivas reedições, que beneficiaram, sobretudo, a figura do devedor contumaz, ou seja, aquele que sempre adere ao Refis e sempre descumpre seus termos à espera da próxima renegociação.

Essa mesma lógica está por trás das recorrentes renegociações das dívidas dos Estados com a União. Diante da recorrência com que o tema volta a dominar a pauta nacional, incautos podem imaginar que a situação da maioria dos Estados brasileiros beira a insolvência e que o País não pode deixar os entes federativos mais vulneráveis à míngua.

Nada mais distante da realidade. Os quatro maiores devedores, ironicamente, são os quatro Estados mais ricos do País. São Paulo deve cerca de R$ 293 bilhões; Rio de Janeiro, R$ 166 bilhões; Minas Gerais, R$ 154 bilhões; e Rio Grande do Sul, R$ 104 bilhões. Isso, por si só, seria suficiente para suscitar alguma dúvida sobre a pertinência da proposta.

Mas há muitos outros pontos igualmente duvidosos nesse texto. Devastado pelas enchentes e ainda longe de se recuperar plenamente, o Rio Grande do Sul conseguiu suspender o pagamento de suas dívidas com a União por três anos, período ao longo do qual terá os juros perdoados.

São Paulo, por sua vez, está em dia com suas obrigações financeiras e gera receitas suficientes para arcar com o serviço da dívida, como atestou o próprio secretário da Fazenda, Samuel Kinoshita, ao jornal Valor Econômico.

O Rio de Janeiro é um caso à parte. Na penúltima renegociação, a privatização da Cedae se tornou uma das contrapartidas assumidas pelo Estado, e as ações da empresa foram colocadas como contragarantia a um empréstimo tomado de uma instituição financeira. A Cedae foi vendida, o Estado deu calote no banco e a União teve de honrá-lo – um absurdo respaldado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). O dinheiro, claro, já foi gasto.

Chega-se então ao caso de Minas Gerais, que tenta obter, no STF, pela terceira vez, o prazo de adesão ao Regime de Recuperação Fiscal. O governador Romeu Zema nunca conseguiu apoio político suficiente da Assembleia Legislativa para privatizar estatais como Cemig, Copasa e Codemig.

Eis que surge então o senador Rodrigo Pacheco, com seu projeto no qual a federalização de estatais poderá reduzir a correção da dívida de Estados com a União. Há ainda a indecorosa proposta de amortizar os débitos com créditos inscritos na dívida ativa, cuja recuperação é improvável, se não impossível.

Toda a proposta do senador, potencial candidato ao governo do Estado em 2026, parece ter sido feita sob medida para atender aos interesses de Minas Gerais, a começar pela escolha do relator, Davi Alcolumbre (União-AP), eminência parda do Senado.

Mas Pacheco parece ter se esquecido de que precisaria do apoio da maioria dos senadores para dar andamento ao projeto, bem como do aval do principal interessado – a União. O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, esquivou-se ao comentar a proposta, limitando-se a dizer que seu objetivo era evitar que houvesse impacto primário nas contas do governo, o que é o mínimo.

Não se pode perder de vista que a União, atualmente, financia sua dívida com juros reais de mais de 6% ao ano – mais que os 4% a que os Estados estão sujeitos atualmente. Um projeto tão danoso ao contribuinte, que não exige contrapartidas, ridiculariza o esforço dos Estados que mantêm suas contas em dia e que concentram a renda entre os mais ricos, merece ter como destino o arquivo do Senado.

Democracia não é questão de fé

O Estado de S. Paulo

Governo quer que o País simplesmente acredite que não houve nada irregular nos estranhos encontros que manteve com empresa beneficiada por MP. Ora, isso não é democracia

O presidente Lula da Silva assinou uma medida provisória (MP) há poucas semanas que, em prejuízo dos consumidores de energia de todo o País, salvou o caixa da deficitária Amazonas Energia e, assim, beneficiou diretamente outra empresa do segmento, a Âmbar, controlada pelos irmãos Joesley e Wesley Batista, donos do Grupo J&F. As implicações dessa manobra, em tudo contrária ao melhor interesse público, já foram comentadas nesta página, no editorial A conta da farra é sempre do consumidor, publicado em 18/6/2024.

Por meio da Lei de Acesso à Informação, o Estadão acaba de revelar um fato que torna essa operação de salvamento da Amazonas Energia ainda mais suspeita do que já era. Entre junho de 2023 e maio deste ano – ou seja, até pouco antes de Lula editar a MP que tanto agradou aos irmãos Batista –, altos executivos da Âmbar foram recebidos ao menos 17 vezes no Ministério de Minas e Energia (MME) sem qualquer registro na agenda oficial do ministro Alexandre Silveira e do secretário executivo da pasta, Arthur Cerqueira.

O controle de acesso ao prédio do MME, obtido por este jornal, mostra que, além de Silveira e Cerqueira, o secretário nacional de Energia Elétrica, Gentil Nogueira, e o então secretário executivo da pasta, Efraim Cruz, também mantiveram seguidos encontros com os enviados da Âmbar Energia sem a devida publicidade. A reunião final, ocorrida em 29 de maio, foi entre o ministro Alexandre Silveira e o presidente da empresa, Marcelo Zanatta. Duas semanas depois, no dia 13 de junho, Lula assinou a MP.

Em tese, poder-se-ia assumir como trivial o encontro entre as autoridades do MME e os executivos da quarta maior geradora de energia a gás natural do País em capacidade instalada. Mas 17 reuniões, sobretudo em tão curto espaço de tempo e principalmente sem transparência alguma, aguçam o ceticismo até dos cidadãos que desejam acreditar nas supostas boas intenções do governo – pois é isso, afinal, o que o sr. Silveira espera de todos: que simplesmente tenham fé em seu espírito republicano.

O ministro de Minas e Energia jura que em nenhuma dessas reuniões com representantes da Âmbar foram discutidos os termos da MP assinada por seu chefe. O fato de a Âmbar ter sido beneficiada financeiramente com a edição da medida – que, ademais, é bastante discutível no que concerne aos requisitos de “relevância” e “urgência”, haja vista que não é de agora que a Amazonas Energia apresenta maus resultados – não teria sido mais que uma “mera coincidência”, segundo Alexandre Silveira. Mais uma vez, estamos no terreno da fé.

Esse mistério envolvendo cifras bilionárias e interesses opacos é contraditório, para dizer o mínimo, para o governo de um presidente que não perde uma oportunidade de se jactar por ter “salvado a democracia” no Brasil. Ora, numa democracia digna do nome, aqueles que exercem o poder em nome do povo não podem sonegar informações que permitam ao povo fiscalizá-los. Por isso, a publicidade é um dos princípios regentes da administração pública consagrados pela Constituição. É dever das autoridades, portanto, garantir a publicidade de seus atos públicos, ressalvados os casos – raríssimos e previstos em lei – em que o sigilo se impõe como medida de resguardo do interesse nacional.

Em essência, nada difere essa verdadeira ocupação do MME pelos executivos da Âmbar daquela feita por pastores no Ministério da Educação no governo de Jair Bolsonaro. Em ambos os casos, a transparência foi sacrificada no altar de interesses que os cidadãos comuns, pagadores de impostos, não conseguem alcançar.

Mais uma vez, que fique claro: não se trata de duvidar, por princípio, da integridade de quem quer que seja, e sim de exigir que haja o máximo possível de informações para que os brasileiros possam avaliar quais interesses estão de fato prevalecendo nas estranhas relações entre o Ministério das Minas e Energia e uma empresa privada. No escuro, não há democracia.

A irrelevância do Mercosul

O Estado de S. Paulo

Quando a ausência de um dos chefes de Estado na cúpula é a notícia, algo vai mal

Uma reunião de cúpula do Mercosul cuja principal notícia é a ausência de um dos chefes de Estado, o argentino Javier Milei, retrata perfeitamente a insignificância do bloco sul-americano.

O acirramento de divergências ideológicas que colocam interesses políticos dos líderes de alguns dos sócios do Mercosul acima dos objetivos do bloco econômico deu a tônica de um encontro com declarações vazias e um documento final anódino. Diante de desafios maiores, perdeu todo o bloco.

Não é de hoje que o Mercosul falha em sua missão de colocar os países-membros – Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e agora Bolívia – em destaque no mercado global, o que, sem dúvida, atravanca o desenvolvimento regional. Criado há mais de 30 anos, o bloco deveria estimular o livre-comércio e defender a democracia. Mas, nos últimos tempos, chefes de Estado duelam por pautas estranhas aos objetivos de longo prazo do Mercosul para agitar suas militâncias internas.

Prova mais recente disso é que Milei preferiu viajar a Balneário Camboriú (SC) para participar de um convescote da extrema direita ao lado do ex-presidente Jair Bolsonaro, que quando era presidente também faltou à cúpula do Mercosul por pura picuinha. Estivesse à altura do cargo que ocupa, o argentino teria apresentado as suas propostas aos seus pares. Coube à sua chanceler, Diana Mondino, pedir reformas para que o bloco deixe de ser “pequeno, medroso, protecionista e estagnado” e se torne mais “voraz”. Está certíssima.

Milei perdeu, ainda, a chance de se alinhar ao presidente uruguaio, Luis Alberto Lacalle Pou, na defesa de negociações bilaterais entre integrantes do Mercosul com outros blocos ou países. Antes isolado na empreitada, o Uruguai pede a revisão das regras do bloco para que venha a firmar acordos comerciais com a China. O posicionamento de Brasil e Argentina sempre tem peso, haja vista que se trata dos dois maiores países do bloco.

Resistente a qualquer proposta de Milei, o presidente Lula da Silva afirmou, por sua vez, que os países devem resolver suas diferenças “dentro do bloco, e não fora dele”. O que o petista rejeita mesmo é um “choque de adrenalina” no Mercosul, como o defendido por Mondino, com revisão do orçamento, das tomadas de decisão e da dinâmica interna. O petista tachou a ideia de “pseudorreforma” que “afasta o Mercosul de suas bases sociais”.

Em que pesem os nós do Mercosul, o petista, mais uma vez, apequenou o debate com manifestações calculadas apenas para atiçar a polarização com o desafeto argentino. Em discursos, Lula da Silva criticou o “ultraliberalismo” e o “nacionalismo arcaico”, como se sua saga pelo desenvolvimentismo não representasse a perseverança no atraso.

No que realmente importa, como o destravamento do acordo comercial Mercosul-União Europeia, parado há mais de 20 anos, o petista não admitiu o fracasso da suposta liderança que chamou para si. Enquanto isso, por esforços diplomáticos, o bloco vai buscando acordos pouco relevantes com países do Oriente Médio, América Central e Ásia. Entre discursos e comunicados, restaram contradições e muito diversionismo, o que só explicitou a irrelevância do Mercosul.

Vazamentos podem ofuscar atrativos do Pix

Correio Braziliense

Mal acabou de comemorar um número inédito de transações por Pix, o Banco Central anunciou mais um vazamento de dados — o sexto do ano. São 11 comunicados desde o lançamento da modalidade, em 2020

Em funcionamento há quase quatro anos, o sistema brasileiro de transferência financeira instantânea, o Pix, é, sem dúvidas, uma das maiores inovações do mercado. Bate recorde sucessivos de transações e é reconhecido internacionalmente por suas vantagens, como agilidade nos pagamentos e inclusão financeira. Não faltam também desafios para manter esse status — e garantir a segurança aos usuários é o principal deles. 

Mal acabou de comemorar um número inédito do Pix —  na última sexta-feira, foram registradas 224,2 milhões de transações com a modalidade em um único dia, movimentando o valor recorde de R$ 119,4 bilhões —, o Banco Central anunciou mais um vazamento de dados — o sexto do ano. Desta vez, quase 40 mil chaves de clientes da 99Pay Instituição de Pagamento S.A foram expostas. São 11 comunicados desde o lançamento da modalidade. Mais da metade deles, portanto, conhecidos nos últimos sete meses, sinalizando a necessidade de um fortalecimento constante de medidas de segurança.

No caso mais recente, o BC informou, ontem, que não foram expostos dados sensíveis, como senhas ou movimentações financeiras, apenas informações cadastrais dos usuários. Ainda assim, não se garante tranquilidade. Segundo especialistas, a chave Pix é, geralmente, o CPF/CNPJ, o celular ou um e-mail, e essas informações podem ser suficientes para a abertura de uma conta ou a emissão de um boleto falso.

Além de prejuízos aos usuários, os casos recorrentes de vazamento de dados tensionam atrativos da modalidade de pagamento instantâneo. Um deles é a inclusão. O Pix permitiu que pessoas que não tinham acesso a serviços bancários pudessem começar a fazer transações financeiras — essa realidade passou a fazer parte da vida de mais de 71 milhões de brasileiros, calcula o BC. Nesse universo de novos clientes, há muitos sem familiaridade com o mundo virtual e suas constantes inovações, o que os transforma em presas fáceis para os crimes cibernéticos.

Outra vantagem atribuída ao Pix é a possibilidade de maior controle nas relações financeiras, com recursos tecnológicos que aprimoram a segurança. Como todas as operações são rastreáveis, por exemplo, facilita-se a identificação de atividades suspeitas. Há também a expectativa de redução da circulação do dinheiro em espécie e, consequentemente, de crimes para subtraí-lo, como as famosas "saidinhas de banco".

O que não se pode, porém, é transferir esse cenário de tensão e incertezas para as transações digitais. Nem repassar a conta pela salvaguarda das movimentações financeiras para os usuários. Empresas participantes do sistema Pix precisam ser mais proativas no enfrentamento do problema, aprimorando constantemente seus modelos de prevenção e detecção de fraudes.

Há de se destacar que, em setembro, o Banco Central endureceu as penas para as instituições financeiras em casos de vazamento de dados do Pix. O cálculo das multas passou a ser proporcional ao número de chaves afetadas — ou seja, quanto maior o vazamento, maior o valor da punição. Antes, considerava-se o tipo de instituição e o percentual do total de transações no sistema de pagamentos. 

A medida adotada pela autarquia, porém, destoa do aumento na frequência de vazamentos neste ano. Fica claro, portanto, que há uma necessidade de vigilância rigorosa e constante do sistema de transação financeira instantânea. Principalmente porque novas funcionalidades, como o Pix com cartão de crédito e o pagamento por aproximação, tendem a deixar a ferramenta ainda mais popular.

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