segunda-feira, 26 de agosto de 2024

Irapuâ Santana - Emenda inconstitucional


O Globo

Interferir na igualdade de chances entre grupos étnicos contraria o objetivo que a Constituição estabelece: combater o racismo

Na última semana foi promulgada a Emenda Constitucional 133, que retira a possibilidade de punição aos partidos políticos que praticaram racismo contra a população negra brasileira nas eleições de 2020 e de 2022. Segundo essa nova regra, “deve ser considerada como cumprida” a obrigação de aplicação das verbas eleitorais para as candidaturas negras.

Para diminuir o peso desse absurdo, existe uma condição de que isso só acontecerá se os partidos pagarem o que foi devido até então, mas apenas a partir de 2026.

Existe alguma esperança de que isso realmente seja respeitado?

Ora, a Constituição proíbe a discriminação racial. Os partidos concederam em 2022 o dobro de dinheiro para candidaturas brancas em relação às negras. Em 2020, TSE e STF determinaram que houvesse distribuição proporcional das verbas eleitorais, com fundamento num raciocínio simples: dinheiro público não pode ser usado para prejudicar pessoas negras. Afinal, o volume de recursos tem impacto direto no alcance que alguém pode ter entre os eleitores — quanto maior o alcance, aumentam as chances de obter votos. E interferir na igualdade de chances entre grupos étnicos contraria aquilo que a Constituição estabelece como objetivo do país, o combate ao racismo.

Se no cenário anterior, em que não cabia exceção alguma, editaram duas emendas constitucionais para evitar penalidades, que dizer de agora, quando há essa brecha?

Para fechar esse absurdo, a emenda também prevê cota mínima de 30% dos recursos para as candidaturas negras. Em 2024, negros equivalem a 52,7% de candidatos. Na prática, tomando por base os R$ 4,9 bilhões deste ano destinados ao financiamento das campanhas, pelo regime anterior R$ 2,58 bilhões seriam usados exclusivamente para a amplificar vozes negras. Com a regra atual, os partidos podem deixar de conceder em torno de R$ 1 bilhão para essa finalidade.

A maior vergonha é que a maioria esmagadora do Congresso aprovou sem o menor receio de que isso gerasse risco político-eleitoral em ano de eleição. Infelizmente, a sociedade parece anestesiada, e nada é feito para que essas medidas abusivas sejam interrompidas. Nossa apatia se dá pela completa impotência da população diante do que acontece diariamente num país onde até o passado é incerto.

Como seguir lutando e denunciando, gritando ou mesmo apontando um erro se todo dia acontece algo diferente e até pior? Chega um momento em que não sobram mais forças, em que não resta mais voz, em que não existe mais esperança. A cada reconhecimento mínimo de dignidade, surge uma série de chicotadas que dilaceram nossa carne para dizer qual é nosso lugar.

O recado está dado, alto e bom som: “Se a Constituição não nos agrada, nós mudaremos. Se vocês acham que ela garante alguma coisa, mostraremos quem realmente manda. Se o Estado é de Direito, nós dizemos quem realmente o tem”.

Mais uma vez, o povo negro sustenta a festa da democracia, mas é impedido de entrar. Até quando?

 

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