O Globo
Há possibilidade de um perigoso retorno a um
charlatanismo, desta vez oficializado por autoridades públicas
O resultado das eleições polarizadas, no
início do mês, para uma das mais importantes entidades do país, o Conselho
Federal de Medicina (CFM), afeta as boas práticas médicas ao renovar a presença
de lideranças bolsonaristas na direção. Não é apenas uma recaída na batalha da
cloroquina. A vinculação político-partidária e religiosa de médicos é relevante
em duas dimensões. A primeira é a influência da categoria na sociedade, e a
segunda é como esses posicionamentos alteram o modo de se relacionar com os pacientes.
Médicos, desde sempre, estiveram envolvidos com política e em polos opostos do espectro partidário. Estudos mostram que a maioria se identifica mais com uma determinada vertente ideológica. Grupos e entidades médicas também propõem, apoiam ou criticam políticas de saúde, nacionais ou locais, e doam tempo ou recursos para campanhas políticas. São fatos.
A segunda questão — se as tendências
políticas de um médico repercutem sobre o tipo e qualidade do atendimento — não
tem resposta tão direta. Pesquisas internacionais baseadas em situações
politicamente divergentes não foram conclusivas, embora tenham sido registradas
nuances no grau de preocupação em relação a aborto, maconha e
armas de fogo entre os médicos mais e menos tradicionalistas, respectivamente.
Um par de frases que entrou para a história
da medicina resume uma prática exemplar. O então presidente dos Estados Unidos,
Ronald Reagan, ferido à bala em 1981, em meio às luzes intensas e à equipe do
centro cirúrgico, sussurrou entre piada e temor:
— Por favor, me digam que vocês todos são
republicanos.
O cirurgião responsável pelo atendimento, um
declarado democrata, respondeu:
— Hoje somos todos do seu partido.
Em emergências, não é possível recorrer à
segunda opinião. Tecnologias de inteligência artificial são bem-vindas, mas não
substituem a “primeira opinião”, a emitida com rigor pelas competências
científicas, técnicas e humanistas dos médicos.
A medicina científica se afirmou quando foram
fechadas faculdades com currículos variados, descoladas de centros de
pesquisas, e pelo combate aos praticantes de curas mágico-religiosas. A
proliferação de escolas médicas privadas — com currículos no mínimo
insuficientes para estudantes brasileiros, inclusive em países como Paraguai e
Bolívia, com preços menores — e dirigentes do CFM que recusam as melhores
experiências e evidências nos conduzem ao ponto inicial dos esforços realizados
para trazer a medicina à modernidade. Um perigoso retorno a um charlatanismo,
desta vez oficializado por autoridades públicas, imbricado com interesses
econômicos e políticos, que envolvem desde grandes grupos econômicos a eleições
locais.
O cenário delineado pelo aumento contínuo no
número de médicos — de mais de 200% nas matrículas entre 2002 e 2024, a maior
parcela com péssima formação — não é passageiro. Caracteriza-se por alto
rendimento econômico e eleitoral. Enquanto o CFM fez da recusa ao Mais Médicos
uma bandeira de “luta”, governos, inclusive de Bolsonaro, seguiram de modo
discreto ou tipo outdoor, contratando em volumes maiores ou menores médicos sem
revalidação de diplomas. Alocar médicos em locais remotos e até em municípios grandes
com renda elevada conta com apoio de população, prefeitos, vereadores. Governos
não deveriam estimular a má formação de profissionais de saúde, e o CFM falha
em sua atribuição de contribuir para políticas de saúde para toda a população.
Interseção entre medicina e partidarismo
político é em si mais um risco à saúde. Requer compreensão, reflexão e ação.
Uma só medicina, a favor dos pacientes, com suas diversas convicções e
aflições, é vital para a saúde.
Perfeito. Tão letal quanto a politização da atividade médica é a proliferação de profissionais totalmente despreparados, (de)formados nas unimer**s espalhada$ pelo país e adjacências.
ResponderExcluirA esquerda ainda não superou o fim dos mais médicos, afinal o dinheiro mandado pra Cuba pelo jeito continua a fazer muita falta.....
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