quarta-feira, 14 de agosto de 2024

Elio Gaspari - 50 anos com a China

O Globo

Amanhã completam-se 50 anos do restabelecimento de relações diplomáticas com a China. Em meio século, ela foi de anátema à condição de maior parceiro comercial do Brasil. Se as negociações avançarem, o presidente Xi Jinping descerá em Brasília ainda neste ano. (Ele já esteve em Pindorama, em 1996, aos 43 anos, no Ceará.)

Lula restabeleceu as relações cordiais com a China, açoitadas durante o governo de Jair Bolsonaro. Ele acusava a China de ter criado o vírus da Covid-19 e dizia que seu embaixador estava no Brasil para derrubá-lo. Chegou a pedir sua remoção, sem sucesso.

Pelo mundo afora, entender o Império do Meio exige algum esforço. A primeira lei racista e xenófoba dos Estados Unidos mirou nos imigrantes chineses que haviam construído a ferrovia transcontinental, no século XIX. Por cá, a imigração chinesa foi condenada por escravocratas como o Visconde de Sinimbu e por abolicionistas como André Rebouças.

Enquanto a China viveu o que hoje chama de “século de humilhações”, o Brasil praticamente ignorou-a. Em 1944, a poderosa mulher do general Chiang Kai-shek, o rival de Mao Tsé-Tung, passou uns dias na Ilha de Brocoió, no Rio. Cuidava da saúde, mas foi-se embora queixando-se da umidade.

Desde 1949, quando Mao entrou em Pequim, até 1974, o Brasil só reconhecia como China a Ilha de Taiwan, para onde Chiang, batido, havia recuado. (Nos anos 1960, o Partido Comunista do Brasil mandou 41 militantes para treinamento militar na China, 14 foram para a guerrilha do Araguaia e 12 morreram por lá.)

Esse quadro começou a virar em fevereiro de 1974.

O presidente americano Richard Nixon havia visitado Pequim em 1972. Deng Xiaoping havia saído do ostracismo, Mao Tsé-Tung já não enxergava direito e dizia que estava “convidado para tomar um drinque com o rei dos infernos”.

O presidente eleito Ernesto Geisel recebeu o embaixador Antônio Francisco Azeredo da Silveira e ouviu:

— Não ter relações com a China é o maior irrealismo do mundo.

Geisel estava de acordo e perguntou por que o Itamaraty não se manifestava.

— Medo, medo dos militares — respondeu Silveira.

Dias depois, foi além:

— O senhor reconhece a China de graça.

Ilusão democrática de Silveira, que viria a ser o novo ministro das Relações Exteriores. O general Golbery do Couto e Silva achava que “isso ainda está um pouco longe”. Consultado, o chefe do Estado-Maior do Exército, general Sylvio Frota, foi contra. O Serviço Nacional de Informações grampeou uma delegação que veio a Brasília.

O empresário Giulite Coutinho, que era estimulado pelo professor Delfim Netto, levou pela segunda vez uma comitiva a Pequim. Só no dia do embarque souberam que um dos intérpretes havia sido preso no Brasil em 1964. Ele explicou:

— São águas passadas. Vamos olhar para a frente.

Geisel se reuniu com os ministros militares e disse:

— Se vocês querem ser coerentes, então vamos cortar relações com a Rússia também e vamos nos isolar, vamos virar mesmo uma colônia dos Estados Unidos.

Geisel e Silveira bateram o martelo.

Frota aceitou a decisão de Geisel, mas, anos depois, ao ser demitido, acusou o presidente de ser um criptossocialista e, entre outros exemplos, citou o reconhecimento da China.

 

2 comentários:

  1. "Vamos virar mesmo uma colônia dos Estados Unidos." - eis o sonho do ex-presidente Jair Bolsonaro, vulgo GENOCIDA, comandante do DESgoverno das TREVAS! 4 anos de pesadelos, mentiras e crimes governamentais!

    ResponderExcluir