Folha de S. Paulo
Em novo livro, intelectuais judeus buscam resgatar um sentido emancipatório da judaicidade, cada vez mais silenciado por um Estado israelense militarizado que se coloca como guardião de uma história secular de perseguição. A partir desse caso dramático, "O Judeu Pós-judeu" reflete sobre os limites e os riscos de perspectivas que recorrem às noções de identidade e trauma social para lidar politicamente com legados de opressão
"Em certos momentos, face a
acontecimentos públicos, sabemos que devemos recusar [...]. Há uma razão que
não aceitamos, há uma aparência de razoabilidade que nos causa horror, há uma
oferta de acordo e de conciliação que não mais escutaremos."
Essa é uma afirmação de Maurice Blanchot que
abre "O Judeu Pós-judeu: Judaicidade e Etnocracia" (n-1
edições), de Bentzi Laor e Peter Pál Pelbart. Ela expressa nitidamente a
natureza desse livro recém-lançado, tão singular quanto necessário.
A escrita da obra nasce de uma recusa. Dois intelectuais judeus, um morando no Brasil —conhecido como um dos grandes nomes da filosofia nacional, leitor rigoroso de Deleuze, Foucault, Nietzsche, editor com intervenções políticas maiores nesses últimos anos— e outro morando em Israel —dividindo seu tempo como engenheiro com atuação no setor de alta tecnologia e ativista ligado a ONGs de defesa de palestinos.
Dois intelectuais que decidem usar sua
capacidade analítica e sua memória histórica para recusar o horror de ver o
nome de seu pertencimento comunitário usado para nomear a indiferença à
violência do massacre.
O livro, nesse sentido, não é apenas fruto de
um gesto de recusa. Ele também nasce de um desejo de resgatar um sentido
emancipatório da experiência da judaicidade, presente nessa impressionante
tradição messiânica herética que vai de Franz Rosenzweig a Walter
Benjamin e Jacques Derrida, entre outros, mas que aparece
atualmente cada vez mais distante e silenciada. Tema esse também presente em
trabalhos maiores de outro intelectual vinculado a tal messianismo herético:
Michael Löwy.
Daí o par presente no subtítulo do livro,
"judaicidade e etnocracia". Ele expressa o desejo de se compreender
como legatário de uma história de "sofrimento, perseguição, exílio, fuga,
sobrevivência" sem que tal legado se consolide na defesa de uma etnocracia
que usará a experiência do trauma social para justificar a militarização da
sociedade e práticas de
apartheid, além da violência contra palestinos e palestinas descrita,
perante a Corte Internacional de Justiça, como genocidária.
Há semanas, vimos países como a França
escaparem por pouco de serem, neste exato momento, governados por um partido de
extrema direita com vínculos orgânicos com o colaboracionismo da República de
Vichy, com o colonialismo e com discursos e práticas abertamente racistas,
xenófobas e supremacistas.
Não será um sintoma menor ver esse mesmo
partido mobilizar o
discurso do antissemitismo contra seus adversários de esquerda,
em larga medida simplesmente comprometidos com a causa palestina, e receber
apoio aberto de setores expressivos da comunidade judaica de seu país. Como se,
para esses setores, estivéssemos diante de um "mal menor".
Haverá, contudo, quem se pergunte como foi
possível essa inversão que faz da extrema direita mundial aliada objetiva das
políticas hegemônicas na sociedade israelense contemporânea, seja ela figurada
em Marine Le Pen, Donald Trump ou Jair
Bolsonaro. Aqueles que lerem o livro de Laor e Pelbart, em vez de
seguir esse caminho macabro que vemos em analistas políticos brasileiros que
procuram normalizar a extrema direita, podem encontrar uma importante reflexão
a esse respeito.
A tese dos autores é que o risco desse
alinhamento com a extrema direita era uma possibilidade sempre presente no
projeto de constituição do Estado de Israel e sua permeabilidade a acordos com
forças teológico-políticas que visavam consolidar um horizonte de etnocracia
por meio daquilo que o livro chama de "combinação explosiva entre halachá (a
lei religiosa) e o Estado".
Forças essas que voltam hoje como operadores
centrais do jogo político, o que coloca questões importantes sobre a
permeabilidade de nossas "democracias ocidentais" ao horizonte
teológico-político.
No entanto, longe de apenas servir para a
descrição de um caso específico e dramático, o livro aponta para um problema
ainda mais estrutural que diz respeito aos riscos e limites dos usos de noções
como identidade e trauma social no campo da política contemporânea,
principalmente quando esses usos são mobilizados para a justificação da
existência de um Estado.
Por isso, o livro de Laor e Pelbart é um
documento fundamental para refletirmos sobre outras perspectivas políticas que,
a partir da experiência concreta da opressão, creem encontrar refúgio e
horizonte de luta mobilizando continuamente a identidade e a fidelidade ao
trauma irreparável.
De fato, a afirmação da identidade pode
inicialmente aparecer como modo de defesa contra experiências de violência e
vulnerabilidade. Ela permite a consolidação da partilha da memória dos traumas
sofridos, a construção de espaços de identificação e de luto.
A identidade, porém tem dois tempos. Há
sempre o risco de ela paulatinamente se tornar um dispositivo de imunização,
principalmente quando gerida pela figura de um Estado que se coloca como
guardião do trauma coletivo. Pois, nesse caso, tudo se passa como se o Estado
começasse a dizer: "Fomos violentados uma vez, ninguém velou por nós,
temos pois todo o direito de utilizar o que for necessário para garantir nossa
inviolabilidade e segurança contra todos os que apareçam colocando novamente em
risco nossa integridade".
Pode-se dizer que essa é uma premissa que
constitui o direito de defesa próprio a todo e qualquer Estado no mundo, mas
seria o caso de lembrar, no caso da história recente israelense, que nenhum
direito de defesa significa direito de massacre, que há um elemento importante
a ser levado em conta quando a experiência do massacre sistemático do outro
produz em mim apenas a pura indiferença e insensibilidade, além do desejo de
definir quem irá ocupar minhas fronteiras.
Seria também o caso de se perguntar se o
argumento do direito de defesa continua a valer quando recebo reações vindas
de um território
que ocupei ilegalmente durante mais de 50 anos, ignorando de forma
soberana toda e qualquer lei internacional que me obriga à desocupação
imediata.
Daí uma colocação tão central como esta que
encontramos no livro: "Coabitar não é uma escolha, mas sim uma condição da
vida política. Os eventos posteriores a 7 de outubro indicam que Israel quer
decidir qual população não deve lhe fazer fronteira, e já está em curso um
movimento que reivindica a remoção da população de Gaza [...]. Isso nada tem a
ver com defesa, mas com despossessão".
Ou seja, a transformação do Estado em
guardião do trauma social impede a consolidação de uma disposição genérica que
aponte para uma solidariedade indiscriminada com toda situação de violência
semelhante àquela sofrida, independentemente de quem seja agora o oprimido. Ela
impede a compreensão de que o sujeito capaz de guardar o trauma social não é o
Estado, mas algo como uma comunidade por vir, cujos limites ignoram as
fronteiras e permitem um verdadeiro internacionalismo monádico capaz de se
implicar de forma real com a alteridade e com a multiplicidade das vozes de
suas dores.
Nesse sentido, o que "O Judeu Pós-judeu" mostra é como situações históricas concretas fornecem a oportunidade para a realização de horizontes de criação política. Criação daquilo que não estamos dispostos a abandonar, mesmo que apareça no presente como mera utopia.
A condição diaspórica e nômade da
judaicidade, sua errância e desterritorialização históricas são transformadas
pelos autores, seguindo reflexões de Hannah Arendt e Judith Butler,
em armas contra a consolidação de uma identidade guerreira e militarizada, cada
vez mais forte entre nós.
Elas são a potência a ser recuperada para a
consolidação de uma política pós-identitária que ansiamos, que sentimos como
uma latência dramática, continuamente silenciada por aqueles que aprenderam a
mobilizar os medos sociais no interior de uma sociedade capitalista em crise
profunda e que tenta sobreviver alimentando a ideia de que devemos aceitar que
não há lugar para todos, que melhor vale lutar para ser o grupo restrito que
irá atravessar o dilúvio.
A noção de um judeu pós-judeu mostra como a
reflexão, vivenciada dramaticamente pela subjetividade, sobre o desconforto
diante das desventuras da identidade, mas também sobre a fidelidade ao
pertencimento a uma história soterrada pelo presente é uma força de abertura de
futuros.
A mesma força que já levou um dia Isaac
Deutscher a afirmar: "Religião? Sou ateu. Nacionalismo judaico? Sou um
internacionalista. Em nenhum sentido, portanto, sou judeu. Contudo, sou judeu
pela força de minha solidariedade incondicional com os perseguidos e
exterminados. Sou judeu porque sinto a tragédia judaica como minha tragédia;
porque sinto o pulso da história judaica".
Como lembram os autores, essa é uma força utópica que extrapola o destino singular de um povo.
Israel está ali encravado entre várias nações islâmicas radicais principalmente o Irã Iraque e Síria que Financiam , treinam e abrigam terroristas internacionais
ResponderExcluirAgora nós Cidadãos do mundo livre democrático devemos repudiar esse ataque Israel está sofreu covardemente do Hamas, que matou covarde mente bruto de forma brutal 1200 civis e militares inocentes que estavam vivendo em paz nas suas casas Todos esses países que atacam Israel são Governados por regimes e islâmicos que apoiam o terrorismo e que vê a necessidade de exterminar Israel e seu povo
Não podemos fechar os olhos para essa barbárie
Esses judeus autores são os renegados de sua raça , Como narrativa confusa como ele mesmo diz tudo que ele fala não passa de utopia
E dessa forma o seus depoimentos são utilizados Pelos inimigos da democracia os fundamentalistas islâmicos radicais e financiadores do terrorismo cruel que mata inocente no mundo inteiro
Israel já está sendo julgado na Corte Internaciona de Justiça por Genocídio e Crimes de guerra cometidos nos últimos meses. África do Sul, Brasil e outros países já formalizaram tais acusações e a Corte tem analisado isto, inclusive já formulou diversas decisões que proibiam que Israel seguisse com atos relacionados. Israel assassinou mais de 15 mil crianças palestinas, e mais de 15 mil mulheres sem qualquer vinculação ao Hamas foram assassinadas pelas Forças Armadas de Israel, obedecendo ordens do genocida Netanyahu. Israel diz que se defende, mas na verdade massacra 2 milhões de palestinos. Estado terrorista, governado por criminosos assassinos!
ResponderExcluir" contra seus adversários de esquerda, em larga medida simplesmente comprometidos com a causa palestina, e receber apoio aberto de setores expressivos da comunidade judaica de seu país. "
ResponderExcluirÍa escrever outra coisa, mas okays...
Uma vírgula, determinados intelectuais d esquerda são ótimos, perfeitos, para apontar as contradições, limites, mazelas e tudo mais do capitalismo, do tal mundo ocidental, democracias liberais e afins, mas sempre que possível fecham os olhos ou, quando muito, obrigados a apontar, muito de passagem, as misérias, contradições e sujeiras perpetradas pelos regimes que, em nome da emancipação do homem, foram produzidas. São ótimos apontadores de dedos para apontar as crueldades e injustiças dos outros, mas não tem nada a oferecer além disso. Nada.
😏😏😏