segunda-feira, 19 de agosto de 2024

Carlos Pereira - O sequestro consentido

O Estado de S. Paulo

Decisão do STF que suspende emendas beneficia Executivo, mas quem paga a conta é o Judiciário

Lula afirmou que “o Congresso sequestrou o orçamento federal (...) o Congresso hoje tem metade do orçamento total do governo. Não é possível, não tem país do mundo em que Congresso tenha sequestrado parte do orçamento em detrimento do Poder Executivo, que tem obrigação de governar.”

Se esquece Lula que nos EUA o Executivo é obrigado a executar a totalidade do orçamento como é decidido e aprovado apenas pelo Congresso. Assim como o Executivo, o Legislativo é eleito e, portanto, desfruta de legitimidade para alocar recursos públicos de acordo com suas preferências, mesmo que sejam contrárias às do Executivo.

Se houve algum “sequestro”, esse foi consentido pelo Executivo. O governo Lula não é uma vítima de um Legislativo guloso. O orçamento impositivo foi inicialmente consentido por Dilma nas emendas individuais. Em seguida, a impositividade das emendas coletivas também foi permitida por Bolsonaro. E, finalmente, o próprio Lula aquiesceu e deu continuidade ao orçamento secreto e às emendas Pix. Na política de coalizão, o mais grave das emendas impositivas não é a falta de transparência, mas a perda dessa moeda de troca na formação e na manutenção de maiorias legislativas estáveis e disciplinadas. Lula preferiu, desde o início de seu terceiro mandato, não enfrentar o Legislativo. Se esquivou de defender o retorno da discricionariedade do Executivo na execução das emendas que reequilibraria as relações entre o Executivo

e o Legislativo. A decisão liminar de Flávio Dino de suspender as emendas sem transparência e sem rastreabilidade, referendada por unanimidade pelo plenário do STF, abre oportunidade para que o Executivo recupere essa importante ferramenta de montagem e gestão de sua coalizão. Mas, ao invés de “mandar a conta” para o Judiciário, Lula poderia ter sinalizado uma posição contrária à perda desse mecanismo. A vantagem dessa estratégia é que o alvo de potenciais retaliações do Legislativo não será o Executivo, mas o Judiciário. Como analisado em coluna do dia 04/08/2024, a única hipótese em que as ameaças do Legislativo de retaliar institucionalmente o Judiciário poderiam ser críveis é se o Judiciário contrariasse as preferências do Congresso em relação às emendas parlamentares. Não é coincidência que Arthur Lira tenha destravado para análise da CCJ duas PECs: uma que limita os poderes do STF sobre decisões monocráticas dos seus ministros e outra que permite que o Legislativo suste decisões do Supremo pelo voto de dois terços da Câmara e do Senado.

 

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