quinta-feira, 29 de agosto de 2024

Assis Moreira - Tentativa de focar em agricultura sustentável

Valor Econômico

Nesses tempos de maior instabilidade, governos não se entendem sobre como responder aos desafios

Um seminário recente na Organização Mundial de Comércio (OMC) mostrou senso de urgência sobre desafios que o setor agrícola enfrenta - e as dificuldades de reações.

Inclui a piora da insegurança alimentar, aumento de desigualdades e da pobreza, impacto devastador da mudança climática, crescente preocupação com escassez e menor qualidade da água, perda de biodiversidade, mudança nos padrões de temperatura e precipitação. Eventos climáticos extremos, como secas, inundações e tempestades tropicais, estão se tornando mais frequentes, intensos e de longa duração e podem reduzir a terra produtiva disponível em várias áreas do mundo.

Um representante da FAO, a agência da ONU para agricultura e alimentação, observou que a prevalência de insegurança alimentar (incapacidade de arcar com uma dieta saudável) e a ameaça de fome chegam a 40% e 3% da população mundial, respectivamente. Ele deu ênfase a duas mudanças estruturais (desaceleração da produtividade e crescente desigualdade) e três disruptores (desaceleração econômica, mudança climática e conflitos) como os principais fatores provocando essa situação.

A diretora-geral da OMC, Ngozi Okonjo-Iweala, destacou outro problema: água. Sua disponibilidade e escassez devem mudar o padrão de produção, com algumas regiões devendo parar de produzir commodities que necessitam muita água, como cana-de-açúcar e arroz, e depender de regiões que têm abundância de água para produzir esses produtos. O comércio virtual de água (se um país exporta um produto com uso intensivo de água para outro país, ele exporta água na forma virtual) “está surgindo como algo extremamente importante para lidar com os desafios que provavelmente enfrentaremos hoje”.

Em termos de dependência de importação de alimentos, a maior taxa é no Oriente Médio e no norte da África (70%), comparado a 20% em outras regiões do mundo e somente 6% na América do Norte, conforme dados apresentados por Marcos Jank, professor do Insper.

Os mercados agrícolas continuam com altas distorções “em várias maneiras’’, repete Ngozi. Sem surpresa, uma facilitação do comércio global foi apontada como parte da solução para assegurar acesso a alimentos e limitada volatilidade de preços, para uma população mundial que deve chegar a 9,5 bilhões de pessoas até 2050.

No entanto, também nesses tempos de maior instabilidade, os governos não se entendem sobre como responder aos desafios. Um representante europeu pediu a palavra para avisar, sem rodeios, que não havia vontade política de países para negociarem um acordo agrícola e que os membros da OMC não deveriam perder tempo com tentativa de liberalização, e se concentrar mais em pequenos resultados.

Ou seja, visto os riscos geopolíticos atuais e crescentes impactos climáticos afetando a produção agrícola, somente progressos incrementais poderiam ser realistas.

De fato, desde que as negociações agrícolas começaram em 2000, houve mais paralisia e impasses do que algum avanço. A negociação global nos termos tratados parece inviável. Na avaliação de vários negociadores, não existe possibilidade de acordo com as características da negociação de hoje, por consenso (todos precisam concordar).

 

O Brasil até tentou no primeiro semestre mobilizar os países para delinear uma agenda futura de discussões, mas a Índia e a Indonésia não aderiram ao movimento.

Agora, uma tentativa poderá ser de tirar o foco do que passou e trilhar um caminho novo: colocar a discussão na OMC em agricultura sustentável. Por exemplo, buscar critérios, parâmetros do que constitui uma agricultura sustentável. Não há regulamentação sobre essa área na OMC, ao contrário de questões sanitárias e fitossanitárias ou barreiras técnicas. Cerca de 31% das emissões globais de efeito estufa vêm dos sistemas agroalimentares.

A ausência de disciplinas multilaterais sobre questões de comércio e meio ambiente criou um “gap”, alimentando a adoção de medidas comerciais unilaterais e mais risco de barreiras nas exportações. A paralisia do Orgão de Solução de Controvérsias da OMC piora a situação.

Tratar de agricultura sustentável é um dos temas que devem ter mais tração no setor privado brasileiro, tratando de OMC, para evitar medidas unilaterais. O impacto da lei antidesmatamento da União Europeia sobre exportações brasileiras poderá ser significativo a partir do ano que vem, quando começar a ser implementada. Sem surpresa, o temor relacionado a “protecionismo verde” foi mencionado várias vezes no seminário.

O setor agrícola brasileiro continua exportando muito independentemente de acordos comerciais. Mantém superávit elevado e continua expandindo com movimento do mercado - demanda da Ásia como um todo e oferta que o país tem. Para continuar com os ganhos, precisa de estabilidade no comércio global. Se a instabilidade crescer entre os EUA e a China, a situação se complica. O risco do agro brasileiro é mais geopolítico e também mais uso de proteção verde em novos mercados.

Mesmo focar em agricultura de forma bem limitada na OMC vai depender também dos rumos da eleição presidencial nos Estados Unidos. Se a democrata Kamala Harris ganhar, alguns analistas acham que ela pode ir mais longe na vinculação entre políticas comerciais e climáticas para ampliar subsídios, em meio a uma OMC paralisada. Se Trump voltar à Casa Branca, pode ser mais ameaçador para mudar as regras do jogo para a OMC ajudar os EUA na competição com a China, na expectativa de alguns negociadores.

 

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