Correio Braziliense
É uma espécie de feitiço contra o feiticeiro.
O ativismo diplomático de natureza ideológica de Lula, na América Latina, desde
a posse, coleciona fracassos
Quem quiser que se iluda: a não ser que haja
uma grande rebelião popular, Nícolás Maduro se consolidará como ditador da
Venezuela. Usará de todos os recursos institucionais de que dispõe para sua
permanência no poder por mais seis anos, reprimirá duramente a oposição e
contará com apoio internacional suficiente para sustentar essa posição. Ainda
que enfrente grande reação no Ocidente democrático, liderada pelos Estados
Unidos. Os esforços do Brasil, do México e da Colômbia para que o resultado das
urnas seja respeitado fracassaram.
A Venezuela conta com forte apoio dos seus militares e do eixo euroasiático formado por Rússia, China, Coréia do Norte e Irã, além do apoio de Bolívia, Cuba, Honduras e Nicarágua. Esse sistema de alianças garantirá a sobrevivência do regime venezuelano, mesmo diante do bloqueio econômico que certamente sofrerá dos Estados Unidos e da União Europeia, além de Argentina, Chile, Costa Rica, Panamá, Peru, República Dominicana e Uruguai, países com os quais rompeu relações diplomáticas. Os esforços do Brasil e da Colômbia, que ainda tentam uma saída negociada para a crise venezuelana, estão fracassando.
É uma situação delicada para o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva, que sofre grande desgaste interno em razão de suas
relações históricas com o chavismo e uma posição que muitos consideram dúbia,
por causa de declarações que contemporizam com Maduro e, de certa forma,
teceram o roteiro que o venezuelano pretende seguir para se legitimar perante o
Brasil. Lula havia dito que a oposição deve contestar os resultados oficiais na
Justiça, como se houvesse independência do Legislativo e do Judiciário na Venezuela.
Maduro agarrou a proposta com as duas mãos.
É uma espécie de feitiço contra o feiticeiro.
O ativismo diplomático de natureza ideológica de Lula na América Latina, desde
a posse, coleciona fracassos, porque não dá conta das contradições e
diversidade política da região, ao contrário da nossa tradição de política
externa pragmática e independente, que poderia ser mais bem sucedida sem esse
viés esquerdista. Todos os setores democráticos que apoiaram Lula contra Jair
Bolsonaro, em 2022, para interromper a deriva autoritária em que o país estava,
agora cobram seu posicionamento contra a permanência de Maduro no poder. Não
foi por falta de aviso.
A possibilidade de o Brasil, a Colômbia e o
México serem fiadores de uma solução negociada do impasse subiu no telhado:
Maduro precisaria reconhecer a derrota ou convocar novas eleições, sob
supervisão internacional. Isso dependeria de uma escalada de endurecimento da
posição dos Estados Unidos e de uma fissura interna nas Forças Armadas. Não
parece ser o que vai acontecer.
Militares
A América Latina passa por uma curva da
história, moldada pela presença crescente da China, com investimentos em
infraestrutura e recursos vitais, que desafiam a influência dos Estados Unidos
na região. A China é um parceiro valioso, principalmente para o Brasil, apesar
dos riscos de dependência econômica.
Essa disputa com os Estados Unidos, porém, no
caso da Venezuela, tem um ingrediente muito perigoso: o pacto militar com a
Rússia, que fornece equipamentos bélicos às Forças Armadas venezuelanas. Os
militares ganham mais força e poder durante o governo de Hugo Chávez, entre
1999 e 2013. Sua fidelidade ao governo sustenta-se no poder (ocupam cargos
importantes), no dinheiro (controlam petróleo e minérios) e no medo (a
dissidência não é tolerada).
A tensão entre Venezuela e Guiana sobre o
território do Essequibo, por causa do petróleo, exacerba essa influência
militar. A presença dos Estados Unidos na América Latina continua hegemônica,
mas precisa oferecer alternativas aos investimentos chineses, manter o
equilíbrio geopolítico e respeitar a soberania dos países da região. Diplomacia
e cooperação precisam caminhar de mãos dadas com a democracia, os direitos
humanos e o desenvolvimento sustentável.
Um ambiente de paz e equilíbrio na região
depende muito do posicionamento do Brasil, que tem 1.987.000 militares na
ativa, além de 84 milhões de reservistas. O Brasil possui 723 aviões, 255
helicópteros, 1.707 veículos terrestres, 180 lançadores de foguetes, 110
embarcações e cinco submarinos de combate. Em contraste, a Venezuela conta com
280 aviões, 104 helicópteros, 700 veículos terrestres, 52 lançadores de
foguetes, 50 embarcações e dois submarinos.
Entretanto, por causa da Venezuela, crescem a
instabilidade e o risco de confrontos na região. No caso da Guiana, a presença
de ExxonMobil e as ameaças de anexação de Essequibo pela Venezuela farão com
que os americanos queiram implantar uma base militar no país vizinho, uma
ex-colônia britânica. O foco dos Estados Unidos na América Latina é a garantia
dos seus interesses comerciais, políticos e geoestratégicos, e a consolidação
de sua posição como liderança em todo o continente americano.
O Brasil precisa ser claro em relação à sua
parceria com os Estados Unidos, um aliado estratégico regional para questões de
segurança, como na Segunda Guerra Mundial, quando o país se juntou aos aliados
no combate ao nazifascismo na Europa. Mas também como um parceiro comercial,
pois é o principal destino de nossas exportações industriais, afora o potencial
de parcerias nos campos do pré-sal.
Pois é.
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