O Estado de S. Paulo
Candidatos há que costumam fraudar eleições mediante formas ‘discretas’: mentiras, fuga do debate público, ausência de programas e intenções
Eleições são decisivas para o bom
funcionamento da democracia. Por meio delas, mostra-se a qualidade da
representação, a resiliência da estrutura institucional e o desempenho
governamental. Governantes são premiados ou castigados pelos eleitores quando buscam
sua reeleição. Políticos insurgentes podem ganhar o palco da política quando
reúnem bons votos. Eleitores extravasam nas urnas suas esperanças, seu
descontentamento e sua desconfiança nos políticos.
Diferentemente da Venezuela e de outras ditaduras praticantes do autoritarismo eleitoral, o Brasil tem convivido bem com as eleições. Elas foram suspensas e reprimidas durante a ditadura militar, entre 1968 e 1972, mas a queda do regime ditatorial se deu por via eleitoral, mediante a qual preparou-se o caminho para que o regime fosse se desfazendo, primeiro a partir das bordas e, depois, em seu sistema nervoso central.
Com os parâmetros fornecidos pela
Constituição de 1988, as eleições se sucederam regulamente no País. O voto
permaneceu secreto, inviolável, auditável, acessível a todos a partir dos 16
anos. Vencedores tomaram posse e os incumbentes derrotados transmitiram os
cargos sem maiores acidentes, exceção feita à passagem Bolsonaro-Lula em 2023.
O sistema institucional, com seus freios e contrapesos ajustados às coalizões
multipartidárias, moderou as crises que ocorreram ao longo do tempo.
Eleições sempre serão processos complexos.
Sujeitas a muitos acidentes de percurso e determinadas tanto pelo sistema em
que se inserem quanto pelos humores dos cidadãos e pelo estado da sociedade. A
proliferação das redes sociais e das tecnologias de informação e comunicação,
por exemplo, mudaram o modo como se organizam as campanhas e se busca o voto,
implicando grandes modificações na dinâmica eleitoral. Candidatos de “novo
tipo” passaram a abusar das redes para disseminar mentiras e ataques aos adversários,
criando arenas manchadas por sujeiras que se espalham de forma tóxica,
envenenando o eleitorado e alterando a qualidade das disputas políticas. No
Brasil de 2024, caso exemplar é do candidato a prefeito de São Paulo Pablo
Marçal, um oportunista que emergiu como o bufão da hora para bagunçar as
eleições na cidade.
Algumas figuras desse tipo são mais
histriônicas e vazias, outras, menos. Nos EUA, Donald Trump representa bem a
espécie, criando seguidas arapucas para tentar macular os adversários,
perturbar as disputas presidenciais e iludir o eleitorado. Todos têm o mesmo
foco: fazer das eleições uma arena de disputas medíocres, demagógicas e
virulentas.
Os candidatos bufões são aventureiros. Buscam
um lugar ao Sol por meio de agressões e propostas mirabolantes, sem nexos com a
realidade e voltadas exclusivamente a embaralhar as disputas eleitorais.
Querem-se outsiders, como se não tivessem nenhuma relação com “tudo o que está
aí”. São invariavelmente contra a política. Prestam enorme desserviço:
emporcalham o trâmite eleitoral, fragilizam os partidos, fomentam o populismo
mais rasteiro. Põem em risco, assim, a própria democracia e sua
institucionalidade. Além do mais, disseminam ódio, raiva e desconfiança entre
os eleitores, sequestrando um precioso componente da vida democrática.
Eleições também podem ser abertamente
fraudadas, como ocorreu neste ano na Venezuela. Fraudes ostensivas se
materializam na manipulação de cédulas e urnas, na intimidação dos eleitores,
na repressão às manifestações e na perseguição aos que se opõem aos governantes
autoritários, sempre desejosos de dilatar seu tempo no cargo. Nicolás Maduro
tem feito tudo isso ao mesmo tempo, e pode ser tomado como um case de
autoritarismo eleitoral: ao fim de pleitos viciados, sem controle e sem
transparência, se autoproclamou vencedor.
Fraudes diretas e desavergonhadas desprezam
regras do jogo e diálogos democráticos. São organizadas para fazer a festa e
entronar ditadores. São uma farsa, que desvirtua e cancela a democracia, por
mais que o povo seja chamado às urnas.
Candidatos há que costumam fraudar eleições
mediante formas mais “discretas”: mentiras, ataques pessoais, campanhas de
difamação e autopromoção, fuga do debate público, ausência de programas e
intenções. Podem não rejeitar as regras do jogo, mas pouco contribuem para
qualificar as eleições, a política e a democracia. Ajudam a converter as
disputas numa espécie de circo em que se desperdiça tempo e se intoxica o
eleitorado.
O fato é que a democracia, por sua
complexidade, sofre quando as eleições perdem o senso da História, da ética e
da política. Disputas eleitorais congestionadas de atitudes distantes do bom
senso continuarão a ocorrer, em que pesem todo o esforço cívico e toda a
eficácia da estrutura institucional. A teatralidade inerente à política
possibilita e incentiva isso.
Cabe aos democratas consistentes – de
esquerda, liberais, de centro ou conservadores – atuar para reduzir o espaço
daqueles que procuram manipular eleições e impedir que elas produzam resultados
que reforcem e qualifiquem a democracia.
O Lula fez campanha mentindo o tempo todo e hoje é o presidente
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