quinta-feira, 1 de agosto de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Decisão do Copom de manter juros reforça credibilidade

O Globo

Ante a deterioração das expectativas de inflação para este ano e 2025, BC adota cautela

O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) manteve a taxa básica de juros em 10,5% ao ano. A decisão unânime de deixar a Selic com o mesmo percentual de maio se justifica pela piora nas projeções de alta de preços. Desde a reunião anterior da autoridade monetária, realizada em junho, as estimativas para este ano e o próximo subiram. A de 2024 para 4,10% e a projetada para 2025 para 3,96%, ambas acima do centro da meta, que é de 3%. Com a troca de comando no BC próxima e ataques de dentro do governo à política de juros, o Copom optou pela cautela para ancorar as expectativas.

A divulgação pelo IBGE na semana passada da prévia da inflação oficial de julho (0,30%), acima da esperada por analistas econômicos, reforçou a deterioração das previsões deste ano. No acumulado em 12 meses, o percentual fechou em 4,45%, superior aos 4,06% até o mês anterior. Logo após a tragédia climática no Rio Grande do Sul, parecia que o comprometimento de algumas safras teria impacto negativo fora do comum na alta de preços. O anúncio da redução do ritmo de crescimento da inflação de alimentos de junho levou a novas estimativas para o ano fechado de 2024. Ainda que menos pessimistas, elas continuam elevadas. Fatores como os reajustes das tarifas de energia e dos combustíveis também jogaram os índices para cima.

Uma das fontes de pressão inflacionária tem sido a instabilidade da taxa de câmbio. Com os questionamentos sobre a credibilidade da política fiscal, a percepção de risco aumenta, o real se deprecia e eleva os valores de produtos importados e dos cotados em dólar. Anunciado na terça-feira, o detalhamento do congelamento de gastos de R$ 15 bilhões previsto para este ano não dissipou as dúvidas sobre a notória propensão do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva de gastar mais que arrecada. Ainda é persistente a desconfiança sobre o compromisso de acabar 2024 com as contas públicas equilibradas.

O trabalho do Copom de ancorar as expectativas de inflação poderá receber uma ajuda involuntária do exterior. Após reunião do Fed, o banco central americano, também realizada nesta quarta-feira, os analistas passaram a acreditar numa redução da taxa de juros no segundo semestre. “Se a inflação se reduzir de acordo com as expectativas, o corte da taxa em setembro estaria na mesa”, declarou o presidente do Fed, Jerome Powell. Caso confirmada, a medida diminuiria a atratividade dos investimentos nos Estados Unidos e aumentaria a entrada de dólares em países emergentes, diminuindo sua cotação ante as moedas locais.

Com ou sem ajuda externa, o BC precisará se manter atento para blindar sua credibilidade em momento de transição. Em dezembro, acaba o mandato do atual presidente, Roberto Campos Neto, alvo preferencial de críticas de Lula. O presidente ainda precisa indicar o sucessor. O histórico de tentativas de interferência na condução da política monetária é um complicador. A decisão anunciada nesta quarta-feira de deixar a Selic em patamar elevado reforça a imagem autônoma do BC. Sem independência, não há como conduzir de forma satisfatória as expectativas de inflação.

Bronze na ginástica deve inspirar projetos em outras modalidades

O Globo

A conquista inédita que emocionou o Brasil é resultado de mais de quatro décadas de trabalho contínuo

O Brasil tem motivos para celebrar a inédita medalha (de bronze) por equipes na ginástica artística durante a Olimpíada de Paris. Primeiro, porque a conquista de terça-feira na Arena Bercy coroa um trabalho de mais de quatro décadas, período em que o Brasil saltou de competidor sem praticamente nenhuma chance a concorrente na disputa por um lugar no pódio com as maiores potências da modalidade. Segundo, porque o feito acontece numa das provas mais nobres dos Jogos. Por fim, porque é fruto de um esforço coletivo. A façanha de Rebeca AndradeFlavia Saraiva, Jade Barbosa, Julia Soares e Lorrane Oliveira em solo parisiense é incontestável. Não se deve subestimar o impacto que o sucesso das ginastas tem na prática de esportes e na autoconfiança de jovens brasileiras.

O cenário mudou desde os Jogos de Moscou, em 1980, quando Claudia Magalhães se tornou a primeira brasileira a disputar a ginástica artística. Na época, o Brasil era apenas um intruso num clube fechado. De lá para cá, os pódios por equipes foram dominados por potências olímpicas como União Soviética/Rússia, EUA, China, Romênia, Alemanha, com eventuais participações de Grã-Bretanha e Itália.

As mudanças aconteceram aos poucos, de forma lenta, porém consistente. Os resultados colhidos agora refletem o trabalho de outras ginastas que abriram portas e trouxeram patrocínio, a despeito das adversidades conhecidas. Está aí o legado de Tatiana Figueiredo, Soraya Carvalho, Luisa Parente, Daniele Hypólito, da campeã mundial Dayane dos Santos, Lais Souza e tantas outras. A almejada medalha por equipes não surgiu do nada. Foi construída ao longo do tempo. “Hoje podemos dizer que temos uma escola de ginástica brasileira”, afirma Jade Barbosa.

Antes de Paris, os melhores desempenhos da ginástica brasileira por equipes haviam sido os oitavos lugares em Pequim 2008 e Rio 2016. Embora o salto de Rebeca Andrade, com nota de 15.100, a maior de todas, tenha catapultado a equipe brasileira ao pódio, a conquista seria impossível sem o bom desempenho das outras atletas.

O êxito mostra mais uma vez que é possível mudar cenários aparentemente imutáveis. Até os anos 1980, o vôlei brasileiro era apenas mais um esporte. Nas últimas décadas, se transformou numa potência mundial. Já são cinco ouros olímpicos, três no masculino (Barcelona 1992, Atenas 2004 e Rio 2016) e dois no feminino (Pequim 2008 e Londres 2012), sem contar outros pódios.

O triunfo na ginástica artística em Paris, que poderá ser ainda maior, uma vez que há outras disputas de medalhas com participação de brasileiras, aponta um caminho para o Brasil. Mostra que, independentemente de desempenhos muitas vezes frustrantes, se houver base sólida, preparação eficaz, investimentos na formação de atletas de alto nível e, principalmente, desenvolvimento de um trabalho sério e duradouro, os resultados aparecem. Não há dúvida de que o brilho de Rebeca e companhia poderá inspirar outras meninas a sonhar com conquistas.

Fed indica que pode cortar juro logo e BC, que vai demorar

Valor Econômico

Enquanto Fed sugeriu que pode cortar juros em setembro, comunicado do BC indicou que, se alguma ação de política monetária tiver de ser tomada, ela seria de maior endurecimento

O Federal Reserve americano (Fed) e o Banco Central brasileiro (BC) deram ontem os sinais que se esperavam deles. O Fed tornou mais explícito que poderá começar a cortar os juros em setembro. O Comitê de Política Monetária (Copom) acrescentou mais um fator de risco — a valorização do dólar — a seu balanço de riscos e avançou com um cenário alternativo de Selic a 10,5% até o primeiro trimestre de 2026, quando a inflação projetada será de 3,2%, maior que os 3,1% esperados para 2025. O comunicado indicou que, se alguma ação de política monetária tiver de ser tomada, ela seria na direção de maior endurecimento.

O presidente do Fed, Jerome Powell, indicou que há mais confiança de que a inflação está caminhando para a meta de 2% e que o mercado de trabalho esfriou o suficiente para que o banco possa vislumbrar um juro menor em breve, desde que os indicadores continuem sendo positivos como os últimos têm sido. “A hora está chegando”, disse Powell.

O Fed mudou o comunicado da reunião para apontar uma mudança próxima. Nele se registra que “o comitê está atento aos riscos dos dois lados de seu mandato”, a saber, os que envolvem a inflação e o comportamento do emprego. No documento anterior, mencionava apenas os riscos inflacionários. O desemprego cresceu para 4,1% em junho, mais ou menos em linha com as projeções feitas pelos membros do banco na reunião de junho. Isso significa que o aperto monetário deslocou parte das preocupações do Fed para os efeitos dos juros sobre o mercado de trabalho, já que seus efeitos de contenção sobre a inflação, embora mais lentos do que o esperado, se confirmaram nos últimos meses.

Embora a taxa de 4,1% de desemprego seja historicamente baixa, como qualificou Powell, ela veio subindo gradativamente, e o mercado de trabalho, esfriando na mesma medida. As ofertas de emprego em 12 meses chegaram em junho a 8,2 milhões, ante 12 milhões na mesma época em 2022. Outra medida importante sobre o estado do mundo do trabalho, a relação entre vagas abertas e trabalhadores disponíveis caiu para 1,2 em junho, ante 1,24 em maio. A média trimestral se situou em 1,22, uma razão significativamente inferior ao 1,96 observado em 2022.

Os salários refletiram o gradual esfriamento da oferta de vagas. Os do setor de serviços avançaram 4,2% ao ano no segundo trimestre, enquanto os da indústria subiram 3,5%. Embora acima da inflação anual (2,6% pelo índice de gastos pessoais de consumo), eles são compatíveis com a meta de inflação de 2%, quando ajustados pelo aumento da produtividade da economia americana, de 1,8%, segundo a consultoria Oxford Economics.

Embora tenha mantido os juros entre 5,25% e 5,5%, Powell apontou que os números desfavoráveis para a inflação do início do ano ficaram para trás e deram lugar a outros que indicam queda contínua e que o mercado de trabalho deixou de estar muito aquecido, de forma que “não é mais fonte de pressão inflacionária”, embora esteja longe de indicar uma tibieza que prenuncie recessão.

A preocupação com o momento certo de cortar os juros, para evitar que a economia esfrie muito, é um dos dilemas do Fed. Powell negou várias vezes que o banco enxergue o aumento das chances de um “pouso forçado” e disse que isso simplesmente “não está nos dados”. As atividades econômicas, segundo ele, mantêm um ritmo sólido — o PIB americano cresceu 2,8% no segundo trimestre do ano —, e o mercado de trabalho está em boa forma, com os indicadores se aproximando dos observados antes da pandemia. O Fed, no entanto, quer ter mais dados que confirmem o cenário favorável antes de iniciar o desafogo monetário.

Já o Copom manteve seu cenário de que a economia brasileira e o mercado de trabalho têm “dinamismo maior que o esperado” e que os indicadores de inflação subjacente estão acima da meta de 3%. No entanto, o comunicado deixa claro que atingir a meta será mais difícil. Com a taxa de juros constante a 10,5%, 2025 fecharia com IPCA em 3,1% pela projeção em cenário alternativo anterior. Agora, seria de 3,4%, com desvio mais relevante. O Copom indicou que prevê inflação de 3,2% em período mais longo, no primeiro trimestre de 2026. A mudança se deve aos efeitos da valorização do câmbio.

Apesar de ter mantido o balanço de riscos equilibrado, novo fator foi acrescentado entre os que podem levar o IPCA para cima: a “conjunção de políticas econômicas externa e interna que tenham impacto inflacionário, por exemplo, por meio de uma taxa de câmbio persistentemente mais depreciada”. No cenário de referência, o BC considerou agora uma taxa de câmbio a R$ 5,55 (ante R$ 5,30 na reunião anterior) e projetou IPCA de 3,6% para o ano que vem.

O comunicado acrescentou, em relação ao anterior, que “os impactos inflacionários decorrentes dos movimentos das variáveis de mercado e das expectativas de inflação, caso se mostrem persistentes, corroboram a necessidade de maior vigilância”. Esse último termo significa, se o quadro descrito se confirmar, que a taxa Selic terá de subir.

 Lula normaliza a fraude eleitoral de um ditador

Folha de S. Paulo

Declaração sobre o pleito farsesco na Venezuela é cínica; menos vexatório para o país é persistir na cobrança dos dados

Se a reação da chancelaria brasileira à farsa eleitoral venezuelana foi tardia e tímida, mas ao menos buscou um tom de cobrança, a de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) foi de um cinismo vil e cúmplice.

"Não tem nada de grave, não tem nada de assustador", disse Lula em entrevista. "Não tem nada de anormal. Teve uma eleição. Teve uma pessoa que disse que tem 51%, tem outra pessoa que teve 40 e pouco por cento. Um concorda, o outro não, entra na Justiça, e a Justiça faz."

Com lógica e tortuosa, o presidente da República evoca sua tristemente célebre observação do ano passado sobre a Guerra da Ucrânia, ao nivelar a Rússia invasora e o país invadido —"Quando um não quer, dois não brigam".

O petista, mais uma vez, deixa escrúpulos de lado na defesa acovardada de tiranias que partem de um camarada seu, seja Vladimir Putin, seja Nicolás Maduro.

Nada houve de anormal, depreende-se de sua fala, em uma eleição cujo órgão organizador impediu sucessivamente candidaturas de oposição e cancelou o convite a observadores da União Europeia —afora a prisão de dezenas de cidadãos contrários ao regime chavista durante a campanha.

Nada houve de anormal, para Lula, na divulgação opaca de um resultado que contrariou as pesquisas de intenção de voto, após mais de seis horas sem nenhuma informação sobre os números das urnas.

Os descontentes, segundo a cândida recomendação do petista, devem recorrer à Justiça —num país em que até o Parlamento teve seus poderes esvaziados, sete anos atrás, após uma vitória oposicionista no pleito legislativo.

Enquanto o mandatário brasileiro discorria sobre a normalidade da eleição, considerada "pacífica, democrática e soberana" por seu partido, as ruas de Caracas e outras cidades venezuelanas eram tomadas por protestos populares que resultaram em ao menos 11 mortes e centenas de presos.

A Organização dos Estados Americanos (OEA) não reconheceu a reeleição de Maduro, apontando haver indícios de distorção do resultado. Os governos de esquerda do Chile e da Colômbia, entre muitos outros da região, manifestaram publicamente suas dúvidas quanto à lisura do pleito.

Longe de microfones e holofotes, Lula conversou por telefone com o americano Joe Biden e, segundo a Casa Branca, concordou com a necessidade de divulgação completa e imediata dos dados relativos à votação na Venezuela.

Foi essa a posição inicial do Itamaraty, que mostra o caminho menos desonroso a ser seguido pelo Brasil. Infelizmente, o descaramento de Maduro e a pusilanimidade do presidente brasileiro parecem nos reservar mais vergonhas.

Saúde polarizada

Folha de S. Paulo

Eleição no CFM escancara politização do órgão, que deve se pautar pela ciência

O Conselho Federal de Medicina (CFM) é uma autarquia que tem o papel de fiscalizar e normatizar a prática médica para proteger a saúde da população. Assim, é temerária sua politização verificada nos últimos anos e, agora, refletida na eleição dos novos conselheiros.

Na votação a ser realizada nos dias 6 e 7 de agosto, quatro chapas estão em disputa: "JUNTOS por uma categoria médica mais forte","Força Médica", "ConsCiência CFM" e "Experiência e Inovação".
Em campanhas nas redes sociais, a primeira tem divulgado peças com apoio de políticos do PL de Jair Bolsonaro, além de críticas a Luiz Inácio Lula da Silva e ao PT.

A "Força Médica", que se descreve como "chapa de direita conservadora", divulga pedidos de votos do empresário Luciano Hang e do ex-ministro da Saúde Marcelo Queiroga —bolsonaristas notórios.

Não se trata de questão menor. O CFM tem se baseado em ideologia para interferir em políticas públicas, numa atitude incompatível com a missão do órgão.

Durante a pandemia, transigiu com drogas ineficazes contra a Covid-19, como a hidroxicloroquina; em 2022, limitou a prescrição do canabidiol (CBD), um dos princípios ativos da maconha; ao se opor ao aborto legal por telemedicina em 2023, desconsiderou a ciência e as desigualdades do país.

Em janeiro deste ano, estimulou questionamentos sobre a vacina contra a Covid para crianças de 6 meses a 5 anos de idade. E, em junho, vedou a assistolia fetal após a 22ª semana de gestação —método preconizado pela OMS para a interrupção da gravidez tardia.

Tal decisão impulsionou na Câmara dos Deputados a tramitação do insensato projeto de lei 1.904/24, que permite a prisão de quem realiza aborto após a 22ª semana de gestação, incluindo mulheres estupradas, que pelo texto podem ter pena superior a de seus agressores.

Já que tem o poder de normatizar e fiscalizar a prática médica, investigar e punir profissionais, os conselheiros do CFM deveriam se pautar por evidências e diagnósticos de políticas públicas, não por uma polarização política rasteira que em nada contribui para a promoção da saúde dos brasileiros.

Lula insulta democratas e envergonha o Brasil

O Estado de S. Paulo

Quando diz que a fajuta eleição venezuelana foi normal, o presidente brasileiro desrespeita os corajosos cidadãos que põem em risco a própria vida para enfrentar a tirania de Maduro

Ao dizer que “não tem nada de grave, nada de anormal” ocorrendo na Venezuela após a fajuta vitória do ditador-companheiro Nicolás Maduro na eleição de domingo passado, o presidente Lula da Silva desrespeitou profundamente todos os venezuelanos que lutam pela democracia e que, nessa missão, muitas vezes colocam em risco a própria vida.

O comportamento de Lula é uma vergonha para o Brasil e para os brasileiros que prezam pela democracia e pelos direitos humanos, independentemente de suas afinidades político-ideológicas. Com um cinismo incomum até para os padrões lulopetistas, o presidente da República tratou a eleição no país vizinho como um pleito justo, no qual “as pessoas que não concordam” com o resultado podem recorrer à Justiça e “o governo tenha o direito de provar que está certo”. A falsa isonomia de Lula é de uma crueldade repulsiva com todos os que ousam enfrentar o tacão do regime chavista, pois o petista sabe muito bem que “Justiça” na Venezuela tem nome e sobrenome: Nicolás Maduro.

Ciente de que suas alternativas à derrota nas urnas eram ou o exílio ou a prisão – e possivelmente nos Estados Unidos, onde enfrenta uma série de processos criminais –, Maduro tem feito o diabo na Venezuela para se aferrar ao poder. Tanto faz que roubar uma eleição na qual foi fragorosamente derrotado, por incrível que pareça, talvez tenha sido o mais leve de seus crimes até o momento.

Enquanto Lula acha que está tudo “normal” na Venezuela, o Centro Carter, única instituição independente que pôde atuar como observadora do pleito, concluiu oficialmente que a eleição “não atendeu aos padrões internacionais de integridade eleitoral em nenhum de seus estágios e violou numerosas determinações de sua própria legislação nacional”, razões pelas quais “não pode ser considerada democrática”.

Não satisfeito em subverter a soberania da vontade popular, o ditador lançou as forças do Estado e as milícias a serviço de seu regime de opressão contra os seus concidadãos que ousam contestar, com destemor e espírito cívico, a brutal ditadura chavista. Apenas 72 horas após a “diplomação” de Maduro, as mortes de opositores da ditadura já se contam às dezenas na Venezuela; sequestros e prisões arbitrárias, às centenas.

Nada disso é “grave” o bastante ou “anormal” para Lula, ele mesmo vítima de uma tentativa de golpe de Estado uma semana após ter tomado posse, no fatídico 8 de Janeiro. É que, conforme Lula disse alhures, “o conceito de democracia é relativo”: para o petista, enquanto a Venezuela do ditador Maduro é um país plenamente democrático, o Brasil que afastou a presidente Dilma Rousseff num processo previsto na Constituição e amplamente corroborado por instituições livres e soberanas testemunhou um “golpe”.

Quando olha no espelho e ajeita a gravata todas as manhãs, Lula decerto enxerga um grande estadista. Na realidade, porém, o petista é apenas um peão nesse rearranjo geopolítico que há alguns anos tem nas disputas entre os Estados Unidos e a China o seu eixo central. Lula fez uma escolha inequívoca nessa contenda. Mas o assento a que foi relegado é bem mais modesto do que aquele sobre o qual ele imagina estar sentado.

Como lhe faltam as condições militares e econômicas para elevar o Brasil à condição de interlocutor relevante nas grandes discussões geopolíticas atuais – um delírio que serve apenas para alimentar sua conhecida egolatria –, Lula se permitiu ser usado por autocratas como uma espécie de avalista de ditaduras mundo afora. Nesse sentido, Lula emprega o que ainda resta de soft power ao Brasil e todo o vigor de nossa democracia para normalizar tiranias que ele vê como vanguarda da oposição ao Ocidente em geral e aos Estados Unidos em particular.

A defesa da Venezuela como um dos membros do tal “Sul Global” se coaduna com essa visão miúda do petista – uma visão que, além de desrespeitosa com a Constituição e com a digna tradição diplomática do Brasil, trai a decência do povo brasileiro.

Brincando com fogo

O Estado de S. Paulo

Dívida bruta cresce consistentemente desde o início de 2023 e atinge 77,84% do PIB, mas governo Lula não parece nada preocupado com as consequências dessa política temerária

A dívida bruta brasileira atingiu em junho R$ 8,69 trilhões, o equivalente a 77,84% do Produto Interno Bruto (PIB), segundo dados divulgados pelo Banco Central (BC). Houve um avanço nada trivial em relação ao mês de maio, quando a dívida bruta correspondia a 76,7% do PIB. Foi também o maior nível de endividamento desde novembro de 2021, quando a relação entre a dívida bruta e o PIB atingiu 78,20%. O resultado nada mais é do que um reflexo da política fiscal expansionista do governo. E, se a fotografia é ruim, o filme tampouco é melhor.

A dívida bruta na proporção do PIB tem subido consistentemente desde o começo do ano passado e já aumentou 3,4 pontos porcentuais desde janeiro, ampliando ainda mais a diferença entre o grau de endividamento do País e a média dos países emergentes. Calculada por critérios um pouco diferentes, a dívida bruta brasileira, segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI), atingiu 86,72% do PIB, enquanto a média dos países em desenvolvimento na América Latina gira em torno de 68,47% do PIB.

O problema de ter uma dívida tão alta comparativamente a economias semelhantes é que ela exige juros maiores para ser financiada. E o custo de carregamento da dívida brasileira, por óbvio, já é bem mais alto que o de países vizinhos. Segundo o Tesouro Nacional, em 2021, o País gastava 6,68% do PIB em transações da dívida pública, mais que a média de 4,13% de países da América Latina e que os 2,28% de economias emergentes.

O governo Lula da Silva pode até argumentar que a dívida bruta passou a refletir os precatórios, que estavam “escondidos” pelo limite imposto pela emenda constitucional proposta pela administração Jair Bolsonaro e aprovada pelo Congresso. É verdade, mas seria injusto atribuir a dinâmica da dívida bruta nos últimos meses apenas à regularização do pagamento de precatórios.

Haverá quem culpe o Banco Central, que interrompeu o ciclo de redução da taxa básica de juros em junho, mais cedo do que o Executivo imaginava, contribuindo para elevar o custo da dívida. O certo é que não se deve esperar uma dose de autocrítica do governo pelo fato de ter ampliado o limite de gastos deste ano e alterado as metas fiscais de 2025 e 2026 em abril – antes, portanto, da decisão do BC.

A mudança das metas contribuiu consideravelmente para elevar incertezas alimentadas pela manutenção dos juros norte-americanos. A verborragia do presidente Lula da Silva contra o BC e a responsabilidade fiscal piorou esse quadro. Nem mesmo o anúncio de congelamento de despesas de R$ 15 bilhões foi suficiente para reverter o estrago.

Os dados da dívida bruta são úteis para expor o ciclo vicioso no qual o Brasil entrou e do qual não consegue sair. Quando o País gasta mais que arrecada, gera um rombo nas contas públicas que precisa ser financiado com emissão de dívida. Quanto maior a dívida, maior o juro; quanto maior o juro, maior o custo de carregamento da dívida; quanto maior o custo de carregamento da dívida, maior o esforço necessário para estabilizá-la. Em outras palavras, déficits primários aumentam a dívida bruta de maneira imediata.

A principal vulnerabilidade da economia brasileira ainda é a política fiscal, e o comportamento da dívida bruta só explicita o tamanho do problema. Atacar a política monetária é apenas uma estratégia para desviar o foco.

Há outro aspecto que deveria preocupar o governo: a dívida bruta tem crescido a despeito dos bons resultados que o País tem registrado em termos de crescimento econômico. Isso reforça a tese de que o avanço do PIB, sozinho, não será suficiente para estabilizar a curva da dívida.

A interrupção dessa dinâmica depende de uma decisão que cabe unicamente ao governo. É preciso ir além de bloqueios, contingenciamentos e pentes-finos em programas sociais e assistenciais e reduzir as despesas de maneira efetiva e estrutural para reduzir o déficit e, futuramente, voltar a gerar superávits primários. Só assim será possível ter uma taxa de juros que não contenha os investimentos tão necessários ao crescimento econômico.

Israel risca o fósforo

O Estado de S. Paulo

Israel retalia Irã, Hamas e Hezbollah, elevando a chance de uma guerra que ninguém quer

Foi um grande dia para o serviço secreto de Israel, o maior desde a humilhação no 7 de Outubro, quando terroristas palestinos penetraram o país, massacraram mais de 1.200 pessoas e sequestraram mais de 200. Na terça-feira, foi a vez de Israel humilhar brutalmente o Irã e as duas principais milícias do seu “Eixo de Resistência”, o Hezbollah e o Hamas.

Como de hábito nessa guerra nas sombras, os detalhes são opacos e as consequências, imprevisíveis. Em retaliação a um ataque a míssil (que o Hezbollah não assume) que matou 12 crianças num campo de futebol nas Colinas de Golan, as forças israelenses bombardearam um prédio em Beirute onde estaria um alto comandante do Hezbollah, Fuad Shukr. O Hezbollah não confirmou a morte. Horas depois, outro míssil matou o líder político do Hamas, Ismail Haniyeh, em Teerã, onde estava para participar da posse do novo presidente iraniano. Israel não confirma nem nega a autoria. Mas todos ouviram a mensagem: o alto escalão do autoproclamado “Eixo de Resistência” não está a salvo em lugar nenhum. Foi uma demonstração de força, com grande potencial dissuasório, mas também grandes riscos.

De pronto, as negociações para um cessar-fogo em Gaza serão retardadas. Além de perpetuar a calamidade dos palestinos, isso continuará abastecendo as tensões entre o Hezbollah e Israel, que têm trocado disparos desde o 7 de Outubro.

O pior cenário seria uma escalada por parte do Hezbollah – que tem um poder de agressão muito maior que o do Hamas – ou ataques das outras milícias do Eixo ou mesmo do Irã. Mas é improvável. Alguma retaliação há de vir. Mas pode ser calculada para arrefecer, antes que acirrar os ânimos, como no toma lá dá cá entre Irã e Israel em abril.

Na ocasião, o gatilho foi o assassinato de um oficial iraniano em Damasco. Agora, o ataque foi em Teerã, mas a um líder palestino. O Irã vive instabilidades domésticas, após a morte súbita do último presidente. Embora as hostilidades entre o Hezbollah e Israel tenham sido contínuas, o líder do Hezbollah, Hassan Nasrallah, explicitou que cessaria os ataques no momento em que um cessar-fogo fosse pactuado em Gaza. A condição implícita de Israel – de que o Hezbollah recue na fronteira – é realista e não sugere interesse em intensificar o conflito.

Haniyeh vinha advogando por um cessar-fogo, e sua morte pode dar mais ingerência ao líder militar do Hamas, Yahya Sinwar, que resiste a concessões. Por outro lado, Israel tem eliminado colegas de Sinwar, que está cada vez mais isolado e pressionado pelos palestinos. O premiê Benjamim Netanyahu tem sido ambivalente a propósito de um acordo. Mas, se quiser, os triunfos de terça podem lhe dar mão forte nas negociações.

A verdade é que nem Israel, nem o Hezbollah, muito menos o Irã e menos ainda o principal aliado de Israel, os EUA, querem uma conflagração. Mas os ataques de terça tornam a situação mais volátil, e um erro de cálculo, mais perigoso. A iniciativa está com o Irã e o Hezbollah e os próximos dias revelarão suas intenções. Por ora, uma coisa é certa: o mundo se livrou de dois carniceiros.

Trabalho escravo ainda desafia o Brasil

Correio Braziliense

Por mais rigorosa que seja a legislação, o modelo colonial de acumular riqueza se pauta pelo desrespeito à legislação trabalhista e aos direitos humanos

De acordo com integrantes das equipes que enfrentam a escravidão, o trabalho aviltante é uma das faces da profunda desigualdade brasileira - (crédito: Secretaria de Inspeção do Trabalho/Reprodução)

Passados 135 anos da abolição da escravidão, a prática brutal de exploração da mão de obra humana é uma dura realidade no Brasil. Relatórios dos ministérios da Justiça e Segurança Pública (MJSP) e do Trabalho e Emprego (MTE) revelam que a maioria das vítimas do trabalho escravo é homens, sendo 80% pretos e pardos.

Entre 2021 e 2023, o Grupo Especial de Fiscalização Móvel (GEFM) do Ministério do Trabalho e Emprego resgatou 8.415 brasileiros em condições análogas às da escravidão. Desse total, 6.734 (80%) eram negros; 1.497 (18%), brancos; e 148 (2%), indígenas. Com relação ao recorte de gênero, 7.115 (84%) eram do sexo masculino. Os dados oficiais reconhecem que, além de ser submetida ao trabalho escravo, boa parte das vítimas sofre com a exploração sexual.

O Ministério da Justiça reconhece que faltam dados em relação aos povos indígenas, especialmente no Mato Grosso do Sul, onde o povo Guarani-Kaiowá  perdeu grande parte do seu território para invasores e grileiros das terras indígenas. Trata-se de uma disputa que começou na Guerra do Paraguai (1864-1870) e obrigou os guaranis a deixarem suas terras. O prazo constitucional de cinco anos para a regularização das terras indígenas, a partir da promulgação da Carta Magna de 1988, não foi cumprido pelo Estado brasileiro.

O Brasil do século 21 ainda guarda cenários típicos do período colonial, iniciado nos anos 1500, principalmente nas zonas rurais, onde há um maior número de pessoas submetidas ao regime análogo à escravidão na agricultura, na pecuária e nos garimpos. Os trabalhadores vivem em regiões extremamente pobres, nas quais a maioria deles é analfabeta e desconhece seus direitos. Os recrutadores, chamados de gatos, conseguem convencê-los com promessas fantasiosas de melhoria de vida, bons salários e várias outras vantagens, que não se cumprem. 

A exploração não ocorre só no meio rural. Ela se dá também nos grandes centros urbanos, principalmente nas empresas que focam no segmento de luxo e chegam ao mercado por meio de marcas renomadas. Trata-se de um processo antigo, que vem se arrastando há décadas no país. Por maior que seja o esforço dos fiscais, autoridades policiais e até mesmo do Judiciário, a prática não conseguiu ser erradicada.

Os escravocratas, flagrados pelas autoridades, são punidos com multas elevadas. A punição pecuniária não é suficiente para  inibir ou eliminar a exploração criminosa da mão de obra no país. Por mais rigorosa que seja a legislação, o modelo colonial de acumular riqueza se pauta pelo desrespeito à legislação trabalhista e aos direitos humanos, expondo a face do atraso e do obscurantismo de grandes negócios. 


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