O Globo
Reduzem Beatriz Souza a ‘preta gorda’. Ela é
também uma militar heterossexual, mas esse recorte não interessa
‘A arte de perder não é nenhum mistério’,
escreveu Elizabeth Bishop no mais famoso dos seus poemas. Mas é uma arte que
exige grandeza. Muita. Que o digam Simone Biles e
Jordan Chiles, capazes de transformar a perda da medalha de ouro para Rebeca
Andrade num dos momentos mais bonitos destes Jogos Olímpicos de
Paris.
O que houve ali não foi a oficialização de uma vitória e duas derrotas, como em tantos pódios — destinados, por banais, ao esquecimento. Aconteceu o reconhecimento da excelência, da competição saudável e (lá vêm os inevitáveis clichês...) a celebração do espírito olímpico, o regozijo pela superação dos próprios limites.
Simone Biles, ginasta de primeira grandeza,
teve um bloqueio mental e abandonou os Jogos de Tóquio, em 2021. Havia perdido
a autoconfiança e se afastou das competições, para se reequilibrar. Rebeca
Andrade passou por oito cirurgias, nos pés e nos joelhos. Jordan Chiles teve de
lidar com a condenação da mãe, por fraude eletrônica (o início do cumprimento
da pena foi adiado para que ela pudesse acompanhar a filha nos Jogos de
Tóquio).
Lá estavam as três — deixando para trás as
dores, as lesões, os traumas, os “demônios” — cada uma vitoriosa à sua maneira.
As duas americanas (ou estadunidenses, como prefere parte da imprensa)
reverenciando a grande campeã brasileira (ou republicafederativense, se
quisessem ter um mínimo de coerência).
O esporte costuma ser pródigo em cenas assim,
cheias de simbolismo — como a de Tamires
Morena carregando nos braços a angolana Albertina Kassoma,
lesionada, e provando que o oponente não é necessariamente um inimigo. No judô,
a etiqueta prevê que a luta comece e termine com um cumprimento, em sinal de
respeito e humildade. Naquele aperto de mãos ao fim das partidas há a
celebração do fair play. O vencedor reconhece os méritos do adversário; o
perdedor, a supremacia de quem o venceu.
Fora das quadras, pistas, campos e piscinas,
o padrão é outro. Não falta quem queira usurpar os louros alheios. Como aqueles
que, no afã de puxar a brasa (e a medalha) para a sua pauta, reduzem a também
campeã Beatriz Souza a
“preta gorda”. (Nota mental: Tentar entender em que momento o que já foi tido
como depreciativo virou exaltação). A medalhista de ouro é também uma militar
heterossexual — mas esse recorte não interessa.
No dia de glória para Rebeca Andrade, o
Ministério das Comunicações houve por bem retirá-la do pódio e ali entronizar
um programa de governo. Não era, como quis parte da claque oposicionista, só um
desrespeito à mulher preta brasileira, mas, principalmente, a uma mulher bem
específica — e ao bom senso coletivo. Foi um ato de estupidez, de amadorismo —
e, ao contrário dos memes contra as taxas, a indelicadeza usou verba pública.
Perderam a noção do ridículo.
Já fomos melhores na arte de perder. Um
sorridente Fernando
Henrique Cardoso, orgulhoso de ter dado mais um passo na
consolidação da democracia, passou a faixa presidencial a Lula —
por mais que preferisse vê-la no peito de José Serra.
É essa a grandeza que faltou a Jair
Bolsonaro e a Donald Trump,
e falta agora aos da estirpe de Nicolás
Maduro.
A perdedores assim, que se recusam a
respeitar as regras do jogo e a reverenciar o vencedor, restam as sábias
palavras do ministro Luís Roberto
Barroso:
— Perdeu, mané. Não amola.
Não sei por que O Globo desperdiça um espaço razoável com este colunista. Não basta escrever bem, tem que ter o que dizer! E este incompetente já mostrou repetidamente que NADA tem a dizer!
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