Folha de S. Paulo
Identidade e homogeneidade foram, assim,
conceitos-chave da filosofia política e da teoria social do nazismo
Ao questionar o que supõe ser
"identidade racial" de Kamala Harris,
Trump, besta inquestionável, suscita, entretanto, um objeto de controvérsia que embaraça ativistas políticos.
Kamala, de origem indiana e jamaicana, tem pele escura como seus genitores e
ancestrais. Em matéria de fenotipia, a Índia é um mosaico, a depender da
região. Na Jamaica, Bob Marley seria o padrão.
Mas a pele clara também tem grandes variações: os escandinavos diferem dos
gauleses, dos eslavos e assim por diante. O comum é a despigmentação. Branco e
negro são categorias morfofenotípicas criadas pelo pensamento colonial a partir
da falsa ideia de raça. Não identificam, tentam classificar.
Daí o medo das diferenças inerentes ao
processo identitário. Identidade e homogeneidade foram, assim, conceitos-chave
da filosofia política e da teoria social do nazismo. A igualdade deveria
basear-se numa imaginária identidade coletiva ariana, com exclusão de todos os
diferentes, supostas ameaças à homogeneidade. O Holocausto não foi apenas de judeus, mas também de
ciganos, de negros, de homossexuais, de incapacitados, de comunistas.
É possível que a fonte desse eugenismo seja norte-americana (teoricamente, o
tratado "Crania Americana", de Samuel Morton). Mesmo sem descambar na
alucinação nazista, a América baseou sua democracia igualitária no racismo,
isto é, na construção da brancura como identidade central, geradora de um
sentimento de distinção excludente de outras formas de representação social. No
Sul, pele branca era sinal de nobreza, os escravistas adotavam modos
aristocráticos dos franceses. O racismo americano cresceu como demanda de identidade e
homogeneidade. Ilusão qualitativa, dominação hierárquica.
Sim, toda identidade é ilusória. Mas essa ilusão própria pode ser estratégica
na luta pelos direitos civis.
Aconteceu com o movimento negro, impelido pela percepção de aspectos positivos
na ideia de "identidade negra" como contra-hegemonia descolonial.
Ninguém jamais reivindicou isso na África. E na rebeldia afro-americana do
século passado, era só recurso crítico, tático. Sob o pós-espírito de
insurreição, surge como identitarismo, lugar de fala exclusivo. Ópio das
esquerdas: articula identidade como essência, não como posição dialética na
dinâmica social. É o caso do racista Trump. Para Kamala, entretanto, negro é
configuração lógica, um "topos": não qualidade antropológica, mas um
lugar que se ocupa.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirE há negros que criticam o fato de Michelle Obama e Kamala alisarem os fios de cabelo.
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