O Globo
Não é possível termos no país figuras poderosas que são, ao mesmo tempo, inatingíveis, inatacáveis e inimputáveis, por melhores que esses juristas sejam
A questão do poder é tema constante das
ciências políticas e da filosofia. Maquiavel disse:
— Dê poder a um homem e saberás quem ele
realmente é.
Lord Acton definiu:
— O poder tende a corromper, e o poder
absoluto corrompe absolutamente, de modo que os grandes homens são quase sempre
homens maus.
Quero crer que o ministro do Supremo Tribunal
Federal (STF) Alexandre de Moraes, relator dos mais delicados e explosivos
inquéritos em tramitação na nossa mais alta Corte de Justiça, não é um homem
mau. Mas, desde que foi designado relator do inquérito das fake news sem ser
sorteado, pelo então presidente do STF, ministro Dias Toffoli, acumulou tal
sorte de poderes que passou a confundir seus pontos de vista com os da Justiça.
O mesmo plenário do Supremo que se serviu de gravações ilegais de procuradores da Lava-Jato para condenar o então juiz Sergio Moro vê-se agora às voltas com outras mensagens que colocam o ministro Alexandre de Moraes no meio de uma crise política que pode desencadear um processo de impeachment contra ele no Senado, onde já há o número de assinaturas necessário para abertura.
O tamanho da reação do Supremo indica o
tamanho da crise. Como sempre, há opiniões divergentes. Mas, se os dois
assessores — juiz instrutor do gabinete do ministro, Airton Vieira, e Eduardo
Tagliaferro, chefe do setor do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que investiga
desinformação — revelam preocupação de ser descobertos, afirmando que a atitude
deles estava muito “escancarada”, e chegam a sugerir inventar um e-mail para
fingir que a denúncia veio de um anônimo, e não de Alexandre de Moraes, é claro
que aí tem alguma coisa errada. Ninguém inventou esse questionamento, foram os
próprios assessores do ministro que o criaram.
Os ministros do Supremo, ao assumirem mais
uma vez o papel de heróis nacionais, colocam o ministro Alexandre de Moraes
como valente defensor da democracia brasileira, coisa que ele realmente foi,
com o plenário do STF. Mas esse papel histórico não pode justificar eventuais
erros ou abusos de poder. Cada vez que acontece um caso como esse, a
tendenciosidade e o corporativismo do Supremo servem de instrumento aos
adversários. O que o ministro Alexandre de Moraes fez foge aos padrões desde o
início. Nesses casos específicos, é evidente que ele escolhia os alvos e
orientava a investigação, mesmo que alegue que os indivíduos já estavam
denunciados.
Se a informalidade foi usada para ganhar
tempo, se os pedidos foram registrados depois que ele os transmitiu aos
assessores, só uma investigação mostrará. Na Lava-Jato, houve o uso de contatos
informais com autoridades estrangeiras nas investigações, e isso foi condenado,
embora a OCDE tenha elogiado essa desburocratização, que deu mais eficiência ao
combate à corrupção.
O ministro Alexandre de Moraes ficou com
muito poder, poder excessivo, e os acontecimentos o ajudaram, porque houve uma
tentativa real de golpe, e o TSE foi fundamental no combate a ela. Foram então
sendo permitidas eventuais irregularidades, porque ele estava no caminho certo,
com apoio dos colegas no STF, combatendo os que queriam derrubar a democracia.
Assim como não se podem usar métodos ilegais
para combater a corrupção, também não se podem usá-los para combater os
golpistas. Não é possível termos no país figuras poderosas que são, ao mesmo
tempo, inatingíveis, inatacáveis e inimputáveis, por melhores que esses
juristas sejam. Por mais boa-fé que tenham, não podem ter um poder inexcedível.
O ministro Gilmar Mendes lembrou em seu pronunciamento que as decisões do
ministro Alexandre de Moraes foram sempre aprovadas pelo plenário do STF. Todas
as decisões do ex-juiz Sergio Moro também foram apoiadas pelo plenário do
Supremo durante anos, até que deixaram de ser.
Xandão conseguiu ser herói e vilão ao mesmo tempo.
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