Valor Econômico
Se o capitalismo, no Brasil, fosse atualizado
e moderno, não haveria fatores de regeneração “natural” de relações de emprego
baseadas em concepções pré e anticapitalistas das formas de lucrar e enriquecer
O Ministério Público do Trabalho, através de
uma procuradora, manifestou-se sobre declarações de um presidente executivo
(CEO) de uma empresa de reeducação de empresários, que afirmou não contratar
esquerdistas. Não só não contrata como recomenda aos clientes de seus cursos e
seguidores de suas ideias a fazerem o mesmo. Trata-se de um empresário jovem,
filho de uma empregada doméstica do interior de Minas.
Suas recomendações viralizaram. Mas, na
verdade, o que ele pensa e recomenda não tem nem originalidade nem
criatividade. É apenas um retrocesso histórico empregar em pleno capitalismo
moderno regras socialmente retrógradas de uma economia dos tempos iniciais da
feira livre. O que indica que quem se vale dessas concepções tem uma falsa
consciência do que é o capitalismo e a empresa.
A procuradora alertou para o que a respeito dispõem sobre ato discriminatório e limitativo no trabalho, a Lei 9.029/95, a Constituição, e as convenções 111 e 190 da Organização Internacional do Trabalho. A violação desses regulamentos gera direito à reparação por dano moral.
O empresário se justifica com a “tese” de que
empregados esquerdistas “são mimizentos” e “não trabalham duro”. Isto é,
reclamam das condições de trabalho e da jornada acima do legalmente
estabelecido. E diz: se o trabalhador não dedicar 70 a 80 horas por semana ao
trabalho, não consegue nada na vida.
Sua receita é a de um salto sem mediações
para a sociedade pós-moderna, que não é necessariamente um progresso, mas um
futuro imaginário de retrocesso num modernismo desregulamentado, que combina
realidade social de tempos desencontrados, como as do pré-capitalismo atrasado
com um futurismo alucinado e meramente especulativo. Ele pensa numa sociedade
de ordem sem progresso. Progresso é desenvolvimento social, de todos, como
condição do desenvolvimento econômico.
Sua concepção da empresa retrocede aos tempos
iniciais de uma economia que ainda não era capitalista, do negociante, dedicado
ao negócio, à negação do ócio, mas não à afirmação do capitalismo.
A indicação de princípios quanto ao que é o
trabalho e quem é o trabalhador, por parte do jovem empresário mineiro, é
insólita expressão de uma característica retrógrada de nosso capitalismo
atrasado. Se o capitalismo, no Brasil, fosse um capitalismo atualizado e
moderno, não haveria nele fatores de regeneração “natural” de relações de
emprego baseadas em concepções pré-capitalistas e anticapitalistas das formas
de lucrar e enriquecer.
Esse empresário justifica seu modo de lucrar
com procedimentos que na prática revogam a Lei Áurea. Ele não sabe que ao
empregar um funcionário compra apenas e unicamente sua força de trabalho. Não
compra sua pessoa nem sua consciência. Falta-lhe o discernimento e o
conhecimento do que o assalariamento representa sociologicamente, a separação
do corpo do trabalhador de sua capacidade de trabalho.
A realidade do capitalismo já estava definida
nesses termos no século XIX. E foi nesses termos que se operou entre nós a
abolição da escravatura. Para que o fazendeiro se transformasse de senhor de
escravos em empresário capitalista, o empresário teria que libertar-se do
escravo e da escravidão. Isto é, das relações sociais do que era um modo de
produzir a sociedade, e não principalmente a economia de produção de
mercadorias e lucros.
A abolição da escravatura libertou o escravo
apenas em decorrência de ter libertado o fazendeiro para libertar seu capital
das irracionalidades do escravismo. A maior das quais era a possibilidade do
escravo morrer e o capital nele empregado deixar de existir em consequência.
A característica da organização de uma
empresa hoje é negativa para esse empresário supostamente inovador porque
democrática. Os direitos de um trabalhador fazem dele autor de decisões na
empresa. O empresário nega o capitalismo ao se confessar monarca da empresa. Na
verdade, uma concepção totalitária da empresa e do trabalho.
O retrocesso social do empresário mineiro
está sobretudo na pressuposição de que seu salário compra a pessoa de quem
trabalha e compra, portanto, seu direito e seu modo de pensar e de pensar-se.
Nega-lhe o direito de ser esquerdista, que é o modo de pensar socialmente
reformista do trabalhador. Nesse sentido, até mesmo levou igreja para a
empresa, Bíblia e grupo de oração.
Ele se confunde. Propõe o retorno às origens
do capitalismo, quando a ética protestante fazia do capitalista mero
funcionário do capital, pois agia em nome de um dono da riqueza que era Deus.
Sua antiética peculiar e nativa é tentativa de desconstruir o que a tradição
considera a unidade diabólica do duplo na riqueza: enriquecer sem se perder.
" A abolição da escravatura libertou o escravo apenas em decorrência de ter libertado o fazendeiro para libertar seu capital das irracionalidades do escravismo. "
ResponderExcluirPerfeito !