Valor Econômico
Nesses tempos de maior instabilidade, governos não se entendem sobre como responder aos desafios
Um seminário recente na Organização Mundial
de Comércio (OMC) mostrou senso de urgência sobre desafios que o setor agrícola
enfrenta - e as dificuldades de reações.
Inclui a piora da insegurança alimentar,
aumento de desigualdades e da pobreza, impacto devastador da mudança climática,
crescente preocupação com escassez e menor qualidade da água, perda de
biodiversidade, mudança nos padrões de temperatura e precipitação. Eventos
climáticos extremos, como secas, inundações e tempestades tropicais, estão se
tornando mais frequentes, intensos e de longa duração e podem reduzir a terra
produtiva disponível em várias áreas do mundo.
Um representante da FAO, a agência da ONU para agricultura e alimentação, observou que a prevalência de insegurança alimentar (incapacidade de arcar com uma dieta saudável) e a ameaça de fome chegam a 40% e 3% da população mundial, respectivamente. Ele deu ênfase a duas mudanças estruturais (desaceleração da produtividade e crescente desigualdade) e três disruptores (desaceleração econômica, mudança climática e conflitos) como os principais fatores provocando essa situação.
A diretora-geral da OMC, Ngozi Okonjo-Iweala,
destacou outro problema: água. Sua disponibilidade e escassez devem mudar o
padrão de produção, com algumas regiões devendo parar de produzir commodities
que necessitam muita água, como cana-de-açúcar e arroz, e depender de regiões
que têm abundância de água para produzir esses produtos. O comércio virtual de
água (se um país exporta um produto com uso intensivo de água para outro país,
ele exporta água na forma virtual) “está surgindo como algo extremamente importante
para lidar com os desafios que provavelmente enfrentaremos hoje”.
Em termos de dependência de importação de
alimentos, a maior taxa é no Oriente Médio e no norte da África (70%),
comparado a 20% em outras regiões do mundo e somente 6% na América do Norte,
conforme dados apresentados por Marcos Jank, professor do Insper.
Os mercados agrícolas continuam com altas
distorções “em várias maneiras’’, repete Ngozi. Sem surpresa, uma facilitação
do comércio global foi apontada como parte da solução para assegurar acesso a
alimentos e limitada volatilidade de preços, para uma população mundial que
deve chegar a 9,5 bilhões de pessoas até 2050.
No entanto, também nesses tempos de maior
instabilidade, os governos não se entendem sobre como responder aos desafios.
Um representante europeu pediu a palavra para avisar, sem rodeios, que não
havia vontade política de países para negociarem um acordo agrícola e que os
membros da OMC não deveriam perder tempo com tentativa de liberalização, e se
concentrar mais em pequenos resultados.
Ou seja, visto os riscos geopolíticos atuais
e crescentes impactos climáticos afetando a produção agrícola, somente
progressos incrementais poderiam ser realistas.
De fato, desde que as negociações agrícolas
começaram em 2000, houve mais paralisia e impasses do que algum avanço. A
negociação global nos termos tratados parece inviável. Na avaliação de vários
negociadores, não existe possibilidade de acordo com as características da
negociação de hoje, por consenso (todos precisam concordar).
O Brasil até tentou no primeiro semestre
mobilizar os países para delinear uma agenda futura de discussões, mas a Índia
e a Indonésia não aderiram ao movimento.
Agora, uma tentativa poderá ser de tirar o
foco do que passou e trilhar um caminho novo: colocar a discussão na OMC em
agricultura sustentável. Por exemplo, buscar critérios, parâmetros do que
constitui uma agricultura sustentável. Não há regulamentação sobre essa área na
OMC, ao contrário de questões sanitárias e fitossanitárias ou barreiras
técnicas. Cerca de 31% das emissões globais de efeito estufa vêm dos sistemas
agroalimentares.
A ausência de disciplinas multilaterais sobre
questões de comércio e meio ambiente criou um “gap”, alimentando a adoção de
medidas comerciais unilaterais e mais risco de barreiras nas exportações. A
paralisia do Orgão de Solução de Controvérsias da OMC piora a situação.
Tratar de agricultura sustentável é um dos
temas que devem ter mais tração no setor privado brasileiro, tratando de OMC,
para evitar medidas unilaterais. O impacto da lei antidesmatamento da União
Europeia sobre exportações brasileiras poderá ser significativo a partir do ano
que vem, quando começar a ser implementada. Sem surpresa, o temor relacionado a
“protecionismo verde” foi mencionado várias vezes no seminário.
O setor agrícola brasileiro continua
exportando muito independentemente de acordos comerciais. Mantém superávit
elevado e continua expandindo com movimento do mercado - demanda da Ásia como
um todo e oferta que o país tem. Para continuar com os ganhos, precisa de
estabilidade no comércio global. Se a instabilidade crescer entre os EUA e a
China, a situação se complica. O risco do agro brasileiro é mais geopolítico e
também mais uso de proteção verde em novos mercados.
Mesmo focar em agricultura de forma bem
limitada na OMC vai depender também dos rumos da eleição presidencial nos
Estados Unidos. Se a democrata Kamala Harris ganhar, alguns analistas acham que
ela pode ir mais longe na vinculação entre políticas comerciais e climáticas
para ampliar subsídios, em meio a uma OMC paralisada. Se Trump voltar à Casa
Branca, pode ser mais ameaçador para mudar as regras do jogo para a OMC ajudar
os EUA na competição com a China, na expectativa de alguns negociadores.
Muito bom, análises corretas e necessárias.
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