segunda-feira, 12 de agosto de 2024

Diogo Schelp – Desigualdade olímpica

O Estado de S. Paulo

A dádiva lulista aos esportistas reproduz princípio medieval, que é a origem da desigualdade no País

As 20 medalhas do Brasil na Olimpíada de Paris vão render, no total, R$ 5,39 milhões em prêmios do COB aos atletas. Muita gente ficou inexplicavelmente surpresa ao “descobrir” que até 27,5% do valor das premiações seria abocanhado pelo Imposto de Renda. O surto patriótico nas redes sociais motivou alguns parlamentares a propor leis para abolir a “taxação olímpica”. O presidente Lula se antecipou e assinou uma medida provisória isentando de IR os prêmios aos medalhistas.

O populismo olímpico do governo federal ocorre em meio ao bloqueio de gastos. Na ponta do lápis, o benefício aos atletas é irrisório diante do rombo nas contas públicas, previsto em R$ 32,6 bilhões para este ano. A isenção de IR para os medalhistas representará R$ 1,48 milhão. Ou seja, cerca de 0,0045% do que o governo precisaria arrecadar ou economizar para atingir o equilíbrio fiscal. Trata-se de uma medida com um custo baixo para os cofres públicos e com alto ganho político para Lula.

No fundo, a dádiva lulista aos esportistas reproduz um princípio medieval que é apontado por historiadores como a origem da desigualdade social no nosso país. Trata-se de uma dinâmica de sociedade em que os abismos entre os estratos sociais são considerados naturais e até desejados, contanto que as desvantagens de estar na base da pirâmide sejam compensadas por favores eventuais.

João Fragoso, da UFRJ, escreve sobre isso no livro A Sociedade Perfeita — As Origens da Desigualdade Social no Brasil (Editora Contexto), em que analisa a formação da nossa sociedade nos séculos XVII e XVIII. Ao tratar da relação entre senhores e escravos, ele observa que “quando a contrapartida ao castigo justo, o favor merecido, não acontecia, a ordem pública corria risco”. A população livre, por sua vez, continha numerosos grupos que desfrutavam de isenções variadas, não precisando contribuir para o Estado ou para sua defesa, fazendo recair sobre os menos privilegiados o peso dos tributos e do serviço militar.

A maioria das modalidades esportivas é subvalorizada ao longo dos quatro anos que antecedem uma Olimpíada. Os raríssimos atletas que alcançam o pódio agora são agraciados com um privilégio momentâneo, dando a Lula a oportunidade de se apresentar como benfeitor e deixando todo mundo satisfeito. Afinal, em uma sociedade em que a desigualdade é naturalizada, ascender socialmente significa acessar privilégios.

 

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