O Reino Unido embarcou na aventura do Brexit, bandeira patrocinada pelos conservadores liderados pelo populista Boris Johson. Deu no que deu, a crise social e econômica se instalou em escala maior da que já seria natural em função da pandemia (2020) e da crise energética (guerra da Ucrânia). O Partido Conservador se desgastou, não entregou o prometido. A oposição trabalhista promoveu sua reinvenção com a superação das ideias anacrônicas e atrasadas da ala esquerda dominante e produziu um giro ao centro. Com isso, deu uma goleada nas eleições. Assumiu o primeiro-ministro, Keir Starmer, há poucas semanas, com uma agenda moderada e reformista. Que ótimo! A poeira baixou? Ledo engano. Nada disso. As ruas do Reino Unido ardem em protestos violentos contra os imigrantes, particularmente os de origem islâmica.
A crise do Reino Unido revela as vísceras da sociedade contemporânea. As redes sociais, preciosos instrumentos para educação à distância, difusão cultural ou campanhas humanitárias, por exemplo, são também ferramentas nas mãos de lideranças de extrema-direita, que não se esquivando do uso aberto de fakenews para mobilizar audiência, estimularam sem dissimulação a violência racista. O estopim das cenas violentas foi uma mentira veiculada pelos movimentos radicais de direita de que o cruel assassinato à faca de três crianças britânicas foi cometido por um radical islâmico que chegou ao Reino Unido à barco em 2023. Ocorre que Axel Rudakubana nasceu no Reino Unido e o crime nada teve com terrorismo.
As redes extremistas estimularam as pessoas a invadirem as casas de cidadãos de orientação islâmica e os agredir. O primeiro-ministro progressista disse que é preciso regular as redes sociais. Alguns democratas defendem que não, em nome da liberdade de expressão. As coisas, assim, ficam turvas e confusas.
O extremismo radical, parta de onde partir, é condenável, emburrecedor e destrutivo. Nem todo islâmico é terrorista. A imigração não é de esquerda, nem direita. Nem toda a esquerda admira Stalin, Maduro, Miguel Diaz, Daniel Ortega, Kim Jong-un, Xi Jiping ou, a bola da vez, Nicolas Maduro. Nem todos de direita admiram Trump, Ali Khamenei, Putin, Erdogan, Milei, Lukashenko ou Orbán. O mundo não é colorido apenas de preto e branco. Há muitos tons de cinza e um arco-íris a explorar. É razoável cidadãos da Alemanha, França, Itália, Inglaterra, EUA se sentirem incomodados com uma massiva invasão de imigrantes em seu espaço de vida. É muito mais razoável, pessoas jogadas na miséria - na África, na Ásia e na América Latina - migrarem em busca de sua sobrevivência. Afinal, não é isso que o liberalismo prevê: livre circulação de capitais, mercadorias e mão de obra. Não? Trabalhadores não? A extrema direita tenta capitalizar tema tão complexo e jogá-lo no colo da esquerda. Mas a mais consistente, equilibrada e humanista política em relação à imigração foi feita pela estadista de centro-direita alemã, Angela Merkel. “Não fale isto, articulista. Assim você nos confunde. A vida só tem dois lados. Não embaralhe as coisas” – diriam alguns leitores,
Corta a cena. Atravessemos o Oceano Atlântico. Alguém com no mínimo dois chips na cabeça e com um pouco de isenção acredita que temos uma democracia na Venezuela? Com a exclusão e prisão de opositores, repressão à imprensa livre, expulsão pela fome ou por perseguição de 7 dos 32 milhões de venezuelanos, sumiço das atas eleitorais, aparelhamento do Poder Judiciário e do Ministério Público? Maduro é de esquerda, e essa é a esquerda. Culpa do imperialismo? Mas Bóric, presidente chileno de esquerda, junto com o ultraliberal argentino Milei e o líder de centro-direita uruguaio, Luis Lacalle Pou, condenaram Maduro e a farsa eleitoral venezuelana, que rompeu com esses países. E os líderes de direita da Rússia e Irã, associados ao autoritarismo comunista chinês, apoiaram Maduro. “Meu caro escriba, acabe logo este artigo, porque está ficando complicado demais. Só sabemos raciocinar binariamente por polarização” – imploraria o leitor angustiado, confuso e aflito. Ainda bem, para ele, o espaço acabou.
Ainda assim, finalizo com o poeta itabirano: “Não serei o poeta de um mundo caduco...”.
Pois é.
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