terça-feira, 27 de agosto de 2024

Christopher Garman - Governo dá sinalização construtiva

Valor Econômico

Polarização tem repercussões perigosas para a política econômica: polui a capacidade do governo de ler “sinais” do setor privado e aumenta a ânsia de evitar a vitória dos adversários

Ainda há muitas dúvidas e críticas sobre a direção da política econômica do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Mas os últimos dois meses trouxeram sinalizações construtivas.

Depois de uma escalada de incertezas sobre a condução da política fiscal e monetária (em grande medida exacerbada por falas do próprio presidente) que fez o dólar disparar de R$ 5,15 para mais de R$ 5,60 entre maio e o início de julho, o governo começou a tentar arrefecer a crise de confiança do mercado.

Primeiro, anunciou, no dia 4 de julho, um corte de R$ 26 bilhões em gastos permanentes. Em seguida, contingenciou outros R$ 15 bilhões para cumprir a meta fiscal deste ano. Agora, sinaliza que pode anunciar uma nova rodada de contingenciamento em setembro para atingir essa meta.

Mas a sinalização mais construtiva no último mês veio da política monetária: Lula parou de criticar o Banco Central e a taxa Selic desde o início de julho, e os diretores do banco indicados por ele endureceram seus discursos. Depois que o Comitê de Política Monetária do BC votou de forma unânime por manter os juros inalterados em duas reuniões seguidas, o diretor de Política Monetária Gabriel Galípolo repetiu que está disposto a aumentar a taxa para cumprir a meta de inflação de 3%.

Esse movimento mostrou que o presidente é sensível à crise de confiança do mercado - e, ao mesmo tempo, que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, mantém sua confiança. Haddad e vários assessores palacianos alertaram Lula para o perigo da desvalorização do real, que levaria a mais inflação, juros mais elevados e queda no crescimento econômico - fatores que poderiam ameaçar sua reeleição em 2026. Diante desse risco, ele aceitou embarcar em uma agenda modesta de corte de gastos e manter o compromisso com a meta fiscal de 2024.

A sensibilidade de Lula a esses argumentos sugere que ele continua vendo a inflação baixa como uma pré-condição para seu êxito político. Esse diagnóstico marcou seus dois primeiros mandatos, e segue válido. Também mostra que suas críticas à política monetária não foram pautadas só pelo desejo de baixar artificialmente os juros para impulsionar o crescimento econômico, mas por sua percepção sobre o atual presidente do banco, Roberto Campos Neto. O Palácio do Planalto e a cúpula do Partido dos Trabalhadores veem o executivo, indicado ao cargo pelo ex-presidente Jair Bolsonaro, como um “inimigo dentro do governo” - e suspeitam profundamente de qualquer decisão de política monetária mais dura tomada por ele.

Isso sugere que o Planalto vai reagir de forma diferente a decisões duras em política monetária se vierem de alguém em quem Lula confie. Por isso, é bem provável que ele indique Galípolo para suceder Campos Neto - mesmo após seus votos pela manutenção da Selic, e ainda que seu discurso seja mais duro. O próprio presidente disse publicamente que não vai indicar alguém que apenas vá seguir seus desejos, e que essa pessoa terá liberdade para tomar decisões com as quais talvez não concorde.

Por outro lado, essa “virada” construtiva mostrou que o presidente e governo seguem altamente influenciados por um país profundamente dividido e polarizado - o que é uma má notícia se houver dificuldades políticas e econômicas à frente.

A reação tardia de Lula à desancoragem de expectativas e à depreciação de ativos mostrou como ele se aferrou a uma leitura política de uma questão mais econômica.

A crise de confiança entre o mercado vinha se alastrando há tempos, impulsionada pela mudança das metas fiscais de 2025 e 2026 em abril e, principalmente, pelo racha na divisão do Copom (entre indicados por Lula e Bolsonaro) sobre o ritmo de queda da Selic. As expectativas de inflação foram subindo, e o real depreciando ao longo de maio e junho.

Presidente e governo seguem altamente influenciados por um país profundamente dividido e polarizado

Embora Haddad tenha atuado para iniciar uma agenda de controle de gastos e convencido Lula a publicar um decreto regulamentando a meta contínua de inflação para contornar a queda de confiança, o Planalto fazia outra leitura dessa desancoragem. O entendimento era que, se a economia tinha desempenho melhor do que os economistas projetavam no início do ano e a inflação estava controlada, a crise de confiança era resultado de um ataque especulativo vindo de um setor privado conservador, com raízes bolsonaristas, visando enfraquecer Lula para eleger um candidado de oposição em 2026.

Logo, a primeira reação do presidente foi se revoltar contra esse “ataque especulativo”, aumentar suas críticas ao BC e afirmar que não faria um ajuste fiscal às custas de demandas sociais. Eventualmente, a depreciação do câmbio levou à conclusão de que não importava se a desancoragem era injusta - e que o governo precisava agir para evitar que ela se intensificasse.

Mas essa correção de rota demorou - e ocorreu mais de dois anos antes do pleito presidencial de 2026, e com o Planalto ainda muito confiante nas chances de reeleição de Lula. Logo, ficou mais fácil para o ministro da Fazenda argumentar que um ajuste em 2024 facilitará o resultado eleitoral em dois anos. Foi nesse contexto que Haddad encontrou condições políticas para reagir com maior responsabilidade fiscal.

Mas se, em 2025 ou 2026, Lula tiver menos apoio político e sentir sua reeleição mais ameaçada, a reação de seu governo pode ser diferente. Sua equipe tenderá a enxergar críticas do setor privado ou depreciação de ativos sob um viés político-eleitoral de um setor privado conservador visando derrubá-lo. Se, este ano, o ministro da Fazenda conseguiu convencer o presidente a anunciar medidas que sinalizam maior responsabilidade fiscal, próximo da eleição e com Lula mais desesperado a pressão será para aprovar exceções à regra fiscal para garantir a vitória nas urnas.

No atual ambiente político, governo e oposição enxergam o outro lado como uma ameaça ao estado democrático de direito. Fica cada vez mais claro que essa situação tem repercussões perigosas para a política econômica: polui a capacidade do governo de ler “sinais” do setor privado e aumenta a ânsia de evitar a vitória dos adversários.

 

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